Quando o assunto é violência urbana, a realidade cotidiana tem superado em muito a ficção, principalmente nas grandes cidades.
A concentração da população em espaços convertidos em megacidades acarretou profundas alterações à cultura e à convivência social, dentre as quais não se pode ignorar a explosão das formas de violência no meio urbano. Violência no trato social, violência no trânsito, violência nas escolas, violência doméstica, violência sexual, violência decorrente do vício em drogas, violência provocada pelos tráficos: de drogas, de armas e de pessoas; violência por conta da corrupção de autoridades, violência gerada pela disputa da economia do crime, violência resultante da impunidade e da ineficácia do sistema judicial, violência dos presídios e das facções criminosas, violência decorrente da segregação social… Em nosso tempo, em que pese ter sempre acompanhado a caminhada da humanidade, a violência foi bastante amplificada e notabilizada sob variadas formas.
As inovações introduzidas pela tecnologia da informação, tais como as redes e as mídias sociais, que aceleraram os negócios e os processos sociocomerciais em todas as regiões do mundo, influenciando ainda processos políticos em muitos países, não ficaram imunes à difusão de distintas formas de violência, evidenciadas nas ocorrências de fraudes e outros crimes virtuais, que violam direitos fundamentais, como a privacidade e a dignidade humana, desde a infância e a adolescência.
De acordo com estudiosos da sociologia urbana, essa tendência, iniciada com a revolução industrial, expandiu-se a países em desenvolvimento, nos quais predominava a atividade agrária até meados do séc. XX, e ampliou consideravelmente a oportunidade para a expressão da violência, tendo no meio urbano sua ocorrência mais frequente e, de certo modo, facilitada. Pode-se dizer, por conta disso, que a violência urbana consiste no fenômeno social do comportamento agressivo decorrente ou ocorrido em função do convívio urbano. Aliás, convívio citadino esse cujas expressões de violência têm colocado em crise a convivialidade, noção desenvolvida pelo austríaco Ivan Illich (1926-2002), assentada na tolerância e reciprocidade de trocas entre as pessoas e grupos que integram uma mesma sociedade. As mudanças geradas na sociedade, a partir desses processos socioeconômicos e tecnológicos, alteraram também os padrões de delinquência e de criminalidade, impactando sobremaneira as grandes cidades.
A evolução do número de delitos foi exponencial e as formas de manifestação de violência urbana são, cada vez mais, impactantes sobre os serviços públicos, a qualidade de vida e, em específico, na desconstrução da sensação de segurança. Em relação aos dados da realidade brasileira, o Mapa da Violência 2013, referente às mortes por armas de fogo, revela que o país tem uma taxa de 20,4 homicídios por 100 mil habitantes, o que o coloca na oitava pior posição entre as cem nações com estatísticas confiáveis sobre a matéria. Já o Anuário Estatístico 2012 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apresentado no início de novembro de 2013, encomendado pela Senasp – Secretaria Nacional de Segurança Pública/Ministério da Justiça, informa que, em 2012, foram assassinadas 50.108 pessoas, elevando o número de homicídios em 7,6% em relação ao ano anterior (2011). Uma taxa de 25,8 homicídios por 100.000 habitantes, maior número de assassinatos da série histórica desde 2008, o que lança o país na sétima posição do ranking das nações mais violentas do mundo. Ambas as pesquisas, que resultaram tanto o Mapa da Violência/2013 quanto no Anuário Estatístico/2013, apontam que, apesar dos investimentos nas polícias, em aparatos de inteligência e em órgãos da área de segurança pública, os indicadores de violência e de criminalidade não cederam, pelo contrário, aumentaram. Inferência confirmada, na outra ponta, pelo expressivo aumento da população carcerária no país.
Especula-se acerca dos fatores imediatos e mediatos que operam para tal realidade, bem como acerca das ações e de instrumentos com o propósito de lidar e dar conta dessas questões, no sentido de buscar reverter tais indicadores e índices, em síntese, tais tendências.
Estudiosos questionam acerca da excessiva exposição de crianças e adolescentes a padrões de ostentação de riqueza e de apelos ao consumismo, uma vez que a maioria dessas jovens pessoas sequer consegue satisfazer necessidades básicas de sobrevivência e dignidade humana, como também não participam de processos formativos integrais. Por outro lado, questiona-se acerca da influência de certa cultura da impunidade e da crise do sistema judiciário do país para lidar com as questões que lhe são demandadas, em especial as de natureza criminal. A atuação conjunta desses fatores provocaria – nos indivíduos impressionáveis com a ilusão da aparente riqueza via acesso ao consumismo, influenciáveis ainda pelo poder da violência armada à sua volta e com a relativa “certeza” de impunidade – o impulso para a prática de roubos, furtos, extorsões, estupros, tráficos, homicídios e outros delitos, inclusive como forma de reagir à privação e vulnerabilidade social em que se encontram ou compensar a situação de “desprezo social” a qual se acham relegados. Tais indivíduos passam a avaliar que a vida na economia do crime, mesmo que curta, valeria o risco de vida ou de pena, em caso de privação de liberdade. Esses, segundo alguns sociólogos, seriam alguns dos fatores e elementos que permitiriam compreender o processo pelo qual, no Brasil, dá-se a elevação dos indicadores e índices de violência, de delinquência e de criminalidade, em especial nas cidades e seu ambiente urbano.
Por outro lado, ao tratar o problema apenas como uma questão de polícia e de justiça criminal, sem a correspondente intervenção social à ação policial, os governos estariam combatendo apenas as violências periféricas sem efetivamente combater aspectos estruturais da violência urbana, o que favoreceria, sobretudo, às organizações criminosas e à manipulação de comunidades inteiras pela economia do crime.
Avançar para além do obsoleto paradigma poder-polícia-prisão é condição imprescindível para responder, de modo mais efetivo, às questões de insegurança pública e da violência urbana, em especial na direção do repúdio e superação de todas as formas de violência, cuja gênese ainda revela a privação e violação de direitos humanos fundamentais.
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