Como se não bastassem trágicas consequências da crise sanitária deflagrada pela pandemia de convid-19 em nível planetário, no Brasil, as instabilidades políticas concorrem para agravar seriamente o grau de insegurança pública no país.
Não é de hoje que a política é a fonte das principais mazelas de segurança pública no Brasil, país que vive mergulhado em crise. Mas dessa vez ela coexiste com um nefasto problema de saúde pública, infecção generalizada, colapso do sistema público de saúde e aumento de determinados tipos de violência, como a doméstica, a contra os idosos etc.
Afinal, a quem serve esse modelito politiqueiro de viciada disputa pelo comando do poder estatal? Esse sistema representativo contribui para atender as necessidades da população? Como justificar o tamanho o fardo histórico e permanente ônus econômico que ele causa à sociedade brasileira? Por que o país sempre fracassa em suas perspectivas de “mundo melhor”? Como se livrar dessa perversa sina?
O atual processo de composição da representação política no Brasil funciona muito mal. Continua sendo fonte de vícios, esquemas, riscos de retrocesso na transparência e abertura à participação. Impede que cidadãos decentes e comprometidos com os fins do Estado de direito democrático dele participem para oportunizar melhores perspectivas ao país. Com isso, torna-se prisioneiro de ciclos de representação desqualificada ética e socialmente, que tanto corrompe quanto vicia, mantendo o país numa persistente frustração de oportunidades e num caso contumaz de perda de chances históricas.
Não à toa esse modelito desenvolveu uma espécie de expertise tupiniquim para produzir tipos antipolíticos venais como os “bolsonaro”, resultantes da manipulação das fakenews, do apoio militar e do enraizamento criminoso junto às milícias, cultuados por adoradores do retrocesso, do obscurantismo e do autoritarismo.
Os antecedentes mais contemporâneos remetem ao golpe de 1964 que conduziu o país a um regime de ditadura militar. Dessa vez, a partir do esquema do voto de cabresto nas periferias cariocas, elegeu-se toda uma família de inaptos politicamente, com evidente perfil sociopatológico, cuja missão mais visível tem sido a de fomentar o retrocesso político no Brasil. É o alto preço dos vícios do sistema representativo em vigor.
Que sentido de representação é esse que se concentra numa família em detrimento da participação de representantes de comunidades, de regionalidades e de coletividades mais amplas? Que tipo de representação há quando o estado brasileiro gasta mensalmente, via salários diretos e recursos indiretos, mais de meio milhão de reais com membros de uma única família com mandatos de diferentes esferas? ´
Em geral, seguindo a lógica patrimonialista e logospirata, esses vícios no sistema representativo ganham consistência a partir da reeleição ilimitada para o legislativo. Os eleitos criam esquemas para se reelegerem e assim vão se perpetuando no cargo público eletivo. Fazem carreirismo nesses cargos e tornam-se donos dos mandatos. Alguns chegam ao absurdo de eleger a própria prole, pondo filhos e netos no mesmo caminho. Há gente com mais de doze anos em mandatos eletivos. Qual a chance de se formar um país minimamente decente e democrático desse jeito? É o cúmulo do nocivo à democracia! Um regime aberto precisa se fundar sobretudo na alternância de representantes de modo a ampliar a participação dos cidadãos, das comunidades e das coletividades.
Isso evidencia o quão exposto, ineficaz e sem sentido é o processo eleitoral e o sistema de representação vigente no país. Não há a menor possibilidade de uma nação se desenvolver econômica, política e socialmente com um processo eleitoral e um sistema representativo como esse lamentavelmente em vigor no Brasil.
É necessário proceder a uma reforma política minimamente consequente e estabelecer um teto para eleições no legislativo. Da forma como está, é uma lógica perigosa. Tudo acaba se tornando um jogo de cena, intriga, esquema… o modo de atuar é um tanto criminoso. Por isso, o Brasil acaba corroborando o fato de que eleições não garantem por si só a existência de um regime democrático.
