Nesta reta final de preparação para o Sínodo da Amazônia, em meio a tantos ataques por parte dos fundamentalistas de dentro e de fora da Igreja, o processo sinodal segue firme nos seus propósitos de revisão e realinhamento da presença da Igreja Católica na Pan-Amazônia.
A parte diretamente envolvida no processo sinodal, cerca de cerca de 86 mil pessoas nos 9 países que compõem a Pan-Amazônia, mais alguns milhares de pessoas que se envolveram de forma indireta em outras regiões e países, estão totalmente comprometidas com as diversas atividades desenvolvidas antes, durante e depois do Sínodo que ocorrerá em Roma de 06 a 27 de outubro.
Foram convocadas 250 pessoas para participar da Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica. São peritos/as ligados/as às diversas áreas da ecologia, migrações, cidades, conflitos socioambientais, teologia, história da Amazônia, questões indígenas, povos tradicionais… indígenas, quilombolas e camponeses se farão presentes para discutir os temas e buscar junto com os bispos os “novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral na Amazônia”.
O ponto de partida da Assembleia Sinodal será o Instrumentum Laboris que desafia a Igreja a ser novamente ouvinte nessa região que atualmente é a segunda área mais vulnerável do planeta em relação à mudança climática provocada pelos seres humanos (Instrumentum Laboris, 2019, p. 9).
A escuta sinodal como um processo pedagógico, representa uma grande riqueza na caminhada da Igreja e implica no reconhecimento da irrupção da Amazônia como um novo sujeito que, todavia, não foi considerado suficientemente no contexto nacional ou mundial, nem sequer na vida da Igreja, e que agora se constitui num interlocutor privilegiado.
No Processo Sinodala Igreja tem a oportunidade histórica de diferenciar-se claramente das novas potências colonizadoras escutando os povos amazônicos para exercer com transparência seu papel profético (Instrumentum Laboris, 2019, p. 7), num contexto marcado pelas tensões socioambientais que exigem novos posicionamentos da igreja em defesa da vida dos povos dessa região.
Na perspectiva da Ecologia Integral, o processo sinodal destaca a importância do Bioma Amazônia que é essencial para a distribuição das chuvas em outras regiões remotas da América do Sul e contribui com os grandes movimentos de ar ao redor do planeta. Além disso, produz e distribui as chuvas que alimentam a natureza, a vida e as culturas de milhares de comunidades indígenas, camponesas, afrodescendentes, tanto ribeirinhas como urbanas. (INSTRUMENTUM LABORIS, 2019, p. 9).
Além da dimensão ambiental, os povos da Amazônia encontram-se extremamente ameaçados. De modo especial, os povos indígenas em condições vulneráveis na atual conjuntura política. Em seu encontro com os Povos Indígenas em porto Maldonado, na Amazônia Peruana, em janeiro de 2018, o Papa Francisco insistia: “É bom que agora sejais vós próprios a autodefinir-vos e a mostrar-nos a vossa identidade. Precisamos escutar-vos”.
Outro grande desafio apresentado no Instrumentun Laboris para novos estudos e aprofundamento é questão das cidades da Amazônia que têm crescido muito rapidamente e recolhido muitos migrantes internos e internacionais, deslocados de forma compulsória, empurrados para as periferias de grandes centros urbanos que avançam floresta adentro. Na sua maioria são povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas expulsos pelos garimpos e mineradoras, encurralados pelas madeireiras, e machucados nos conflitos agrários e socioambientais resultantes da omissão falaciosa do Estado que tem adotado um processo acelerado de limpeza e esvaziamento de áreas estratégicas de grande interesse econômico cobiçadas por empresas nacionais e internacionais em praticamente todos os países da Pan-Amazônia nos quais os governos priorizam os grandes projetos, mesmo que estes resultem em danos socioambientais irreversíveis. Estes e outros temas de grande relevância são tratados no Instrumentum Laboris.
Por fim, o processo sinodal, como um verdadeiro Kairós, tem marcado profundamente a história da Igreja Católica na imensa Amazônia e representa uma oportunidade para se fazer memória, reconhecer os erros e acertos do passado e redefinir novos projetos à luz teologia da criação guiada pela proposta da Ecologia Integral.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.