Por Rosiene Carvalho, especial para o AMAZONAS ATUAL
MANAUS – O adiamento por mais de 30 dias do processo que pode cassar pela primeira vez na história um governador eleito no Amazonas colocou o TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas) e seus sete seletos magistrados em evidência. Isso porque cabe a eles decidir o futuro político e, consequentemente, administrativo do Estado.
O contexto do julgamento gerou, no meio político, no funcionalismo público de todos os escalões e entre interlocutores do PSD, PROS, PSDB e PMDB no Amazonas inúmeras projeções de resultados baseado no que se sabe publicamente da história profissional e até pessoal de cada um dos julgadores. Alguns trechos dessas histórias são tratados nas entrelinhas das notícias e de certa forma até propositadamente sufocados para não gerar desconfortos nos juízes.
Como a Justiça Eleitoral não tem um quadro próprio de juízes, a Corte do TRE-AM, como a dos demais tribunais regionais, é composta por sete magistrados, sendo dois juízes escolhidos entre os desembargadores do Tribunal de Justiça (TJAM); dois juízes estaduais também escolhidos pelo TJAM; um juiz do Tribunal Regional Federal (TRF); e dois advogados nomeados pelo presidente da República, que são escolhidos, cada um, a partir de uma lista tríplice indicada pelo TJAM. A escolha dos representantes da OAB, que cabe ao presidente da República, é sempre feita em meio a muita polêmica por causa dos lobbys políticos que envolvem a decisão.
A presidente
A composição do TRE-AM para decisão sobre a cassação ou não do governador tem como presidente do tribunal a desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura. Ela chegou à função de desembargadora pelo mecanismo do quinto constitucional, que reserva 20% das vagas dos tribunais de Justiça para membros do Ministério Público do Estado e advogados.
Socorro Guedes era procuradora de Justiça do Estado. No Ministério Público, chegou ao ápice da carreira, quando se tornou procuradora-geral de Justiça. Em 2005, na gestão do então governador Eduardo Braga, Socorro Guedes compôs a lista tríplice enviada a Braga para escolher o novo desembargador do Amazonas. E ele a nomeou para o cargo.
A regra prevista na Constituição para composição do TJAM indica que, pelo quinto constitucional, a Ordem dos Advogados e o Ministério Público formam uma lista sêxtupla, remetem para os tribunais e estes selecionam três, encaminhando para o governador do Estado, que nomeia um deles.
No TRE-AM, o mandato de Socorro como presidente se encerra em maio deste ano, período em que o TJAM também deve passar por eleição interna para escolha de novo presidente. A desembargadora presidente do TRE já se declarou internamente como candidata nesta disputa para o TJAM.
No processo que pede a cassação de José Melo, como presidente do TRE, Socorro só vota em caso de empate.
O corregedor
O outro desembargador que participa da decisão sobre o futuro do governador José Melo é João Mauro Bessa, que pelas decisões e posturas adotadas ao longo da carreira no TJAM, é interpretado pela classe política e de advogados como um juiz linha dura. A fama dele é que até os funcionários que o cercam são escolhidos a dedo para evitar que chegue ao desembargador qualquer tipo de abordagem por meio de lobby.
Mauro Bessa foi juiz da Vara de Fazenda Pública e chegou ao TJAM por meio das vagas consideradas como merecimento, ou seja, não precisou de nenhuma escolha política para se tornar desembargador.
Nos bastidores, as classes política e de advogados temem que Bessa se torne o próximo presidente do TRE-AM e que caiba a ele todos os poderes nas eleições municipais deste ano. É considerado como uma pessoa difícil de lidar. Por tradição, os membros do TRE-AM sempre conduzem à presidência o magistrado que ocupa a vice-presidência.
Há indicações de que, no TJAM, Socorro Guedes já declarou seu apoio a Mauro Bessa para que a substitua na presidência do TRE. No entanto, desde que a tradição de que o mais antigo assume foi quebrada no TJAM, há dúvidas de que o vice assuma o comando do TRE.
