Por Rosiene Carvalho, especial para o AMAZONAS ATUAL
MANAUS – A maior expectativa criada no recesso judiciário para a retomada do julgamento do processo de cassação do governador do Amazonas, José Melo (Pros), é para saber se os cinco juízes que já se manifestaram irão refazer o voto e serão favoráveis aos argumentos da defesa do governador.
A possibilidade de mudarem de opinião é mais esperada do que o resultado porque, primeiro e em tese, Melo e seu vice-governador, Henrique Oliveira (SDD), já estão cassados pelo placar parcial dos votos, faltando apenas o jurista Márcio Rys Meirelles, que pediu vista do caso no dia 16 de dezembro, se manifestar. Meirelles prometeu seu voto para a primeira sessão do ano, marcada para esta segunda-feira (18).
Outra razão para a expectativa criada em torno do voto dos juízes que já se manifestaram é porque aliados Melo e do ministro Eduardo Braga (PMDB), segundo lugar no pleito de 2014 e autor da ação, fizeram circular todo tipo de conjectura sobre as possibilidades de placar para a retomada do julgamento em 2016.
A questão atiça as perspectivas sobre o caso por tudo o que o resultado do processo envolve sobre o futuro político e administrativo do Estado, mas também pelo posicionamento adotado e a forma de expor os votos de cada um dos juízes no dia 16 de dezembro. Todas as declarações escancararam o convencimento deles de que houve prática de conduta vedada e compra de votos. E que as irregularidades, de conhecimento prévio do governador, o favoreceram nas urnas em 2014.
O parecer do Ministério Público Federal (MPF) apresentado em quase duas horas pediu de forma contundente, com base nas testemunhas e no inquérito da Polícia Federal, a cassação de Melo.
O voto do relator Francisco do Nascimento Marques sobre o mérito do caso durou cerca de uma hora, detalhando o que a acusação expôs como engrenagem de desvio de dinheiro público dos cofres da Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP) para compra de votos.
Francisco Marques constatou irregularidade no contrato “sem contrato” da Ong Agência Nacional de Segurança e Defesa (ANS&D) que recebeu R$ 1 milhão do Estado. Também relatou saque da responsável pela Ong, Nair Blair, de parte do dinheiro e o uso deste para a compra de votos. A constatação é feita a partir das informações colhidas na operação da Polícia Federal, que resultou na prisão de Nair numa reunião com pastores evangélicos no comitê de campanha de José Melo.
Nair, em outra reunião fiscalizada pela Polícia Federal, é apresentada a casais líderes de igrejas evangélicas como uma assessora do governador Melo “que tem dinheiro”. E que falar com ela seria o mesmo que falar com Melo. Francisco coloca em dúvida a realização do serviço contratado com ANS&D por falta de comprovação da execução do mesmo e pela falta de funcionários registrados pela Ong.
“O Governo do Estado pagou a uma empresa de fachada sem a indispensável prévia de licitação e, pasmem, sem um contrato escrito. (Houve) ostensivo desvio de dinheiro público a pretexto de pagar serviços supostamente prestado pela agência de segurança”, afirmou o relator.
Para o jurista, os recibos detalhados sobre o uso do dinheiro não deixam dúvida de toda a cronologia e funcionamento da fraude no pleito que elegeu o governador do Amazonas. A prática ilícita, segundo o voto de Francisco Marques, foi diversificada e atingiu vários grupos de eleitores, de igrejas evangélicas a militantes LGBTs.
Os recibos, citados pelo relator em seu voto, indicam pagamento de túmulos, transporte de eleitores para votarem em Manaus e em municípios da região metropolitana da capital, patrocínio de festa de formatura e compra de óculos. “Os documentos encontrados de posse de Nair Blair denotam ostensiva compra de votos perpetrados por ela mesma”.
Todos os recibos, ainda segundo o voto do relator, são assinados por Nair Blair e o secretário de Governo e irmão do governador, Evandro Melo, apontados como operadores e líderes da captação ilícita de votos. “Doavam e ofereciam diversos serviços com nítido proposito de obter o voto (…) Há farta documentação comprobatória da prática reiterada pela representada (Nair Blair) e Evandro Melo, irmão do governador”, declarou o relator.
Demais julgadores
A juíza federal Jaiza Fraxe foi a primeira a manifestar seu voto após o relator. Declarou que, em 24 anos de carreira, jamais viu tanta fartura de provas que comprovassem uma irregularidade. “De fato a captação ilícita de sufrágio e a prática conduta vedada estão fartamente provadas nos autos. Aliás, em 24 anos de judicatura, eu nunca vi tantas provas num processo só”, declarou.
Jaiza afirmou que única coisa que poderia ter deixado dúvida era o prévio conhecimento e anuência do governador sobre o ilícito. “Podia ter ouvido que ele (governador) não sabia e que (Evandro) prejudicou o irmão. Depois de tudo foi nomeado (Evandro) em posto de confiança do governo. É um prêmio para o líder de todo esse esquema”, disse.
Foi nesse ponto do julgamento que Márcio Meirelles pediu vista do caso para fortalecer seu convencimento. Em geral, nestes momentos, o julgamento é suspenso e os demais membros da corte aguardam para votar quando o caso volta à pauta.
O que se viu foi o contrário. O desembargador Mauro Bessa afirmou que não precisava de mais tempo para estar habilitado ao voto e se declarou perplexo com o caso. Disse que a corte eleitoral do Amazonas havia julgado outras denúncias de conduta vedada por parte do governador, mas que em nenhum dos processos anteriores havia comprovação de gravidade. “Aqui é diferente. O uso do poder econômico é aceitável e está previsto, não se constituindo em ilícito. O que não se tolera é o seu abuso. O exacerbamento é contrário à lei. Restou prévio conhecimento e anuência. Eu tenho razões imensas para o meu voto chegar à mesma conclusão que o iminente relator”, declarou Mauro Bessa.
Na sequência o juiz Dídimo Santana Barros votou pela cassação de Melo: “Firmado o entendimento da licitude das provas, eu tenho firme convencimento que a representação deve ser julgada procedente. Com volume expressivo, não vejo como a corte poderia concluir de modo diverso ao que chegou o eminente relator”, disse.
O juiz Henrique da Veiga, em seguida, afirmou que de todas as eleições em que trabalhou no interior jamais viu tanta prova num caso só. E fechou o circuito do choque do placar pró-cassação ironizando a possibilidade de mudar de voto: “Então, nessa altura, só posso dizer do meu estarrecimento diante do fato. Eu até quero botar uma carta no seguro para que, se no efeito do voto de vista trouxer algum fundamento, eu quero aprender muito porque houve uma derrama tão grande de fraudes que talvez até tenha uma justificativa que eu não consigo alcançar. Então, eu acompanho o voto do relator, mas deixo em aberto que posso retro marchar caso o voto de vista venha acompanhado de provas contrárias a tudo que foi bem dito e bem demonstrado pelo Ministério Público e pelo relator”.