Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – A intromissão do STF (Supremo Tribunal Federal) no Congresso Nacional gera ‘efeito dominó’ nos tribunais regionais, afirma o senador Plínio Valério (PSDB), ao comentar sobre decisões judiciais que ordenaram a abertura e a suspensão de comissões parlamentares de inquérito. Para Plínio, o Judiciário não pode intervir no Legislativo.
“É o efeito dominó. O Supremo faz isso. Os outros tribunais acham que podem fazer. É indevido. O Judiciário não tem porque interferir no Legislativo. É causa interna corporis. É um poder que tem que ser respeitado. Mas também o Poder só é respeitado quando seus membros se auto respeitam e se impõem”, disse o senador.
O cientista político Helso Ribeiro afirma que questões sobre regimento interno do Poder Legislativo não devem sofrer intervenção da Justiça, em respeito ao princípio da separação dos poderes. No entanto, segundo ele, os parlamentares podem receber ordens judiciais que interferem em seus trabalhos quando não cumprirem a Constituição.
“Existem decisões, matérias, direcionamentos que são interna corporis. Cabe àquela casa decidir e não um poder se intrometer no outro. Agora, caso um dirigente não tenha cumprido uma legislação, aí sim o Poder Judiciário tem que chegar e falar: vamos lá, você tem que fazer. A sua resolução determina isso”, disse Ribeiro.
No Amazonas, nos últimos dois anos, o TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) suspendeu três comissões parlamentares de inquérito abertas pela Assembleia Legislativa do Amazonas – uma delas foi autorizada a funcionar posteriormente – e uma comissão instalada pela Câmara Municipal de Itacoatiara (a 175 quilômetros de Manaus).
No âmbito federal, ocorreu o oposto. Em abril deste ano, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), mandou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) instalar uma comissão parlamentar de inquérito para apurar as ações e omissões da União e estados no combate à pandemia de Covid-19.
As interferências da Justiça do Legislativo incomodam parlamentares, principalmente os autores de comissões investigativas. Por outro lado, há quem defenda a intervenção do Poder Judiciário para “assegurar parâmetros constitucionais e democráticos, sobretudo no processo de composição da CPI e da proteção às minorias parlamentares”.
‘Funções típicas’
As comissões parlamentares de inquérito estão previstas na Constituição Federal e são instrumento para que senadores e deputados federais exerçam uma de suas funções, que é fiscalizar a administração pública. Dessa forma, uma CPI tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, como as polícias.
Apesar de estarem amparadas por lei, as comissões se tornam alvos de ações judiciais por parte de investigados, como ocorreu com a CPI aberta pela Assembleia Legislativa do Amazonas no mês passado para investigar as irregularidades na prestação de serviços pela Amazonas Energia. A empresa recorreu ao TJAM para suspender a instalação da comissão.
Ao atender pedido em plantão judicial no dia 4 de setembro, o desembargador Airton Gentil disse que os deputados estaduais não haviam delimitado o objeto de investigação da comissão, regra prevista no Artigo 58 da Constituição Federal. “Não basta a mera alusão a condutas lesivas ao patrimônio público supostamente perpetradas pela impetrante”, afirmou.
Helso Ribeiro cita o princípio da separação dos poderes ao explicar que cada poder tem uma função típica que deve ser respeitada pelos demais. “A princípio – eu diria de forma ordinária, não é para nenhum poder ter interferência no outro, ainda que eles tenham que atuar de forma harmônica”, disse Ribeiro.
Entretanto, conforme o cientista político, a Constituição Federal prevê que o Poder Judiciário deve se manifestar quando for provocado e quando houver lesão ou ameaça ao direito. “Existe o princípio da inafastabilidade da jurisdição. A jurisdição, quando provocada, tem a obrigação de se manifestar. O judiciário deve intervir quando ele é chamado”, disse Ribeiro.
Ao afirmar que, quando cumpridas as normas internas, não há motivos para um poder se intrometer no outro, Helso cita a decisão do desembargador – agora aposentado – Ari Moutinho, que autorizou os trabalhos de uma CPI aberta em 2020 para investigar os contratos da Secretaria de Saúde do Amazonas.
Aquela CPI havia sido suspensa por duas decisões judiciais nas quais, segundo Moutinho, os desembargadores interpretaram normas internas da Assembleia Legislativa do Amazonas, que são imunes ao controle do Poder Judiciário. “A interpretação e aplicação do regimento interno de corporação legislativa caracteriza matéria interna corporis”, disse Moutinho.
‘Questão interna’
Péricles Nascimento (PSL), que presidiu a CPI da Saúde da Assembleia Legislativa do Amazonas em 2020, afirmou que, no caso da comissão que coordenou, o conflito entre deputados era sobre a composição regimental da comissão, ou seja, uma questão interna. Na ocasião, deputados da base governista queriam ter maioria na comissão.
O deputado do PSL afirma que a intervenção do Judiciário “é importante para assegurar parâmetros constitucionais e democráticos, sobretudo no processo de composição da CPI e da proteção às minorias parlamentares”. O parlamentar diz que pode haver excessos, mas, em uma democracia, os excessos são consertados nas “instâncias cabíveis”.
Autor de uma CPI para investigar as ONGs da Amazônia que está na gaveta desde 2019, Plínio Valério (PSDB), é um dos críticos da intromissão do Poder Judiciário no Legislativo. Em abril deste ano, quando o STF mandou o Senado abrir a CPI da Saúde, o senador defendeu a desobediência à ordem judicial pelos parlamentares.
Plínio Valério (PSDB) entende que o Supremo não pode interferir no Legislativo, pois os ministros são constituídos para julgar matérias constitucionais, e não questões internas do Legislativo. “Eu não reconheço que o Supremo tenha prerrogativa de mandar instalar CPI. É matéria interna corporis, é do legislativo”, disse.
Para o senador, os parlamentares são os próprios culpados pelas interferências, pois sempre recorrem à Justiça. “Tem alguns senadores que recorrem ao Supremo e é tudo o que eles querem para interferir no Legislativo. Portanto, nós também somos culpados por essa interferência, por estar recorrendo a ele quando a decisão é unicamente a nossa”, disse Plínio.
Por ter esse entendimento, o senador disse que não busca o Supremo para instalar a CPI das ONGs. “Se dependesse de mim, o Judiciário não interviria nunca, pois eu jamais vou recorrer ao Judiciário em uma questão que é nossa. O Supremo mandou instalar a CPI da Covid e o presidente daqui (Senado) obedeceu. Eu, presidente, não obedeceria”, afirmou.
“O Supremo, alguns ministros, no alto do seu orgulho e vaidade, se metem em tudo nesse país, até na quantidade de vacinas para distribuir aos estados. Repito: o Supremo é para decisões constitucionais e eles estão extrapolando isso, faz tempo. E, com isso, se apequenando, pois estão tomando decisões de primeira instância”, completou Plínio.