Por Pontes Filho, da Redação
Por mais viciados e carcomidos que sejam os velhos modelos em vigor, há sempre muita resistência para se construir o novo e inovar socialmente, sobretudo na perspectiva democrática e de desenvolvimento de processos sociais mais justos e solidários.
Muito embora os velhos modelos estejam desgastados no tempo, principalmente por conta das violentas e frustrantes experiências logospiratas que protagonizaram em diferentes momentos, capitalismo e socialismo ainda persistem como os principais sistemas de organização socioeconômica e influência política.
Capitalismo
Na atualidade, não é difícil chegarmos ao diagnóstico de que o capitalismo é um modelo injusto e predatório. Ele pode esgotar e destruir o planeta ao mesmo tempo em que barbariza a humanidade celeremente. Não só por conta das contradições sistêmicas, da avidez pelo consumismo e pela irracional acumulação financeira por parte de tão poucos, mas também por conta da produção em massa de indivíduos desajustados, sobretudo quando vicia as subjetividades e entorpece o entendimento humano. Ninguém está imune às repercussões tóxicas do capitalismo.
Nesse último aspecto, ao lado do fundamentalismo de mercado, não faltam certas substâncias químicas que debilitam e tornam os indivíduos cada vez mais manietáveis e descartáveis. Esse entorpecimento geral resulta na perda da qualidade cognitiva e dificulta o desenvolvimento pleno da cidadania, convertendo em coisa “natural” abusivas explorações que podem comprometer o ambiente planetário e justificar a dominação política opressiva. Não há cenário promissor para a democracia nem para o meio ambiente com os “tons” atuais do modelo de capitalismo em curso, protagonizados por Trump e Xi Jinping, os quais estão levando o mundo a retroceder aos tempos da última guerra fria.
Socialismo
Por outro lado, não se pode em sã consciência ter esperanças num modelo que concentra a política e a economia nas mãos do Estado, como o faz o socialismo. O modelo socialista gera formas de dominação e de injustiças até mais venais que o capitalismo, destruindo a liberdade e o senso crítico enquanto promete o “melhor dos mundos”.
Tal como outros velhos modelos, o socialismo histórico ainda vê com auspiciosa expectativa o recurso à luta armada e a aniquilação dos adversários. O dogmatismo ideológico, propagandeado como “a vigilante busca da igualdade ou da justiça social” chegou ao ponto de justificar ditaduras, regimes tirânicos e toda espécie de abuso político às liberdades individuais, tudo supostamente para atender o interesse do proletariado ou da maioria.
A manipulação pragmática dessa receita ideológica de organização econômica e política tem produzido consequências aterradoras desde o século passado. Ainda neste início de século XXI, aonde quer que persista e tenha alcançado o comando estatal, o socialismo converteu-se num sistema de radical “vale tudo” em nome da “classe trabalhadora” ou da grande maioria.
Injustificáveis
Apesar de analisáveis, não se pode justificar as atrocidades que foram e ainda são cometidas pelos desastrosos modelos logospiratas, decorrentes das diversas experiências tanto socialistas quanto das aberrações praticadas pelas diferentes versões de capitalismo.
Muito embora ambos os sistemas socioeconômicos, em suas diferentes variações ou manifestações híbridas (como a socialdemocracia, o bem-estar social etc), esforcem-se em apresentar a mais perfeita propaganda de seus ideários, ações e resultados, a polarizada luta que travam entre si parece não importar com a verdade histórica.
A tentativa de impor certa doutrinação ideológica, seja de um tipo seja de outro, para fins de manipulação pelo jogo tóxico do poder, tem acarretado em irracionais e nocivas polarizações, desconsiderando o pluralismo político e o direito de divergir, de discordar, de se opor, liberdades essenciais para formar um regime democrático.
Somente há democracia quando se reconhece o direito à diferença e quando se respeita a legitimidade do conflito. Se não houver isso, prevalecem as hostilidades, discriminações, constrangimentos e outras atitudes irracionais. Opera-se assim um arriscado predomínio do fascismo imposto por segmentos sociais, militarizados ou não, corporações econômicas e organizações de mediação políticas a toda a sociedade e suas distintas formas de manifestação política e diversidade cultural. Esse cenário configura enorme risco às perspectivas de qualquer esforço para consolidar um regime democrático. Democracia, tal como a justiça, não pode ser seletiva.
Por divergir da tirania do capital e do pensamento único, com maior razão é necessário contrapor-se à ditadura do proletariado e a qualquer outra, ao concentracionismo da economia estatizadora, à acumulação selvagem do capitalismo, ao dogmatismo ideológico e à espoliação logospirata, seja capitalista seja socialista.
Ambos, capitalismo e socialismo, constituíram-se em versões modernas do perverso obscurantismo socioeconômico e político. Sobretudo as ditas classes revolucionárias, em distintos momentos, fossem as burguesas fossem as proletárias, cujo papel de agente histórico deveria ter sido libertário e lúcido. Ambas necessitam passar do discurso para a prática de respeito à cidadania e da busca de promover a dignidade humana. Condições essenciais aos direitos humanos, aos direitos sociais, ao ideal de sociedades livres, justas e solidárias.
Não é possível vislumbrar nos modelos de capitalismo vigentes nem nas distintas versões experimentadas de socialismo vias de solução para a condição social, econômica e política das diferentes humanidades, mas apenas compreendê-los como experiências históricas a serem superadas.
Inovar é preciso
É necessário e urgente buscar novos modelos, destituídos das violências, delinquências e corrupções estruturais que caracterizaram tanto o capitalismo quanto o socialismo, com vistas a proteger o planeta e desenvolver as distintas humanidades que a terra comporta.
Umas das condições para que o planeta sirva a todos é libertar-se de inúmeras vicissitudes sociais e de limitações cognitivas, comumente instrumentalizadas em favor dos modelos socioeconômicos e políticos espoliativos vigentes, que operam em direção contrária à efetiva promoção da dignidade humana.
Uma vez considerado isso, é fundamental insistir na busca de perspectivas mais dignas às humanidades de agora e do amanhã. Não é tão simples nem fácil tentar inovar socialmente, mas é fundamental superar os velhos e viciados modelos de liberdade e de justiça vigentes, decorrentes dos sistemas econômicos e políticos experimentados até aqui, como o capitalismo e o socialismo. A empreitada emancipatória é difícil e complexa, mas não é impossível.
Se as gerações atuais não alcançaram melhor resultado nem produziram ordens sociais mais livres e justas, é crucial ao menos não dificultarem nem atrapalharem ainda mais o caminho das próximas gerações. As universidades, centros de formação e de pesquisa, desde que superem o apego à velha lógica da intriga, da luta tóxica pelo poder e da conspiração entre partidários desses modelos obscurantistas, poderão superar a “sensação de impotência”, para voltar a contribuir com perspectivas mais condizentes com a dignidade humana.
As novas gerações herdarão, enfim, o planeta e o que nele edificarmos em termos de liberdade e de justiça nas diferentes sociedades humanas. É preciso que se desenvolva um pacto geracional, desde logo, comprometido em legar perspectivas mais dignas às diversas humanidades. Para tanto é imprescindível superar as carcomidas fórmulas e os viciados modelos logospiratas, a exemplo do capitalismo e de socialismo, contumazes na produção de misérias, de injustiças, de violência e de corrupção sistêmica. Essa é a irrenunciável tarefa nesse multifacetário tempo contemporâneo. Afinal, como nos anteviu Manoel de Barros: “As coisas que não existem são as mais bonitas”.
Feliz 2020!
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