Nesta Quarta-Feira de Cinzas, 2 de março de 2022, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) lançou virtualmente, para toda a Igreja Católica do Brasil, a Campanha da Fraternidade de 2022, com o tema: ‘Fraternidade e Educação’e o lema:‘Fala com sabedoria, ensina com amor’.
O lema nos remete aos fundamentos do ato de educar na perspectiva cristã em que a educação é compreendida não apenas como um ato escolar, com transmissão de conteúdo ou preparação técnica para o mundo do trabalho, mas de um processo que envolve uma “comunidade” ampliada com todos os atores (família, Igreja, estado e sociedade).
O tema da Educação já foi tratado em duas outras Campanhas da Fraternidade. A primeira vez foi em 1982. Em torno do tema Educação e Fraternidade se aprofundou o lema ‘A Verdade vos Libertará’ com o objetivo de “criar condições para a prática de uma educação libertadora, a serviço da construção de uma sociedade fraterna”.
Naquele ano se lutava pelo direito às escolas de qualidade para todos e todas, se questionava o analfabestismo e o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), e se refletia o modelo de educação no Brasil. Essa campanha analisou o processo educativo como um todo, considerando os seus principais elementos e formas de abordagem, procurando mostrar o fundamento cristão para a educação como um todo.
Um dos frutos da campanha foi a pastoral da educação, que apresentou importantes contribuições na formação de educadores e educadoras populares que aproximaram a educação da vida das pessoas.
A segunda vez que a educação foi tema da Campanha da Fraternidade foi em 1988 com o lema ‘A Serviço da Vida e da Esperança’. Teve objetivos de colaborar com as pessoas na sua busca de realização; favorecer a criação e o fortalecimento de comunidades onde todos participem e se apoiem fraternalmente; estimular o exercício da cidadania, em favor de uma sociedade justa e solidária; promover ações para a erradicação do analfabetismo em sentido amplo.
Este ano, então, é a terceira vez, que o tema da Educação é refletido no tempo quaresmal e tem como objetivo geral “promover diálogos a partir da realidade educativa do Brasil, à luz da fé cristã, propondo caminhos em favor do humanismo integral e solidário”. Em seus Objetivos Específicos pretende:
1. Analisar o contexto da educação na cultura atual, e seus desafios potencializados pela pandemia.
2. Verificar o impacto das políticas públicas na educação.
3. Identificar valores e referências da Palavra de Deus e da tradição cristã em vista de uma educação humanizadora na perspectiva do Reino de Deus.
4. Pensar o papel da família, da comunidade de fé e da sociedade no processo educativo, com a colaboração dos educadores e das instituições de ensino.
5. Incentivar propostas educativas que, enraizadas no Evangelho, promovam a dignidade humana, a experiência do transcendente, a cultura do encontro e o cuidado com a casa comum.
6. Estimular a organização do serviço pastoral junto a escolas, universidades, centros comunitários e outros espaços educativos, em especial das instituições católicas de ensino.
7. Promover uma educação comprometida com novas formas de economia, de política e de progresso verdadeiramente a serviço da vida humana, em especial, dos mais pobres.
Como ocorre desde o seu início, a Campanha da Fraternidade sempre conta com uma palavra de apoio e confirmação por parte do Papa, que envia uma mensagem por ocasião da abertura oficial da Campanha da Fraternidade que, geralmente, ocorre na Quarta-Feira de Cinzas.
Neste ano, o Papa Francisco destacou ser importante refletir sobre a relação entre “Fraternidade e Educação”, “fundamental para a valorização do ser humano em sua integralidade, evitando a ‘cultura do descarte’, que coloca os mais vulneráveis à margem da sociedade, e despertando-o para a importância do cuidado da criação”, afirma o Papa.
Disse ainda que estamos num tempo oportuno para se “reconhecer e valorizar a importante missão da Igreja no âmbito educativo”. E fez uma ligação direta entre a Campanha da Fraternidade e o Pacto Educativo Global, que é um chamado do Papa Francisco para que “todas as pessoas no mundo, instituições, igrejas e governos priorizem uma educação humanista e solidária como modo de transformar a sociedade”.
