Na definição clássica a palavra remessa significa “ato ou efeito de remeter”, ou “aquilo que foi remetido”. Conceito derivado do latim, remissa representa o “envio de algo a partir de um lugar para outro diferente”. Na economia moderna, remessa é todo volume de circulação de recursos, de maneira especial em dinheiro, que os migrantes mandam para as suas famílias em sua terra natal.
De acordo com o Fundo Internacional para Desenvolvimento Agrícola – FIDA, anualmente, cerca de 200 milhões de migrantes internacionais sustentam uma média de 800 milhões de familiares com as remessas. Isso representa a quarta economia dos países em desenvolvimento. Trata-se de uma economia que movimenta mais de quinhentos bilhões de dólares (US$ 500) anualmente. Isso significa que uma média de quatro pessoas depende diretamente do trabalho de cada migrante em país estrangeiro. Este número pode dobrar ou triplicar se considerarmos as migrações internas, ou seja, os movimentos migratórios inter-regionais, dentro do próprio país, no qual milhares de pessoas migram para outros estados ou regiões com a finalidade de trabalhar para sustentar seus familiares.
No seu relatório anual, o FIDA informa que em 2017 que “há cerca de 250 milhões de imigrantes vivendo fora de seus países em todo o mundo” disponibilizando sua força de trabalho, que corresponde a uma cifra importante da economia mundial. Isso significa, segundo o FIDA, que “as remessas tocam diretamente as vidas de uma em cada sete pessoas no planeta”. Entretanto, a maioria da renda dos trabalhadores migrantes, cerca de 80%, permanece no país em que residem. Em termos percentuais, significa que cada migrante consegue enviar uma média de 20% de seus ganhos mensais para seus familiares. Mas, há aqueles que sacrificam seu bem-estar pessoal para enviar um pouco mais de recursos para seus familiares. É o caso das mulheres que conseguem economizar e enviar quase o dobro do valor que os homens enviam para seus familiares.
Para o FIDA, “as remessas mensais representam uma fração, normalmente em montantes de duzentos ou trezentos dólares (US$ 200 ou US$ 300), enviada ao países de origem dos migrantes”. Em termos de economia internacional, esses valores parecem relativamente baixos. No entanto, podem representar até 50% ou mais da renda da família que está no país de origem do migrante. Esses valores representam impactos de grande escala na economia global e na paisagem política mundial uma vez que o ganho total dos trabalhadores migrantes é estimado em 3 trilhões de dólares anuais. Isso tem mobilizado as economias internas dos países receptores de migrantes, uma vez que os bancos especializados no envio de remessas cobram taxas que variam de 10 a 40% do valor enviado. Ou seja, as economias locais, além de lucrar com o trabalho dos migrantes, ainda lucram com o envio de suas economias para os países de origem.
De acordo com o relatório do FIDA, o Brasil recebeu em 2016, um total de 2,7 bilhões de dólares – ou 0,2% do PIB em remessas dos migrantes brasileiros que vivem em outros países. A economia das remessas representa a quarta economia da América Latina onde Países inteiros são sustentados pelas remessas como é o caso da Republica da Guiana, Guatemala e Haiti.
No Brasil os estados de Minas Gerais, Goiás e Rondônia são os mais impactos pela economia das remessas dos migrantes que muitas vezes sacrificam a própria saúde para gerar economia pessoal ou garantir o envio de recursos para seus familiares. É o que recorda Natália (nome fictício), uma jovem rondoniense que morou 10 anos no Japão. “Eu trabalhava uma média de três turnos diários. Nunca tive carteira assinada nem contrato de trabalho. Era tudo informal ou temporário. Trabalhei na área da limpeza e dos cuidados, especialmente de crianças e idosos durante o dia. No horário noturno trabalhava nos restaurantes e lanchonetes lavando pratos ou como auxiliar de cozinha”. Afirma Natália.
A migrante conta ainda que quase não tinha tempo para cuidar de si, e passava semanas e até meses “só comendo besteiras” sem nunca parar para fazer uma refeição digna. “Eu passava os dias correndo de um trabalho para o outro. Às vezes perdia a noção do tempo e nem sabia mais qual era o dia da semana. Tinha sempre na bolsa uns biscoitinhos que comia no metrô para enganar a fome e passar o dia”. Recorda Natália que hoje tem seu próprio salão de beleza numa cidade de Rondônia graças à economia das remessas que enviava para a mãe guardar para ela todos os meses. Natália retornou depois de 10 anos trabalhando fora e sabe bem o que significa o custo humano e social das remessas. “Nesse tempo todo eu só trabalhei. Não fiz amigos, não estudei e perdi minha saúde. Hoje tenho meu próprio negócio, mas, não tenho o que seria de maior valor que é a saúde. Sofro de vários problemas no estômago e nos ossos que é resultado daquela vida desregrada de trabalho que levava no Japão. Não desejo isso para ninguém”. Afirma a jovem.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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