Seria oportuno e relevante, em contextos institucionais e sociais como o brasileiro, que não houvesse reeleição pra nenhum cargo público eletivo. Porém, se não é possível evitar, é preciso ao menos limitar a reeleição, pois conspira contra a democracia e impede que uma efetiva alternância ocorra. Num regime aberto, as máquinas legislativa, executiva e judiciária do Estado devem operar de modo lícito, transparente e eficaz independentemente do grupo político e supostos líderes de quaisquer dos poderes. Lamentavelmente essa é uma situação institucional muito distante da realidade política brasileira.
Muito embora seja importante o que está se passando na sede política do país, em Brasília, as denúncias do ex-ministro Sergio Moro, a possibilidade de impeachment do atual ocupante da presidência da República, a investigação da máfia das fakenews etc, isso por si pode não significar aprimoramento dos rumos políticos do país se o modelo de representação persistir com todos os vícios de modo inalterável. As eleições livres são muito relevantes, mas somente elas não garantem a democracia. Muito menos um governo obscurantista e com explícitas tendências ao autoritarismo.
Eleições gerais ocorreram há menos de dois anos no país e, no entanto, persiste-se em meio à grave crise institucional no âmbito dos poderes e do modelo representativo, sem que haja previsão de uma consequente reforma política.
Causa perplexidade o fato de que, mesmo em face da aguda crise que se abate sobre o ambiente político e institucional no Brasil, as instituições de mediação política se satisfaçam apenas com essa velha e viciada fórmula de disputa pelo poder, sendo indiferentes aos reais problemas da nação.
Esse estéril fight, reduzido à troca do(s) “maquinista(s)” como se isso fosse alterar substancialmente a rota do trem, é insensível às necessidades urgentes dos cidadãos brasileiros por saúde, emprego, segurança, educação, oportunidades lícitas de renda, previdência social justa, assistência social aos vulneráveis e adoecidos. Uma leviana disputa que se limita apenas a substituir “o piloto e sua tripulação” como se isso fosse alguma a única coisa a ser feita à população quando sequer é consegue superar o velho e carcomido modelo de representação e de cooptação viciada em que o país continua submerso.
As eleições, a alternância de representantes e a participação cívica são essenciais à perspectiva de sociedade democrática, mas enquanto apenas a “jogatina” política for prioridade nacional nenhuma das promessas de reforma política toma forma concreta nem se superam os obstáculos à efetividade da democracia.
Não se deve permanecer admitindo o carreirismo político, a patrimonialização de mandatos e de partidos, os mecanismos de compra de votos ou de voto de cabresto em campanhas, o abuso do poder econômico, a dinastização de instituições, as ilimitadas reeleições de parlamentares, dentre outras práticas que ferem de morte qualquer possibilidade de uma democracia no Brasil. É impossível implantar uma representação democrática no país quando é violada a democracia eleitoral e o sistema representativo desde o nascedouro. Mas é o que historicamente ocorre em razão da absoluta desigualdade de condições na disputa entre os candidatos e reeleição ilimitada de parlamentares.
As mudanças para o aprimoramento político no país estagnaram na lei da “ficha limpa”, contra a qual não faltam projetos para relativizá-la e tentar enfraquecê-la. Lei que foi aprovada e efetivada não por interesse propriamente do parlamento, mas por conta da ampla mobilização popular em favor dela, a partir do clamor público. Fora isso, nada mais houve de significativo na disciplina do sistema de representação política brasileira que contribuísse para o desenvolvimento da experiência democrática no país.
A legislação que regula a disputa por cargos públicos eletivos, com vistas ao exercício da representação popular ou do ente estatal, condiciona em grande medida o comportamento político. Por esse motivo, é necessário rever as regras do processo político-eleitoral e suas instituições partidárias. Não razoável continuar convivendo com o viciado modelo atual de representação parlamentar e para o Executivo.
Apesar da resistência da maioria dos representantes eleitos em fazer a devida reforma política e mudar o que deve ser mudado, é crescente a insatisfação popular com os horizontes políticos do país. Pleiteiam-se novas práticas, posturas institucionais e perspectivas democráticas para aprimorar o regime político brasileiro. Há grande indignação dos eleitores quando percebem que são tratadas como massa de manobra, gado manipulado ou objeto de viciosas disputas eleitoreiras. É preciso promover uma efetiva reforma política, comprometida com a valorização da democracia e de suas instituições, com vistas a suplantar a insegurança política na qual o país estagnou com danos à economia, à saúde e à segurança pública.
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