Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – O ministro Raul Araújo, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), deu cinco dias para que a desembargadora do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) aposentada compulsoriamente Encarnação das Graças Sampaio Salgado e outras seis pessoas se defendam das acusações de “compra e venda” de sentenças relatadas em denúncia do MPF (Ministério Público Federal).
A denúncia contra o grupo foi recebida pelo colegiado do STJ em dezembro de 2022, quatro anos após ser ajuizada. Na ocasião, os ministros acompanharam o voto de Raul Araújo, que é relator do caso. Diante das provas colhidas nas investigações, o magistrado sustentou existir “indícios de materialidade e de autoria das condutas criminosas” apontadas pelo MPF.
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Além da defesa, os implicados poderão indicar testemunhas e as demais provas que pretendem produzir. “Citem-se, portanto, os réus, para apresentar defesa prévia, no prazo de 5 (cinco) dias, nos termos do art. 8° da Lei n° 8.038/90 e do art. 223 do RISTJ, ocasião na qual deverão apresentar o rol de testemunhas e indicar as demais provas que pretenda produzir”, diz a decisão.
Raul Araújo afirmou que apesar de a Lei nº 8.038/90, que estabelece os procedimentos para processos no STJ, prever a designação de dia e hora para o interrogatório, logo após o recebimento da denúncia, ele entende que essa fase deve ocorrer somente ao final da instrução processual, conforme dispõe o Código de Processo Penal.
Além de Encarnação, são réus nesse processo os advogados Edson de Moura Filho, Klinger da Silva Oliveira e Cristian Mendes da Silva, o empresário Thiago Guilherme Caliri Queiroz, o ex-prefeito de Santa Isabel do Rio Negro Mariolino de Oliveira e o ex-secretário municipal Sebastião de Moraes. Eles são acusados de intermediar a compra de sentença.
De acordo com o MPF, Encarnação recebeu R$ 50 mil do empresário Thiago Caliri para conceder uma liminar a favor de Carlos Augusto dos Santos, que havia sido preso por uso de diploma falso de engenheiro civil. A ação ilegal, conforme o MPF, teve participação de Mariolino Siqueira, Sebastião Ferreira, Edson Pinto Filho e Klinger Oliveira.
O “ajuste criminoso”, segundo a denúncia, foi revelado a partir da “intensa troca de mensagens e ligações telefônicas” entre Mariolino Siqueira, Sebastião Ferreira e Cristian Mendes. Antes disso, a magistrada havia sido investigada na Operação La Muralla, da Polícia Federal e MPF, suspeita de favorecimento a integrantes de organização criminosa.
Apesar de ter sido oferecida em 2018, a denúncia contra Encarnação ficou paralisada porque o STJ não havia conseguido notificar o empresário Thiago Caliri, mesmo após três tentativas. Em março de 2020, o ministro Raul Araújo informou que após a DPU (Defensoria Pública da União) assumir o caso e apresentar defesa preliminar, Thiago resolveu apresentar um advogado.
Afastamento
Encarnação atuava como juíza da 1ª Vara Criminal da Comarca de Manaus quando foi escolhida, por aclamação, para ocupar a vaga deixada por João Bezerra de Souza, em eleição realizada no dia 19 de fevereiro de 2009. O ato que promoveu Encarnação ao cargo de desembargadora foi publicado no dia 6 de março daquele ano.
Como desembargadora, a magistrada trabalhou até junho de 2016, quando foi afastada pelo Superior Tribunal de Justiça em desdobramento da Operação La Muralla, do Ministério Público Federal e Polícia Federal. A operação investigou um suposto esquema de venda de alvarás de soltura para presos envolvidos com o tráfico de drogas.
O afastamento de Encarnação foi prorrogado diversas vezes até que, em 2018, o colegiado a afastou até que a denúncia fosse apreciada. Conforme levantamento do ATUAL, a desembargadora recebeu R$ 2,7 milhões sem trabalhar entre 2016 e 2021 e acumulou rendimento líquido de R$ 659.781,08 no mês de dezembro de 2021.
Em junho de 2020, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) decidiu afastar Encarnação ao abrir uma investigação para averiguar denúncia feita pelo MPF de concessão irregular de liminares em favor de traficantes de drogas em diversos plantões. A decisão apenas reforçou o afastamento da magistrada, pois ela já estava longe das funções por decisão do STJ.
Em janeiro de 2022, o MPF apresentou outra denúncia referente à Operação La Muralla, cinco anos após a deflagração da mesma. Além de Encarnação, outras 14 pessoas, incluindo advogados e um ex-servidor do TJAM, foram denunciados pela venda de decisões judiciais para traficantes de uma facção criminosa.
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No CNJ, em junho de 2021, a desembargadora foi condenada à pena de aposentadoria compulsória proporcional ao tempo de trabalho. O colegiado aprovou o relatório do conselheiro Mário Guerreiro, que concluiu que a consequência das decisões de Encarnação foi a soltura indiscriminada de presos perigosos.