Por Rosiene Carvalho, da Redação
MANAUS – Cientistas sociais ouvidos pelo ATUAL classificaram como retrocesso e ampliação do desamparo e marginalização das populações do interior do Amazonas a proposta do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) de “agrupar” 12 comarcas do interior em função da baixa demanda de processos.
Para os sociólogos, a proposta é feita no contexto de um poder altamente “enclausurado”, “corporativista” e com baixa capacidade de compreensão e promoção da democracia.
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Seis anos após a primeira ameaça de fechamento de comarcas por parte do poder judiciário do Amazonas e aumento de gastos da Justiça Estadual, o TJAM resolveu admitir que municípios do interior não têm juízes “há anos” e propõe, por meio da fusão de comarcas, que 12 cidades contem com a presença de um magistrado apenas dez dias por mês. O projeto, apresentado pela coordenação do mesmo no TJAM ao ATUAL em entrevista, não indica detalhamento sobre como solucionar a questão a longo prazo.
As cidades que estão no projeto apresentado a ALE (Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas) são: Amaturá, Atalaia do Norte, Canutama, Envira, Ipixuna, Itamarati, Japurá, Juruá, Jutaí, Pauini, Santa Isabel do Rio Negro e Uarini. Todas têm baixo índice de desenvolvimento humano.
Justiça para poucos
O cientista social e mestre em Sociologia pela Ufam Davyd Spenser Ribeiro de Souza afirmou que a proposta é reflexo da estrutura da sociedade brasileira que propicia acesso à justiça a poucos.
“Esse discurso de que não há demanda é equivocado usado no plano nacional para legitimar decisões erradas que historicamente marginalizam essas populações mais carentes. O IDH destes municípios é uma expressão disso”, disse.
Para Spenser, a medida também expõe o lado corporativista da instituição. “A proposta está em conformidade com os interesses corporativistas de uma categoria, que de fato não quer trabalhar no interior, que resiste a enfrentar as dificuldades do interior, vivida pela população no dia a dia”, disse o sociólogo.
“É uma categoria, que de fato não quer trabalhar no interior, que resiste a enfrentar as dificuldades do interior, vivida pela população no dia a dia”
O cientista social e bacharel em Direito Almir Menezes afirmou que o rearranjo do TJAM para fechar comarcas após todos o aumento de recursos e de gastos públicos é um absurdo. “Depois desses repasses, de um concurso público ainda em andamento. Venhamos e convenhamos, é muito estranho. Esse rearranjo é um absurdo. De certa maneira, a ALE e o Governo do Estado fizeram um esforço muito grande para direcionar recursos, retirar de outros setores para aumentar orçamento. O TJAM fez concurso recente e agora, preste a convocar, vem com esta. Não me venha com essa”, avaliou.
Menezes acrescenta que a proposta do TJAM torna explícito como as decisões políticas estão distanciadas da necessidade da população.
“Essas medidas fazem a gente perceber que o Brasil profundo, a Amazônia Ocidental, para além da sua capital e região metropolitana, são realmente desassistidos. O serviço jurisdicional como um poder para dirimir conflitos é elemento fundamental de toda e qualquer democracia. O suposto argumento de que não há demandas é um erro. Não há demanda, onde não há democracia, onde não há conhecimento do direito, onde não conhecimento das obrigações”, argumentou o sociólogo.
“Não há demanda, onde não há democracia, onde não há conhecimento do direito, onde não conhecimento das obrigações”
Gordura x Economia
Almir Menezes afirmou que medidas pensadas para apenas uma gestão não fortalecem a instituição. “Isso não é ter espírito republicano. Concordo que a crise econômica existe, mas falta ao TJAM cortar a gordura onde ela existe e não onde não tem. Deve ter muita gordura para cortar nos carros oficiais, na gasolina, nas diárias”, disse.
O sociólogo Davyd Spenser também considera que falta ao TJAM discussão e planejamento da atuação do Judiciário.
“Esse é um problema de ordem política. Não é de ordem técnica e nem de orçamento e nem de força de trabalho disponível. É de gerenciamento desta força de trabalho. É preciso reformar o judiciário na área administrativa, política e institucional. Uma discussão da instituição que vive à mercê das vontades e inteligências do presidente que assume o poder. Aí cada um tem uma ideia e quer executar”, disse.
“Falta ao TJAM cortar a gordura onde ela existe e não onde não tem. Deve ter muita gordura para cortar nos carros oficiais, na gasolina, nas diárias”
Transparência
Spenser apontou falta de transparência e de políticas democráticas no Judiciário. “O Judiciário é um poder pouco afeito à democracia, à democratização e participação da sociedade civil. É uma espécie de feudo, insulado, concentrado em atores que dominam esse campo. É um exemplo de um elite jurídica, tecnocrata que toma decisões sem verificar o que é melhor para a sociedade. É uma estrutura da sociedade brasileira pouco afeita a se submeter à avaliação no espaço público, ao controle social sobre as instituição. É um poder que se enclausurou”, avaliou.
Menezes afirma que a proposta do TJAM , nesta medida, destoa da imagem de “heróis” que juízes passaram a ter na atual conjuntura política do País. “Nos transformamos em um País em que os heróis passaram a ser os juízes. Afinal de contas, essa casta dos juízes, faço até uma crítica em relação a isso, é o poder mais sem transparência. De certa maneira, os poderes Executivo e Legislativo, em que pese as críticas, são muito mais transparentes que o poder Judiciário”, comparou.
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