Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – O MPF (Ministério Público Federal) ingressou com uma ação no TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília, para que o desembargador Ney Bello se declare suspeito ou impedido para atuar nos processos da Operação Maus Caminhos, que investigou fraudes em contratos da Saúde do Amazonas.
O MPF também quer que Bello anule a decisão que mandou a denúncia contra o ex-governador José Melo e ex-secretários para a justiça estadual em dezembro de 2020. A ordem foi proferida pela Terceira Turma do TRF1 no habeas corpus nº 1008660-34.2019.4.01.0000 movido pelo ex-secretário da Fazenda Afonso Lobo.
Na ação, as procuradoras Caroline da Mata e Luciana Martins contestam a participação de Bello no julgamento desse habeas corpus. Segundo elas, ele já havia se declarado suspeito para julgar outro habeas corpus que tinha o mesmo paciente, os mesmos advogados, o mesmo juízo e a mesma ação penal.
Mata e Martins também afirmam que Bello não poderia participar do julgamento desse habeas corpus porque é parente de 3º grau do advogado Ravik Bello Ribeiro, que representou Mouhamad Moustafá, um dos implicados na ‘Maus Caminhos’. Segundo elas, o voto de Bello beneficiou o cliente do parente dele.
Em dezembro de 2020, Bello foi o autor do voto-vista acolhido pela Terceira Turma do TRF1 que declarou a Justiça Federal incompetente para analisar a denúncia contra o ex-governador José Melo, a ex-primeira-dama do estado Edilene Gomes e ex-secretários estaduais.
A decisão foi tomada sob argumento de que o dinheiro desviado trata-se de repasses “fundo a fundo”, ou seja, são regulares ou automáticos. “Uma vez depositados nos fundos estaduais e municipais são incorporados ao patrimônio do respectivo ente federativo”, alegou Bello.
O julgamento desse habeas corpus começou em dezembro de 2019 quando a relatora, Mônica Sifuentes, votou pela manutenção das denúncias na esfera federal. Na ocasião, Bello pediu tempo para analisar o caso e um ano depois apresentou o voto divergente, que foi acolhido por Maria do Carmo Cardoso.
Em março deste ano, após a decisão do TRF, a juíza Ana Paula Serizawa, da 4ª Vara Federal do Amazonas, enviou a ação penal para a Justiça estadual. Na Comarca de Manaus, o processo caiu na 4ª Vara Criminal, foi remetido para a 5ª Vara Criminal e, depois, para a 8ª Vara Criminal.
Atualmente, na esfera estadual, o processo também é alvo de conflito de competência. O MP-AM (Ministério Público do Amazonas) alega que a ação penal deve ser analisada pela 8ª Vara Criminal, mas a defesa do ex-secretário de Saúde Wilson Alecrim sustenta que o processo deve ficar na 5ª Vara Criminal.
“Suspeito”
As procuradoras regionais da República Caroline Maciel da Costa Lima da Mata e Luciana Marcelino Martins afirmam que Bello já havia se declarado suspeito, em junho de 2020, para julgar outro habeas corpus, de número º 1014655-28.2019.4.01.0000, que também foi movido por Afonso Lobo.
Na ocasião, o desembargador citou o Artigo 145 do Código de Processo Civil, que traz o seguinte teor: “Há suspeição do juiz: IV – interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes. § 1º Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões”.
De acordo com as procuradoras, aquele habeas corpus tinha “estritas semelhanças” com o que Bello participou, incluindo o mesmo paciente (Afonso Lobo), os mesmos advogados e o mesmo juízo competente. Além disso, também tratava sobre a mesma Ação Penal nº 867-98.2018.4.01.3200.
“Houve o expresso reconhecimento de haver o interesse no julgamento do processo em favor de qualquer das partes. No entanto, as partes no presente feitos são as mesmas, ou seja, os impetrantes são os mesmos, o juízo impetrado de igual forma, e também o paciente é o mesmo”, afirmam as procuradoras.
Para Mata e Martins, não há motivos para que Bello declare a suspeição dele em um processo e em outro, com as mesmas características, peça vistas e profira “voto decisivo capaz de influenciar na declaração de incompetência da Justiça Federal” para analisar os processos da ‘Maus Caminhos’.
As procuradoras afirmam que Bello pode ter cometido um equívoco ao não reconhecer a suspeição dele no habeas corpus, pois a operação conta com inúmeras ações e medidas e no TRF1 tramitam vários habeas corpus. Elas citam a “complexidade dos fatos” e a “existência de vários pacientes e impetrantes”.
Parente
Outra questão apresentada pelas procuradoras para justificar o impedimento de Bello no julgamento do habeas corpus movido por Afonso Lobo é o fato de o desembargador ser parente de 3º grau do advogado Ravik Barros Bello, que atuou na defesa do empresário Mouhamad Moustafá.
Mata e Martins citam que Ravik deixou a defesa de Moustafá, mas “essa circunstância não é condição suficiente para cessar o impedimento do magistrado” porque a legislação “é clara ao impedir a atuação do magistrado em processo em que houve a atuação de parente, pouco importando se deixou de atuar”.
As procuradoras sustentam que, mesmo que Moustafá não seja réu na ação penal que originou o habeas corpus movido pelo ex-secretário da Fazenda, o empresário será beneficiado com a decisão que declarou a incompetência da justiça federal para julgar as denúncias da ‘Maus Caminhos’.
Mata e Martins citam denúncias “em comum” contra Lobo e Moustafá, entre elas o processo que trata de pagamento de propina ao ex-secretário. “Mouhamad pagou uma espécie de ‘mesada’ a Afonso Lobo entre maio/2014 e agosto/2016”, afirmam as procuradoras.
Ingressos para a final da Copa do Mundo de 2014, para o show de Roberto Carlos em Manaus, para o Villa Mix e para o show de Wesley Safadão, compra de vinhos exclusivos, pagamento de diárias em hotel de Brasília e São Paulo e cessão de carro com motorista em Brasília e São Paulo também são citados.
“Com a distribuição destas vantagens indevidas, Mouhamad pretendia exercer influência indevida sobre Afonso Lobo, funcionário público estadual que detinha, no rol de suas atribuições, a prerrogativa de determinar a liberação de valores para o pagamento a fornecedores do Estado”, afirmam as procuradoras.
“Torna-se inequívoco o impedimento do desembargador Federal Ney Bello para atuar em qualquer processo da Operação Maus Caminhos, que tenha objeto que beneficie os demais réus denunciados, inclusive Mouhamad Moustafá, que já fora representado por seu parente colateral de 3º grau”, completam.