Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – Em recurso apresentado ao TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) em fevereiro deste ano, as procuradoras da República Caroline Maciel da Mata e Luciana Marcelino Martins apontaram omissões e contradições na decisão que declarou a Justiça federal incompetente para julgar as denúncias da Operação Maus Caminhos.
Mata e Martins afirmam que os desembargadores ignoraram as notas técnicas da CGU (Controladoria Geral da União), que apontam que o dinheiro usado para pagar o INC (Instituto Novos Caminhos) era de origem federal, e defenderam entendimento diferente do que já haviam aprovado em outro processo relacionado à operação.
O MPF (Ministério Público Federal) alega que a discussão sobre a competência da justiça federal para processar e julgar a operação não poderia ocorrer através de habeas corpus, pois demanda tempo maior para produção de provas. Segundo as procuradoras, já existe uma exceção de incompetência tramitando na Justiça Federal do Amazonas.
“A referida exceção consiste no instrumento processual adequado para o debate, vez que a via do habeas corpus é estreita, sem possibilidade de ser realizado o devido exame valorativo dos elementos fáticos contidos nos autos principais”, diz trecho dos embargos de declaração.
As procuradoras pedem que sejam supridas as omissões, contradições e obscuridades apontadas e que se reconheça a competência da Justiça federal para o julgamento das denúncias da ‘Maus Caminhos’. Sem data para ocorrer, o julgamento decidirá o futuro das 77 ações penais e das 40 ações de improbidade administrativa.
A decisão contestada pelo MPF foi tomada no dia 1º de dezembro de 2020 pela Terceira Turma do TRF1 ao julgar um habeas corpus movido pelo ex-secretário da Fazenda Afonso Lobo. O ex-chefe do Tesouro Estadual alegou que o dinheiro supostamente desviado através do esquema de fraudes era de origem estadual e não federal.
No julgamento, a desembargadora Maria do Carmo Cardoso rejeitou o entendimento da desembargadora Mônica Sifuentes, que é relatora do processo e havia votado pela competência da Justiça federal, e acompanhou a divergência apresentada pelo desembargador Ney Bello, que defendeu o envio das denúncias para a Justiça estadual.
Citando entendimento do TCE (Tribunal de Contas do Amazonas) e do TCU (Tribunal de Contas da União) de que não há “interesse federal” no caso, Bello sustentou que o dinheiro supostamente desviado trata-se de recursos repassados ao estado na modalidade ‘fundo a fundo’, ou seja, são regulares e automáticos.
No último dia 5 de março, cumprindo a decisão do TRF1, a juíza Ana Paula Serizawa, da 4ª Vara Criminal da Justiça Federal do Amazonas, enviou para a justiça estadual a denúncia por formação de organização criminosa contra Afonso Lobo, o ex-governador José Melo e outros ex-secretários de estado.
Omissão e contradição
Para as procuradoras, o próprio TRF1 já havia negado um pedido similar ao de Lobo ao julgar um habeas corpus movido por Ney Jefferson Barroso de Souza, que é réu na operação. Na ocasião, os desembargadores avalizaram a decisão da 4ª Vara Federal do Amazonas que afastou a incompetência da justiça federal.
Em trecho da ementa do acórdão, os desembargadores citam que “o Plenário da Corte de Contas não decidiu pela inexistência de verbas federais nos pagamentos realizados ao Instituto Novos Caminhos, mas apenas pela não constatação de relação direta entre os recursos federais e os valores supostamente utilizados na prática dos crimes”.
O MPF cita ainda uma decisão do ministro Nefi Cordeiro, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), proferida uma semana após a decisão do TRF1, que confirmou a federalização da ‘Maus Caminhos’. O entendimento de Cordeiro foi exposto no julgamento de um habeas corpus movido pela empresária Bianca Rodrigues, que também é ré na ‘Maus Caminhos’.
Cordeiro citou que o TCE concluiu que “ há evidente confusão de verbas federais e estaduais nas contas do Estado, a partir das quais eram feitos pagamentos diversos sem controle de fonte”, e que o STJ entende que é de competência federal a apuração de malversação de dinheiro destinado à educação.
As procuradoras afirmam que, após a decisão do TRF1, a defesa de Bianca Rodrigues homologou pedido de desistência do recurso. No entanto, para Mata e Martins, não se pode ignorar o fato de que o ministro do STJ rejeitou os argumentos apresentados pela empresária para que o processo fosse enviado para a justiça estadual.
Para o MPF, não há “mudança fática e/ou jurídica que justifique o novo entendimento” do TRF1, pois o habeas corpus de Lobo trata sobre o “mesmo cenário fático e arcabouço probatório” que o processo movido pela empresária e “se concentra na questão da competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes apurados na operação”.
Mata e Martins afirmam que os magistrados foram omissos ao não analisar a origem federal das verbas “demonstrada pelas Notas Técnicas 2711/2016 e 1072/2017 da Controladoria Geral da República, nas quais foram examinados de forma minuciosa os caminhos percorridos pelas verbas federais até o destino final”, o INC.
De acordo com as procuradoras, os desembargadores não fizeram a “imprescindível análise aprofundada e detalhada” da decisão do TCE e deram “relevância indevida” a decisão do TCU, citada por Bello, pois a representação do MPF “não foi sequer conhecida, por não preencher os requisitos de admissibilidade”.
O MPF sustenta ainda que o TCE não decidiu pela “inexistência de verbas federais nos pagamentos realizados ao Instituto Novos Caminhos, mas apenas não constatou relação direta entre os recursos federais e os valores supostamente utilizados na prática dos crimes, o que, no entanto, foi constatado pela CGU”.