Neste breve texto apresentamos algumas reflexões para o debate que a Cáritas Brasileira vem realizando no GT ‘o Bem Viver e o direito à cidade na Amazônia’. ARoda de Diálogo teve como objetivoaprofundar as pautas para efetivação do Bem Viver nas Cidades e o Direito à Cidade na Amazônia.
Na oportunidade se debateu sobre acontínua expulsão dos povos tradicionais e das comunidades rurais pelas grandes empresas do agronegócio, da mineração, madeireiras e de construção de barragens, que desenvolvem uma economia predatória, e a falta de apoio governamental aos pequenos agricultores, tem provocado índices elevados no crescimento urbano na Amazônia.
Atualmente, cerca de 70% da população da Amazônia vive nas cidades.Nas cidades sem as infraestruturas e serviços necessários as famílias dos trabalhadores de baixa renda ficam em situações de extrema precariedade.As cidades da Amazônia possuem inúmeras especificidades, potencialidade e desafios.
O ponto de partida é o direito à cidade. Na Amazônia as cidades representam a materialização das desigualdades. A grande questão da atualidade, no entanto, é o resgate do espaço enquanto categoria de análise das novas conjunturas e espacialidades das cidades. O espaço não é apenas o que está posto. É muito mais. É cotidiano, é conjuntura, é revelação de realidades ocultas aparentemente, mas, que continuam subjacentes às mais variadas dimensões das novas relações sociais resultantes das novas dinâmicas migratórias.
Para refletir sobre estas questões, tomamos por referência a cidade de Manaus, que apresentou um crescimento rápido e vertiginoso nas últimas décadas tornando-se a maior cidade da Amazônia e passando a enfrentar sérios problemas quanto à ocupação do espaço urbano.
Os pobres expulsos de seus territórios ocupam as “franjas” da cidade, as quais, no geral, representam áreas de ocupação urbana recente. Essa afirmação do saudoso professor doutora José Aldemir de Oliveira, suscita o debate sobre a dialética do espaço e o direito à cidade, negado a muitos migrantes que perambulam de um canto a outro da cidade, buscando abrigo num contexto em que a falta ou precariedade da moradia é uma paisagem concreta e se objetiva nas ocupações às margens dos igarapés na área central e nas ocupações espontâneas na franja da cidade.
A negação dos direitos básicos como o acesso ao saneamento básico precárias na cidade não são apenas manifestações das desigualdades sociais caracterizadas pela falta de serviços básicos e de direitos humanos. Na Amazônia, as cidades que se acostumaram e se acomodaram frente às desigualdades e injustiças sociais. A exclusão social, dentre inúmeros outros fatores, resulta desse processo de expansão urbana não planejada e não integrada.
A Amazônia, é a região do país que menos apresenta saneamento básico em termos percentuais para a população quando olhamos para a parcela de coleta e tratamento de esgotos. Sempre falamos em proteger a floresta, mas desconhecemos os riscos mais básicos. As cidades que banham os rios amazônicos despejam os esgotos diretamente nos rios.
Deve-se preocupar com a poluição dos mananciais e, sobretudo, com a veiculação de algumas doenças associadas ao precário atendimento em água tratada, coleta e tratamento dos esgotos. Hoje, a cobertura de água e esgotamento sanitário da Região Norte são as mais baixas do Brasil. Apenas 57,1% de toda população nortista apresenta acesso à água, 10,5% têm coleta de esgoto e apenas 21,7% dos esgotos são tratados, agredindo o imenso bioma e colocando em risco o meio ambiente da região. Fora tudo isso, as perdas de água chegam a 55,5%. Disponível em: https://tratabrasil.org.br/pt/institucional-blog/saiba-como-anda-o-saneamento-basico-na-regiao-amazonica.
Nessa perspectiva, o espaço social e urbano converte-se em produto e produtor de relações de produção e de reprodução de uma dada sociedade. Ou seja, espaço e sociedade são consubstanciais. Por isso, revisitar o conceito de espaço torna-se fundamental, principalmente, porque as relações sociais de produção têm uma existência baseada na dimensão espacial, pois uma das dimensões fundamentais das relações sociais de produção é o espaço onde são projetadas de forma concreta.
Esta dinâmica promove o encurtamento das distâncias, associado a uma importante compressão espacial e temporal decorrente, sobretudo, do desenvolvimento acelerado dos meios de comunicação e transporte no qual os espaços são sobrepostos e subjacentes.
Na Amazônia, em busca do direito à cidade, os migrantes (especialmente os povos indígenas, camponeses, quilombolas), os refugiados internacionais, os pobres das periferias, as mulheres, os educadores e educadoras populares, engajam-se nos movimentos sociais e políticos e transformam-se em agentes sociais comprometidos com um projeto de sociedade resultante de um processo de construção de novas espacialidades, dando novo sentido ao pertencimento dos espaços, que não são dados, mas conquistados numa dinâmica permanente de participação e intervenção social.
Dessa forma, o direito à cidade, brutalmente negado a boa parte da população da Amazônia precisa constar na pauta política das próximas eleições. Votar em candidatos que respeitam e atuam para garantir com dignidade o direito à cidade representa uma tomada de posição política importante nas eleições de 2022.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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