A Amazônia tem sido espaço territorial, social, cultural e simbólico não apenas caracterizado pela rica sociobiodiversidade e por uma vasta floresta tropical úmida, mas também por diversas complexidades sociojurídicas que concorrem potencialmente para produção do contexto de violência e insegurança pública.
As mais evidentes, na estação atual dos incêndios, referem-se às ameaças, aos desmatamentos, às queimadas, à garimpagem e atividade de extração ilegal, dentre outras ilicitudes que põe em risco a preservação da própria floresta, seus rios, seus povos, sua fauna, e o que resta de sua biodiversidade. Uma criminosa forma violência que compromete o presente e o futuro de gerações não somente do país, mas também de toda a humanidade.
Verifica-se, segundo os dados levantados pelo Inpe e outras fontes de registro via satélite, o aumento de áreas florestais na Amazônia atingidas pelos vários eventos, tais como os acima mencionados, que produzem graves e inumeráveis danos socioambientais.
A ausência de ações institucionais minimamente preparadas e estruturadas para lidar de modo constante com essa situação, que é cíclica e anual, revela quão omissa, talvez até mesmo cúmplice de tudo isso, tem sido a política governamental para com o meio ambiente.
Ao lado dos violentos danos causados ao equilíbrio ecológico e aos ecossistemas amazônicos, deve-se considerar a relação da sociedade nacional com as múltiplas e diversas sociedades e povos da floresta. Essa diversidade sociocultural importa significativos desafios à convivência entre as diferentes etnias, populações tradicionais e a sociedade de consumo, bem como seus desdobramentos em termos de insegurança pública, muitas vezes manifestos a partir da exclusão social e dos preconceitos que se põe contra as comunidades regionais.
Tais realidades sociológicas e étnicas quase sempre são menosprezadas, impondo-se unilateralmente um ordenamento jurídico etnocêntrico, que ignora quando não silencia a diversidade social e seus diferentes padrões de coexistência, impossibilitando o diálogo entre os distintos regramentos sociais e o reconhecimento de modelos jurídicos plurais.
Outro aspecto que se cumpre ressaltar é o tratamento não prioritário conferido às populações regionais e à região amazônica quando se trata do acesso a oportunidades de investimentos, desenvolvimento científico e tecnológico, fomento econômico e perspectivas para maior inclusão social da região amazônica e sua integração ao chamado desenvolvimento nacional. A escassa oferta de cursos de pós-graduação, nível strictu sensu, por exemplo em direito, é uma evidente consequência dessa falta de prioridade para com a região amazônica. A Constituição Federal de 1988 admite ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. No entanto, seguem flagrantes as disparidades de tratamento em relação a Amazônia, não só com relação ao desenvolvimento acadêmico e científico, como também relativo ao modelo de desenvolvimento regional, a Zona Franca de Manaus (ZFM) e o Polo Industrial de Manaus (PIM), constantemente alvo de prejudiciais ataques e ameaças.
Os efeitos das mudanças climáticas também afetam severamente a região amazônica, causando estações de chuva e de seca mais rigorosas, impactando a produção e a vida de comunidades tradicionais.
Deve-se considerar ainda a persistência de situações relacionadas ao trabalho em condições análogas ao de escravo, ao tráfico de animais silvestres e outros componentes da biodiversidade, à logospirataria e a desordem ou desorganização fundiária.
São, portanto, inúmeras questões que também tomam forma enquanto complexidades sociojurídicas da Amazônia e nos impelem a tentar compreender, dentre outras coisas, como a mais rica região em biodiversidade do planeta, além da expressiva diversidade cultural, convive com a miséria, a extrema pobreza, a exclusão de suas populações tradicionais (indígenas, ribeirinhos e quilombolas), a violência e a criminalidade, expondo dramaticamente os alcances e os limites da efetividade dos direitos humanos na Amazônia.
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