Qualquer pessoa que conheça minimamente a área de educação sabe muito bem que decisões unilaterais, aquelas que não foram fruto de debate com os professores e demais profissionais da área, são muito difíceis de prosperarem no meio educacional, atitudes assim por mais bem intencionadas que sejam raramente conseguem êxito. Nossos mestres não são muito afeitos aquilo que lhes é imposto, o que é perfeitamente compreensível, em primeiro lugar pelo respeito que se deve ter a eles por conta do papel importante que desempenham na sociedade, em segundo, pelo descaso com que historicamente a categoria docente vem sendo tratada. Sendo assim, o entendimento geral é o de que tudo aquilo que seja colocado de forma impositiva representa desrespeito e traz prejuízos para os profissionais da área. Desta forma, rejeitar o que não foi amplamente discutido, ou o que pelo menos não foi dado a oportunidade de se discutir, parece o mais coerente e seguro a fazer.
Percebe-se então, que o diálogo desempenha um papel fundamental nas relações existentes nesta área, algo que deve ser fomentado e praticado entre todos os atores do processo educativo: pais, alunos, professores, coordenadores e diretores. O fazer docente é impensável sem isso, a ponto de não poder se conceber hoje um processo de ensino-aprendizagem que não passe por essa troca entre professor e aluno. Da mesma forma, é igualmente inconcebível que coordenadores e diretores não compartilhem desta prática com seus professores, uma vez que o diálogo é um dos pilares no qual se apoia qualquer gestão que pretenda ser democrática. Esta questão é tão séria e importante que os documentos oficiais que orientam nossa educação, tais como: a lei de diretrizes e bases (LDB) e as diretrizes curriculares nacionais da educação básica (Dcneb), destacam a gestão democrática como uma premissa.
O problema é que dialogar, principalmente sobre mudanças profundas na educação, requer tempo, paciência e um bom planejamento, para que se possa ouvir todos os interessados e acolher suas diversas contribuições. Afinal, mudanças sempre afetam interesses, mudam rotinas, interferem em relações e modificam os status quo. Apesar de penoso, o processo de construção feito a muitas mãos é o mais aconselhável e seguro para que mais tarde aquilo que for posto (e não imposto) seja aceito e ganhe a adesão dos professores. Mas para quem tem pressa esta etapa sempre será desnecessária, podendo ser negligenciada ou mesmo saltada, e é justamente este o pensamento que parece estar norteando as decisões vindas hoje do ministério da educação (MEC) no que diz respeito a reforma do ensino médio. A equipe escolhida pelo ministro Mendonça Filho parece ter ciência de que mesmo em uma hipótese muito otimista, de que o governo Temer chegue até o fim, seu prazo na pasta é muito curto, no máximo dois anos. E, no afã de ter uma passagem marcante pelo ministério, que deixe contribuições significativas para a educação brasileira, está preferindo optar por decisões pouco debatidas com os quase 500 mil profissionais que trabalham neste nível de ensino em todo o Brasil.
É claro que é preciso se ter ciência de que o ensino médio é hoje o maior desafio da educação brasileira, que mudanças profundas são necessárias para que resultados como o do último Ideb e do Enem não continuem se repetindo, para que a enorme evasão que temos hoje nesta etapa da educação básica não continue acontecendo, mas que principalmente ele passe a representar para os nossos jovens a possibilidade de perspectiva de futuro, seja através da continuação dos estudos com ingresso no ensino superior ou através da inserção digna no mundo do trabalho. Mesmo diante deste cenário, que urge por mudanças, não é razoável admitirmos que a solução para um problema tão complexo está sendo pensada somente dentro de gabinetes, por pessoas que por mais competentes que sejam não tem como prever todos os desdobramentos que emergirão das mudanças que pretendem fazer. Achar que resolveremos tudo através de uma “canetada”, como chamamos decisões monocráticas como uma medida provisória, é no mínimo subestimar a inteligência de todas as pessoas que nas últimas décadas vem fazendo educação neste país.
Em um período tão conturbado como o que vivemos hoje, em que muitas são as incertezas quanto ao futuro, iniciar uma reforma como esta, principalmente da maneira como vem sendo feita, é estar pedindo para comprar uma briga com todos os professores da rede pública do país. Contudo, sempre é tempo de recuar, não na reforma em si porque ela é sim necessária, mas na maneira como vem sendo conduzida. Um bom exemplo de como se ter contribuições gastando pouco, e em pouco tempo, foi o que fez o ex-ministro da educação, Cid Gomes, que durante a sua gestão realizou várias consultas públicas através do site do MEC, uma pena que logo depois ele se desligou do ministério e a gestão seguinte nunca deu as devolutivas sobre as consultas. De qualquer forma, fica a sugestão para as pessoas que hoje estão conduzindo a atual reforma do ensino médio: “ouçam mais pessoas, envolvam mais gente neste processo”.
George Castro já foi diretor de ensino médio e educação profissional de toda a rede pública do estado do Pará, supervisor do programa pacto nacional pelo fortalecimento do ensino médio (PNEM), membro do comitê estadual do programa do ensino médio inovador (PROEMI) e membro do programa nacional do livro didático (PNLD). Atualmente atua como consultor educacional.