Por Rosiene Carvalho, especial para o AMAZONAS ATUAL
MANAUS – Desembargadores do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) quebraram mais uma vez, nesta semana, a tradição de reconduzir membros do judiciário estadual ao Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM) e, como resultado das escolhas, mudaram em quase 50% o colegiado.
A formação anterior à mudança imposta pelo TJAM foi a responsável pela decisão que levou, pela primeira vez na história do Amazonas, à cassação de um governador eleito por crime de compra de votos com dinheiro desviado do Estado para empresa contratada sem licitação.
A praxe no TJAM era reconduzir para o segundo biênio (mais dois anos) os membros do TRE e não substituí-los. Além disso, o desembargador-corregedor do eleitoral era, após reconduzido, aclamado pelo colegiado eleitoral como presidente do TRE.
Mas, na última terça-feira, 12, tendo como pano de fundo a disputa pela presidência do Tribunal de Justiça, os desembargadores concluíram a mudança de todos os membros que era possível a eles mudar na Justiça Eleitoral do Amazonas, neste momento. Só restou o juiz Henrique Veiga. O mandato de primeiro biênio dele termina em 7 de outubro.
A disputa pela presidência do TJAM, cuja votação será em maio, tem como principais candidatos os desembargadores Flávio Humberto Pascarelli (atual corregedor-geral de Justiça) e Socorro Guedes (atual presidente do TRE). Pela tradição, que também já foi quebrada pelo menos duas vezes no tribunal, o magistrado mais antigo deveria assumir o comando do judiciário estadual. Socorro Guedes é a mais antiga, no entanto, o placar de votação nas escolhas envolvendo o TRE levam a uma tendência de que Pascarelli fure a fila da tradição e chegue primeiro à presidência.
Barrados no TRE
O primeiro veto a membros da atual composição, que estavam apenas no final do primeiro biênio no TRE e poderiam permanecer no tribunal por mais de dois anos, ocorreu em 22 de março. Na votação, o juiz Dídimo Santana foi preterido pelos membros do TJAM por 11 votos a 8. A vaga ficou com o juiz Abraham Campos Peixoto, que foi juiz do pleito de 2012, quando o TRE do Amazonas era presidido pelo desembargador Flávio Pascarelli.
Nesta semana, o corregedor e vice-presidente do TRE, João Mauro Bessa, submeteu seu nome às duas votações para ser reconduzido ao eleitoral. Na primeira, perdeu pelo mesmo placar da votação que deixou Dídimo fora do eleitoral. A maioria do TJAM escolheu o desembargador Yêdo Simões, considerado o “candidato do grupo de Flávio Pascarelli”, para ocupar a presidência do TRE.
Na segunda lista, “o grupo de Pascarelli” conseguiu ampliar o placar entre os seletos eleitores e emplacar o desembargador João Simões no TRE na disputa com João Mauro Bessa, impedindo, assim, pela primeira vez na história do judiciário amazonense, um corregedor de chegar à presidência.
Foram 12 votos a 7. A medição de forças apontou a tendência de votos favoráveis para que Pascarelli vença Socorro Guedes e que o tribunal rompa de vez com a tradição de conduzir o mais antigo à presidência, regra sagrada nos tribunais superiores. Em 2012, o desembargador Ari Moutinho submeteu seu nome ao pleno e foi conduzido à presidência do TJAM antes da desembargadora Graça Figueiredo, que figurava como mais antiga que ele no tribunal. A rigor, os dois se tornaram desembargadores no mesmo dia. Graça é mais antiga que Moutinho por questão de horas.
Questionado sobre os riscos que a quebra da tradição poderia trazer ao TJAM, o desembargador Domingos Chalub declarou a aplicação da tradição não é uma regra a ser obedecida pelos tribunais e que depende muito do momento em que se está vivendo.
“Eu sou da classe dos advogados. Meu entendimento é que não se perde em quebrar a tradição. Quanto mais democrático, melhor. Quanto mais o politizar num bom sentindo, e não fazer politicagem, é melhor. Fica mais democrático. Cada um apresenta suas metas e os demais escolhem. Eu acho. Esse é o meu entendimento”, afirmou.
Chalub confirmou, ao ser questionado, que o contexto da quebra da tradição na não recondução de Bessa não partiu de apresentação de metas dos candidatos às vagas do TRE.
