O trânsito violento também impacta a sociedade e a segurança pública. A violência no trânsito, reflexo do modo de vida urbano contemporâneo, é um problema das grandes cidades em todo o planeta. No Brasil, assume dimensões impressionantes devido à quantidade de vítimas fatais, atingindo números proporcionais aos óbitos decorrentes de guerra declarada.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o 5° país mais violento no trânsito no mundo. Entre aos de 1980 e 2011, de acordo com o Mapa de Violência/2013, em relação a acidentes de trânsito no Brasil, morreram 980.838 pessoas, ou seja, quase um milhão de vítimas fatais. Em 2011, o país alcançou a maior taxa de óbitos por cem mil habitantes desde que os dados começaram a ser contabilizados: 22,5 mortes por 100 mil habitantes. Em 2018, no Brasil, foram mais de 37 mil vítimas fatais de acidentes de trânsito.
Os acidentes de trânsito, no país, afetam a vida de cerca de 400 mil pessoas todo ano, segundo os dados do Observatório Nacional de Segurança Viária. Os números do DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre), em 2012, apontaram 150 mortes por dia em todo o país, quantidade maior que a registrada com óbitos por homicídio e câncer naquele ano. Os casos de invalidez permanente, decorrentes de acidentes de trânsito, também tiveram considerável elevação, principalmente entre os jovens (entre 18 e 34 anos de idade).
Preocupante também foi o resultado a que chegou o consistente estudo realizado pelo Instituto Sangari, especializado em pesquisas científicas, apontando que o Brasil é o segundo país do mundo em mortes em acidentes de motos. Nos últimos 15 anos, a taxa de mortalidade por conta de acidentes de motos aumentou 846% enquanto a de carros foi de 58%. Deve-se considerar que esses dados também coincidem com o contexto de elevação de vendas desses veículos no Brasil. São números realmente impressionantes. Todo dia, a violência no trânsito mata nas vias públicas do país numa proporção extremada. Por que tem de ser assim? Que fatores produzem essa realidade violenta no trânsito brasileiro? Qual o peso da cultura de violência, da agressividade, da ansiedade e do stress na produção desses resultados?
Pesquisas e especialistas revelam que cerca de 90% dos acidentes de trânsito resultam de imprudência dos motoristas ou de pedestres, sob diversos motivos:
a) falta de formação adequada: muitos condutores e pedestres não internalizam a linguagem do trânsito e não adotam as medidas ou cuidados necessários;
b) falta de atenção: muitos não usam cinto de segurança, não dão a seta com antecedência para realizar manobra, não observam a sinalização das vias e descuidam do semáforo;
c) motoristas que subestimam a relação entre o álcool e a direção, assumindo os riscos da embriaguez ao volante;
d) pedestres que não observam os lados antes de atravessar ou que não atravessam nas faixas nem passarelas destinadas a isso;
e) imprudência e velocidade excessiva;
f) motoristas e pedestres ao celular;
g) sonolência ao volante;
h) dificuldades de acessibilidade no trânsito por usuários que dela dependem inteiramente;
i) stress e ansiedade gerada pelas situações de congestionamento e morosidade no trânsito; e
j) em especial no caso brasileiro, o velho e nocivo “jeitinho brasileiro” expresso no “vai que dá” ou “vai que ninguém tá vendo mesmo”, muitas vezes expressões da famigerada “lei de Gerson” – levar vantagem em tudo e sobre todos
Todos esses problemas, apesar das inúmeras campanhas oficiais, de organismos sociais e de veículos de mídia que atuam pela cultura de paz no trânsito, continuam a ocorrer e a resultar em muitas mortes. Há pouco mais de cinco anos, numa sexta-feira à noite (28/03/2014), em Manaus, um caminhão-caçamba invadiu na contramão uma das principais vias públicas da cidade, Av. Djalma Batista, chocando-se de frente com um micro-ônibus que operava como transporte coletivo, vitimando mais de uma dezena de pessoas. Conforme informações oficiais, ao todo, foram 15 mortos. Outras vítimas do acidente foram hospitalizadas em estado grave. Um acidente que enlutou e chocou a cidade pela dimensão que a violência no trânsito pode assumir.
Diferente do que podemos ser levados a pensar, essa modalidade de violência não é algo natural nem inevitável. Pesquisas científicas e estudos técnicos expõe que são previsíveis as proporções que essa violência no trânsito pode alcançar e que a mesma decorre, em suas diversas manifestações, da ação humana. De maneira semelhante, as respostas e soluções à violência no trânsito dependem também de atitudes humanas e sociais, sejam de governo sejam não-governamentais, para converter vias fatais em vias seguras.
Por fim, deve-se considerar que a violência no trânsito não deixa de ser também reflexo da violência urbana, com a qual se convive todos os dias, em sociedades de grandes concentrações populacionais, de intensa mobilidade viária e de limitada efetividade do ordenamento urbano.
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