No julgamento do processo contra o governador, Mauro Bessa já se manifestou pela cassação de José Melo.
Os juízes estaduais
A classe dos juízes estaduais conta com os magistrados Dídimo Santana Barros Filho e Henrique Veiga Lima. O primeiro atualmente é juiz da Vara de Família e já foi da Vara de Entorpecentes. As decisões dele no TRE-AM têm chamado a atenção por se guiarem por argumentos nem sempre convergentes com o usual e tecnicamente adotados na Justiça Eleitoral. As leituras dele sobre questões como a não negação de registro eleitoral para candidatos que não tenham quitação eleitoral é um exemplo.
Dídimo argumentou, em vários julgamentos no ano passado, que a Justiça Eleitoral permitia que fichas sujas concorressem ao pleito e vetava pessoas que tinham dívida de menos de R$ 10. Em geral, a questão nem era discutida e os candidatos sumariamente tinham seus registros negados.
Por outro lado, advogados que atuam na Corte consideram a mão dele muito pesada em outros temas que se esperam decisões mais brandas. A ausência do juiz Dídimo Santana nas duas primeiras sessões deste ano foi um dos motivos para adiamento do julgamento do caso. O magistrado também já se manifestou no processo de Melo e votou pela cassação do mandato do governador.
O juiz Henrique Veiga atuou no ano passado como juiz da propaganda eleitoral e na justiça comum trabalha em uma das Varas Criminais. A escolha dele para a função passou pela simpatia que tinha, segundo AMAZONAS ATUAL apurou, junto aos desembargadores Socorro Guedes e Mauro Bessa. Henrique Veiga votou pela cassação de Melo e, na ocasião, ironizou que poderia mudar o voto caso o jurista Márcio Rys Meirelles trouxesse novidades ao caso que minimizasse a quantidade de provas apresentadas pelo relator.
A juíza federal
A Justiça Federal está, neste caso, representada pela juíza Jaiza Fraxe, que é substituta, mas, como compunha o Pleno do TRE-AM quando o julgamento foi iniciado, é a magistrada apta a votar no caso. Jaiza já fez parte dos membros titulares do TRE-AM e é considerada uma juíza que entende das técnicas do Direito Eleitoral em todas as suas nuances. É amazonense e é figura não desconhecida nas colunas sociais da cidade em eventos que reúnem autoridades do judiciário e da política do Amazonas.
No ano passado, posou em várias fotos publicadas por colunistas, que receberam legendas de “festa preparada por amigas” da ex-primeira dama do Estado e presidente municipal do PSD, Nejmi Aziz. Fotos desse e de outros eventos motivaram o candidato ao Senado no último pleito, Francisco Praciano (PT), a pedir a suspeição de Jaiza em julgamentos que envolvessem ele e o marido de Neijmi, Omar Aziz (PSD), também candidato ao Senado.
A questão não vingou no TRE-AM e Jaiza foi liberada a atuar em qualquer caso quando fosse convocada a julgar em substituição à juíza titular. No processo de Melo, Jaiza foi a primeira a votar, após o relator do caso, e disse que em toda a sua carreira nunca viu tantas provas numa denúncia só.
Os advogados
No TRE-AM, a classe dos advogados é representada por Márcio Rys Meirelles e Francisco Nascimento Marques. Ambos chegaram à corte pela lista tríplice que conferiu vagas de substitutos. Os dois foram alçados a membros da Justiça Eleitoral por conta de entraves criados na lista dos membros titulares. As duas listas com nomes para membros titulares do TRE-AM foram travadas por recursos apresentados ao CNJ e ao TSE porque, na escolha da lista tríplice, o TJAM procedeu a escolha em votações secretas.