Lançado no Vaticano no dia 15 de outubro de 2020 o Pacto Educativo Global, é um convite diretamente do Papa Francisco “para discutir, mobilizar e tornar o pacto algo concreto em nossas políticas educacionais e institucionais”. Ao mesmo tempo que se reconhece e valoriza a responsabilidade dos governos na tarefa de auxiliar as famílias na educação dos filhos, garantindo a todos o acesso à escola, deve-se igualmente reconhecer e valorizar a importante missão da Igreja no âmbito educativo: “As religiões sempre tiveram uma relação estreita com a educação, acompanhando as atividades religiosas com as educativas, escolares e acadêmicas. Como no passado, também hoje queremos, com a sabedoria e a humanidade das nossas tradições religiosas, ser estímulo para uma renovada ação educativa que possa fazer crescer no mundo a fraternidade universal”. Afirma o Papa Francisco.
“Desejo de todo o coração que a escolha do tema ‘Fraternidade e Educação’ se torne causa de grande esperança em cada comunidade eclesial e de efetiva renovação nas escolas e universidades católicas, a fim de que, tendo como modelo de seu projeto pedagógico a Cristo, transmitam a sabedoria educando com amor, tornando-se assim modelos desta formação integral para as demais instituições educativas” expressou o Papa Francisco em sua mensagem.
Esta Campanha da Fraternidade também é um tempo oportuno para se retomar e atualizar os desafios pastorais apresentados na Exortação Apostólica Pós-sinodal Querida Amazônia, assinada pelo Papa Francisco. No número 17, da Querida Amazônia, o Papa Francisco afirma que “Simultaneamente é preciso garantir, para os indígenas e os mais pobres, uma educação adequada que desenvolva as suas capacidades e empoderamento”. Assim, podemos dar mais um passo e lembrar que “uma ecologia integral não se dá por satisfeita com ajustar questões técnicas ou com decisões políticas, jurídicas e sociais”. Conclui o Papa Francisco.
Já no número 58 da Querida Amazônia o Papa Francisco pontua que “a grande ecologia sempre inclui um aspeto educativo, que provoca o desenvolvimento de novos hábitos nas pessoas e nos grupos humanos. Infelizmente, muitos habitantes da Amazónia adquiriram costumes próprios das grandes cidades, onde já estão muito enraizados o consumismo e a cultura do descarte. Não haverá uma ecologia sã e sustentável, capaz de transformar seja o que for, se não mudarem as pessoas, se não forem incentivadas a adotar outro estilo de vida, menos voraz, mais sereno, mais respeitador, menos ansioso, mais fraterno”.
Já no número 60 da Querida Amazônia, o papa Francisco afirma que “a Igreja, com a sua longa experiência espiritual, a sua consciência renovada sobre o valor da criação, a sua preocupação com a justiça, a sua opção pelos últimos, a sua tradição educativa e a sua história de encarnação em culturas tão diferentes de todo o mundo, deseja, por sua vez, prestar a sua contribuição para o cuidado e o crescimento da Amazónia”. Todas essas reflexões atualizam nosso compromisso com uma educação em defesa da vida e dos direitos e todos os povos a uma educação libertadora. Ao mesmo tempo, nos aproxima dos compromissos do Pacto Educativo Global que nos convida a dar sete passos rumo a uma educação humanizada: colocar a pessoa no centro de cada processo educativo (realçar a sua especificidade e a sua capacidade de estar relacionado com os outros, contra a cultura do descartável); ouvir a as gerações mais novas (escutar a voz das crianças, dos adolescentes e jovens para juntos construir um futuro de justiça e de paz, uma vida digna para cada pessoa); promover a mulher (favorecer a participação plena das meninas e das jovens na educação); responsabilizar a família (ver na família o primeiro e indispensável sujeito educador) ; se abrir à acolhida (educar e educar-nos à acolhida, abrindo-nos aos mais vulneráveis e marginalizados); renovar a economia e a política (estudar novas formas de compreender a economia, a política, o crescimento e o progresso, ao serviço do homem e de toda a família humana na perspectiva de uma Ecologia Integral); por fim, cuidar da casa comum (cuidar e cultivar a nossa casa comum, protegendo os seus recursos, adotando estilos de vida mais sóbrios e visando energias renováveis e respeitosas do meio ambiente).
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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