A reportagem tentou entrevistar a presidente do TRE Socorro Guedes e o corregedor do TRE Mauro Bessa. Os dois disseram que não iam comentar o assunto porque respeitavam as decisões interna do TJAM. Nos bastidores, a indicação é que o grupo de Socorro não considera que a derrota para os membros do TRE representa derrota antecipada na disputa pela presidência do TJAM.
A nova cara do TRE
O futuro novo presidente do TRE Yêdo Simões tem mais de 30 anos de magistratura. Entre 2012 e 2014, foi o corregedor do TJAM. A gestão dele foi marcada por uma revolução nas comarcas do interior que passaram a ter processos digitalizados.
Antes disso, porém, Yêdo Simões passou pelo constrangimento público de sofrer o afastamento da função pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2009, por causa de um processo administrativo envolvendo denúncias com origem em ações que tramitavam na Justiça Eleitoral. No final do processo, em 2010, Yêdo só não sofreu pena de censura porque o CNJ não podia aplicar a penalidade a um desembargador.
Na ocasião, o irmão dele, o juiz Elci Simões, também foi afastado. A denúncia indicava que Elci e Yêdo teriam ganhado “convites” do grupo político do prefeito cassado de Coari Adail Pinheiro para o Carnaval do Rio de Janeiro de 2009, em que a escola de samba Grande Rio apresentou enredo homenageando o município.
O CNJ decidiu afastar os dois, em agosto de 2009, para que a investigação não sofresse prejuízo. Com o fim da investigação, dois meses depois, o CNJ determinou retorno dos irmãos magistrados ao trabalho.
Em 14 de dezembro de 2010, o CNJ emitiu decisão sobre todos os juízes investigados por relações suspeitas com o grupo de Adail Pinheiro. Dois juízes (Rômulo José Fernandes da Silva e Hugo Fernandes Levy Filho) foram aposentados compulsoriamente. Um desembargador (Domingos Chalub) foi absolvido por unanimidade de votos.
Elci sofreu pena de censura “por causa de seu envolvimento na absolvição do prefeito e do vice-prefeito de Coari, Adail Pinheiro e Rodrigo Alves, respectivamente, a uma ação do Ministério Público Eleitoral por compra de votos e abuso do poder econômico nas eleições de 2006. Em troca de benesses e credenciais para o desfile das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro de 2008, o juiz Elci Simões teria decidido o julgamento a favor do prefeito e do vice-prefeito de Coari, que estava empatado em dois votos a dois”.
Outro membro
O novo corregedor do TRE é membro um dos mais antigos membros do TJAM oriundo da classe dos advogados. João Simões foi presidente do TJAM nos momentos mais tensos da relação entre o Judiciário e o Executivo estadual: o que os dois precisam negociar aumento de recurso para a Justiça.
Na ocasião, em 2011, sob a condução de Simões, o TJAM ameaçou fechar 36 comarcas no interior. O presidente andou de pires na mão tentando sensibilizar Executivo e Legislativo sobre a importância de aumentar os recursos. Os gastos do TJAM foram à berlinda para que o Judiciário por tutela própria saísse da crise cortando os “excessos” de privilégios da Casa. Por fim, um acordo entre a ALE (Assembleia Legislativa do Estado), o Governo e o TJAM aumentou o repasse ao Judiciário.
Cinco meses depois, em entrevista à rádio CBN Manaus, o então governador Omar Aziz criticou, citando o repasse financeiro, as decisões e a administração do TJAM, após ser condenado a pagar R$ 17 milhões em ações movidas por servidores aposentados do Estado. “Aí você vê claramente que a gente recebe o presidente do Tribunal de Justiça (desembargador João Simões) reclamando que falta recurso, que vai fechar isso, vai fechar aquilo, jogando para a plateia. E o governador ajuda de forma passiva todos esses meses (…). E a gente, o povo amazonense, recebe em troca isso?”, disse Omar na entrevista.
Os processos já tinham transitado em julgado com sentença favorável dada pelo pleno do TJAM. Apesar disso, na época, dois dias após a crítica pública do governador, os desembargadores Djalma Martins Costa e Wellington José de Araújo (que foi escolhido para suplência no TRE mês passado) deram decisões favoráveis ao Estado no caso. Com as sentenças, oito servidores aposentados que movem ação contra o Estado tiveram o dinheiro sequestrado de suas contas bancárias.
Veja o perfil apurado pelo ATUAL dos julgadores do caso antes da sessão que cassou Melo e Henrique