As violências praticadas contra as mulheres, frequentemente dentro do lar ou no contexto intrafamiliar, vêm se expandindo significativamente, produzindo clamor público e perplexidade para com a perspectiva de vida em sociedade frente ao crescente número da criminalidade ligados à violência doméstica.
Quantas namoradas, esposas, mães, filhas, enteadas, conviventes não têm sido vítimas dessa violência? Informa o Atlas da Violência 2019, resultado da parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que 4.936 mulheres foram assassinadas em 2017, o maior número desde 2007, com uma média de 13 vítimas ao dia, sendo que 66% delas eram negras. Indica ainda a tendência de aumento da violência letal contra a mulher (feminicídio), principalmente de mulheres mortas por armas de fogo na residência, a qual cresceu 28,7%. São dados e registros colhidos junto ao Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde.
Anteriormente, os números do Mapa da Violência 2015 sobre homicídio de mulheres, informavam uma taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, o Brasil ocupava a 5ª posição no ranking com 83 países, sendo superado apenas por El Salvador, Colômbia, Guatemala e a Federação Russa. Dados coletados junto à Organização Mundial da Saúde, organismo da ONU (Organização das Nações Unidas). O Mapa da Violência ressalta alguns parâmetros para análise e chama atenção para os seguintes dados:
“Entre 2003 e 2013, o número de vítimas do sexo feminino passou de 3.937 para 4.762, incremento de 21,0% na década. Essas 4.762 mortes em 2013 representam 13 homicídios femininos diários.
Levando em consideração o crescimento da população feminina, que nesse período passou de 89,8 para 99,8 milhões (crescimento de 11,1%), vemos que a taxa nacional de homicídio, que em 2003 era 4,4 por mil mulheres, passa para 4,8 em 2013, crescimento de 8,8% na década.” (Mapa da Violência, 2015)
São números estarrecedores que evidenciam uma crescente tendência de violência contra a mulher, em regra sob a forma de violência doméstica, fazendo-se necessário maior compreensão sobre essa dramática realidade desfavorável às mulheres no país, inclusive com vistas ao planejamento de intervenções mais eficazes no que se refere ao enfrentamento do problema.
Nesse sentido, é preciso conhecer ou entender de maneira mais precisa que fatores desencadeiam a crescente violência contra a mulher no Brasil. O que a caracteriza? Quais as relações de proximidade ou não se estabelecem entre autor e vítima? Que contextos, vias e peculiaridades marcam a violência contra a mulher?
No sentido etimológico, importa lembrar, a palavra violência é oriunda do latim “violentia”, cujo sentido ou significado é de “veemência”, “impetuosidade”, isto é, há a atuação pela força, mas com a nota distintiva de “violare”, ou seja, uma ação que infringe, transgride, trata com brutalidade e que provoca o ultraje, a desonra e a violação da dignidade humana.
Na acepção sociológica e jurídica, a violência é uma ação ou omissão, em regra, ilegítima e ilegal, muito embora, em certas situações, seja possível legitimá-la, considerando situações de defesa à vida, à liberdade, à integridade ou a outro bem jurídico da pessoa ou da coletividade.
Na visão psicológica, a violência, enquanto impetuosidade ou veemência, expressa, em geral, o emprego da agressividade de forma intencional e exacerbada ao ponto de ameaçar ou praticar ato que resulte em dano, prejuízo, trauma, ultraje, lesões, doenças e morte.
A violência pode assumir diferentes formas: simples e/ou complexa, desarticulada e/ou organizada, física e/ou psíquica, simbólica, moral, armada de palavras, de objetos ou de armas. A conduta violenta pode ser deflagrada por desordens ou fatores subjetivos e/ou objetivos.
Na raiz da violência, inclusive contra a mulher, podem figurar motivos preconceituosos, passionais, revides, ressentimentos, mágoas, ciúmes, invejas, exagerado senso de defesa ou exacerbado instinto de autopreservação. Há também, por vezes, desencadeadores ou justificativas de ordem étnica, religiosa, econômica, política, ideológica, psicopatológica. Certos padrões culturais ligados à questão de raça, de idade, de crença, de gênero, inclusive muitas das quais ligadas a abusos sofridos em certas fases da vida, como na infância ou na adolescência, podem levar a ações violentas e delituosas. Todos esses fatores podem tomar forma na violência contra as mulheres, dentro ou fora de casa, materializando-se em crimes e graves violações aos direitos fundamentais delas.
No caso da violência contra a mulher, ainda que implícita, presume-se quase sempre que seja praticada no ambiente familiar, por indivíduos de convívio mais próximo, por gente de casa ou que a frequenta com certa regularidade. Geralmente, autor e vítima têm laços de parentesco civil (marido, padrasto, enteada(o), sogra(o), filhos) ou de consanguinidade (pai, mãe, filhos, irmãos, tios). É a violência produzida no contexto intrafamiliar.
As modalidades de violência contra a mulher manifestam-se mais frequentemente sob a forma de estupro, abuso sexual, ainda que na fase da infância e adolescência, maus tratos e feminicídio. No Brasil, a partir de fundamentos instituídos pela Constituição Federal (art. 5° e art. 226, § 8°), procurou-se tutelar juridicamente a mulher (lei n°. 11.340/2006 – lei Maria da Penha, lei n° 13.104/2015 – lei do Feminicídio). Se criança e adolescente, importa considerar ainda as proteções, assistências e punições previstas na lei n° 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA).
Baseado nisso, buscou-se estruturar uma rede socioassistencial de apoio à mulher, à criança, ao adolescente, às vítimas de violência doméstica, atualmente implementada por meio políticas públicas quase sempre vinculadas ao S.U.A.S. (Sistema Único de Assistência Social). Há ainda hospitais, delegacias de polícia e varas judiciais especializadas.
A melhor política, no entanto, continua sendo a prevenção, desde a convivência no lar, na escola, na comunidade e quaisquer formas de expressão cultural. E, na hipótese de ocorrência, a prática de violência contra a mulher deve ser prontamente denunciada, pois o silêncio é o maior aliado do agressor ou autor do crime, o qual deve ser responsabilizado.
Por fim, a violência contra a mulher, tal como qualquer outra forma de violência, reitera-se, é também sinônimo de privação ou de violação a direitos, sobretudo daqueles de bens jurídicos fundamentais, tendo como consequências ofensas e violações à dignidade da pessoa humana, inclusive na esfera da convivência intrafamiliar ou externa a ela.
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