Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – Juízes e procuradores de Justiça promoveram uma manifestação na Justiça Federal do Amazonas, na tarde desta sexta-feira, 23, contra a Lei do Abuso de Autoridade aprovada pelo Congresso. Segundo o procurador Rafael Rocha, a categoria defende o controle do abuso de autoridade no país, mas não nos termos do Projeto de Lei nº 7596/17 aprovado no último dia 14 de agosto na Câmara dos Deputados e que aguarda sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro. O ato público também reuniu delegados de polícia.
O procurador do MPF afirma que há um projeto de lei que trata do abuso de autoridade praticados por agentes públicos, mas foi alterado pelos deputados. “É importante restabelecer a verdade dos fatos em relação à tramitação do projeto de lei. Houve um projeto de lei do senador Randolfe Rodrigues que foi construído em conjunto com o Ministério Público, que defende que sim, que haja uma atualização da lei de abuso de autoridade, mas não nesses termos. Então, o que foi feito: eles pegaram o projeto de lei que é bom e colocaram esse número do projeto de lei bom e introduziram o projeto de lei que representa essa ameaça tão grande”, diz Rafael Rocha.
Para o procurador, a aprovação do PL não foi transparente. “Então, o Ministério Público defende que sim, isso seja discutido, mas não nesses termos. E pior: da forma como houve a aprovação a ‘toque de caixa’, sem uma votação nominal ou sem que a sociedade possa saber quem são os parlamentares que defendem a aprovação desse projeto de lei”, critica Rocha.
O promotor de justiça Lauro Tavares, presidente da AAMP (Associação Amazonense dos Ministério Público), alega que o PL tem pontos subjetivos e vagos. “Ela tem tipos penais extremamente abertos que colocam em risco a autonomia desses profissionais. Ou seja, todo criminoso agora terá o direito de, mesmo sendo condenado com todas as provas contra ele, também acionar o Estado para que essas pessoas, essas autoridades, também sejam processadas”, defende Tavares.
O presidente da AAMP exemplifica como a atuação da categoria pode ser afetada. “O réu, ou a pessoa que está sendo investigada, não poderá ser, mesmo que ela esteja em flagrante diante da situação que estiver lá, ela não poderá por exemplo ser algemada. O investigador que faz a sua investigação, independente da vontade deles, se o réu ou a pessoa que estiver em flagrante for exposta para a sociedade, saia fotos dela em jornais, esse agente poderá ser punido”, explica Lauro Tavares.
O presidente da AAMP acredita no veto pelo presidente Bolsonaro. “O presidente da República foi eleito neste país com a bandeira de combate à corrupção, de transformar o Brasil num país mais seguro para todos nós. Portanto é o momento de realmente ele cumprir com aquilo que ele prometeu e comprovar para todos nós, cidadãos e membros da sociedade brasileira de que ele não compactua com a corrupção, de que ele não compactua com as ações criminosas e que acreditando nisso a gente tem certeza que ele vetará esse projeto na sua integralidade”, afirma Tavares.
No âmbito do MP-AM (Ministério Público do Amazonas), a procuradora-geral de justiça Leda Mara Albuquerque cita como as ações do órgão pode ser comprometida.
“O Ministério Público, quando ele oferece uma denúncia ou quando ele inicia um procedimento investigatório, age levado por indícios de autoria e prova da materialidade, por exemplo para denúncia. Hoje, nós vamos ficar de uma certa forma engessados para oferecer a denúncia. Porque se você não tiver esses elementos e ainda que você tenha, se eles não forem interpretados como suficientes para o início dessa ação penal contra os responsáveis pelo ato criminoso, a parte que está agindo em defesa da sociedade pode também ser demandada em juízo, ser responsabilizada por abuso de autoridade”, explicou.
De acordo com Leda Albuquerque, o PL contribui para o fortalecimento de grupos criminosos. “É importante a gente observar que esse não é um projeto que visa coibir apenas os órgãos e instituições com poder de investigação, de persecução, de agir no sentido da responsabilização criminal daqueles que atentam contra a coisa pública, como também ele é um projeto que vai inibir essas instituições no trato com a criminalidade. Então, evidentemente que o tráfico, as grandes organizações criminosas, vão ser beneficiadas porque esse projeto fere de morte a independência e a autonomia dessas instituições”, critica.
Conforme a procuradora-geral, caso o projeto seja aprovado, haverá reação. “Nós vamos discutir, sem dúvida nenhuma a constitucionalidade desse projeto”, diz Leda Albuquerque.
OAB
A procuradora-geral de justiça, Leda Albuquerque, critica a posição da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que defende a aprovação do PL. “Isso ataca sobremaneira a nossa atuação e eu lamento sinceramente que a Ordem dos Advogados do Brasil esteja defendendo um projeto como esse. Porque também os advogados e eu tenho certeza disso eles têm comprometimento e responsabilidade com a defesa dos direitos da nossa sociedade, com a defesa do trabalho que é feito contra a corrupção e contra a criminalidade organizada nesse país”, diz.
O procurador do MPF, Rafael Rocha, diz que a aprovação pode levar a casos de impunidade. “O que as pessoas precisam realmente se conscientizar é que o risco de que haja impunidade é muito grande. E não é impunidade só no combate à corrupção, é impunidade no crime comum, no crime de homicídio, no crime de estupro, no crime de roubo”, diz Rocha.