A lista da qual saiu o nome de Francisco Marques, relator do processo de cassação de Melo, tramitava na Justiça Eleitoral há cerca de oito anos. O jurista tem atuação tímida como advogado. No site do TJAM, não há indicação de exercício da advocacia no Estado nos últimos anos. Marques foi secretário municipal na primeira gestão Arthur Neto (1990-1994). Ocupou vaga de vereador de Manaus na 9ª legislatura da Câmara Municipal, de 1983 e 1988. Entre 1983 e 1984 foi presidente da Câmara. Foi filiado ao PSB e ao PSDB.
É conhecido no meio político por frequentar rodas de intelectuais e juristas que se encontravam por muito tempo no Bar do Armando, Centro da cidade. Francisco Marques chegou a comentar com funcionários do TRE-AM que foi numa dessas conversas que surgiu o interesse de atuar no Direito Eleitoral.
No TRE-AM, depois que assumiu a vaga de julgador, em junho do ano passado, já protagonizou algumas gafes em leituras de votos. Em algumas situações, quando questionado por outros membros da Corte sobre votos que acaba de ler, Francisco Marques teve que contar com a ajuda do filho advogado presente no plenário, que ia até o ouvido do pai auxiliá-lo.
O outro representante da classe dos advogados é o jurista Márcio Rys Meirelles, que pediu vista em 16 de dezembro do processo que julga o governador José Melo. Meirelles alegou que precisaria fortalecer seus convencimentos antes de proferir o voto.
O advogado Meirelles foi secretário por nove meses no Governo Omar Aziz (PSD), quando Melo era vice-governador. Entrou em maio de 2012, após o então secretário Carlos Lélio Lauria pedir exoneração do cargo que ocupou por oito anos. Na ocasião, fotos com irregularidades envolvendo presos com privilégios tomando banho em piscina vazaram, criaram crise no sistema e motivaram a saída de Lauria.
Nove meses depois de assumir o cargo, denúncias de corrupção de servidores do sistema prisional e fuga em massa no presídio levaram o governador Omar Aziz a exonerar Meirelles e nomear novo secretário.
No ano passado, durante a eleição, algumas decisões de Meirelles em relação à propaganda eleitoral desagradaram a coligação de Melo. Inclusive, uma às vésperas do segundo turno, que concedeu a Braga 12 minutos de direito de resposta na TV. A coligação de Melo alegou que não havia apresentado defesa no processo.
Suspeição
Quando os processos de cassação contra Melo foram distribuídos, Meirelles ficou com a relatoria de parte deles. Foi aí que a coligação do governador eleito apresentou um pedido de suspeição contra o jurista, o que o impediria de julgar processos envolvendo o governador. A defesa alegavam que Meirelles guardava ressentimentos pessoais por conta da exoneração dele pelo governador Omar Aziz. A questão foi decidida pelo TRE-AM favorável ao juiz, mas os processos não voltaram à relatoria dele.
Meirelles é formado em Administração pela Universidade Federal do Amazonas e em Direito pelo Ciesa. Tem pós-graduação em Direito Penal e Mestrado em Segurança Pública pela Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Foi membro do Conselho Penitenciário do Estado do Amazonas por seis anos e secretário da Sejus por nove meses. É sobrinho de Thomas Antonio da Silva Meirelles Neto, líder estudantil desaparecido na época da ditadura militar no Amazonas.
O julgamento
O TRE-AM suspendeu o julgamento do processo de autoria da coligação “Renovação e Experiência”, do então candidato Eduardo Braga (PMDB), que pede a cassação de José Melo e do vice-governador Henrique Oliveira (SDD) quando o placar estava com cinco votos pela condenação do governador por captação ilícita de votos e conduta vedada nas eleições.
A promessa é de que o julgamento seja encerrado nesta segunda-feira, 25, com a leitura do voto-vista do jurista Márcio Meirelles. Também há expectativas sobre a manutenção ou mudança de voto dos cinco que já se manifestaram no processo.