PARINTINS-AM – Fatos da cotidianidade política de Parintins nos despertam ao diálogo com a numinosidade ativa no Apóstolo Mateus, 4:4: Nem só de pão viverá o homem, mas de toda Palavra que procede da boca de Deus.
Com base em nossas concepções e vivências espirituais, Deus é uma vibração energética e se manifesta em Sabedoria Suprema, Consciência Universal… É a Potência Cósmica que rege as dinâmicas existenciais em prol do equilíbrio e do bem viver pluriversal*.
Há de se considerar que Deus (o Princípio Divino reverenciado e vivenciado em altas dimensões espirituais) fora transformado pelo egocentrismo sistêmico, autocrático, em um ser manipulável, até cruel e injusto, conforme os interesses de quem o domina, de quem usa e abusa do “conceito” para se dar bem sobre as massas analfabetizadas. Em decorrência, o discurso “vontade de Deus” tem sido uma hipócrita estratégia, uma saída criminosa para justificar as recorrentes injustiças sociais, proteger e fortalecer a dominação das elites políticas e religiosas sobre subalternalizados/as; sobre aquelas e aqueles que se rastejam nos sistemas e instituições em troca de cargos e/ou de migalhas que escapam das luxúrias e de banquetes nutridos indevidamente com dinheiro público.
Bem a propósito, as recentes “celebrações de páscoa” sob artimanhas de dominações político administrativas materializam o argumento em questão. Em nome do Cristo Ressuscitado interesses pessoais e politiqueiros buscam autopromoção, apropriação cada vez maior de visibilidade em cargos públicos, haja vista a total ausência de autoconsciência, de autoeducação, de leitura político-social transformadora, libertadora e ao mesmo tempo de compromisso ético humano.
Não dá pra negar: o chocolate tem sido a máscara hipocritamente adocicada para a fome física, intelectual, emocional e até espiritual instalada entre as categorias marginalizadas e vulnerabilizadas – pobres, analfabetos/as, mulheres, crianças e similares… E o chocolate tornou-se a droga alienante para o mercado desviar a atenção do verdadeiro sentido da Ressurreição de Cristo.
Os povos pré-coloniais, segundo o olhar Porakê Munduruku*, concebiam o chocolate uma dádiva conferida por Quetzalcoatl, a serpente emplumada consumida com fins medicinais e ritualísticos com objetivo de eliminar cansaços e renovar energias espirituais de sacerdotes/isas, guerreiros/as, além dos efeitos afrodisíacos: propriedades mundialmente reconhecidas. É mais uma das riquezas originárias dos povos latino-americanos expropriadas pelo colonizador europeu. Tornou-se commoditie* valorizada no mundo, dominada por multinacionais que ditam o valor de mercado global. Dentre elas, Nestlé e Mondelez enfrentam denúncias sobre exploração de trabalho escravo na cadeia produtiva do cacau.
Observação importante: o mercado de achocolatados avança na lucratividade das empresas em parceria com o mercado da politicagem. Outra questão que merece chamada de atenção se faz presente nas substâncias nocivas à saúde adicionadas aos achocolatados para viciar principalmente as crianças e famintos .
Sejamos justos e racionais. Literalmente, o mundo está doente. A cada dia, doenças e mais doenças se alastram e os sistemas de saúde já não conseguem atender às demandas… Falsear a páscoa com chocolates não contempla as reais necessidades das crianças de Parintins cujos clamores exigem transparência na aplicação do dinheiro público, políticas públicas voltadas para um sistema de ensino problematizador e libertário que as oportunizem avaliar: chocolates ou direitos fundamentais à qualidade de vida? Mascarar ou revelar o que se esconde nas fantasias da chocolatada? Abrir ou fechar as portas para livrar nossos/as pequeninos/as do mercado de outras drogas?
Do exposto, a metáfora do Evangelista Mateus retumba há milênios na bíblia cristã enfatizando que é o pão da Sabedoria que saciará a fome e a sede de Justiça Social tão negligenciada nos sistemas político-administrativos.
Em remate, uma coisa puxa a outra. Sobre o perfil alienante do caridosismo de páscoa a memória do Médico/Profeta Menabarreto – imortal Cidadão Parintinense – cutuca a indiferença social: Toda caridade é cínica. É um meio hipócrita de devolver aos desvalidos o que lhes fora roubado.
Falares da Casa
Bem viver pluriversal – Conexão e comunicação da multiplicidade entre várias culturas universais, inter-relacionando conhecimentos e sabedorias e, assim, garantir a participação, a libertação, a decolonização e a autonomia de todos os seres.
Porakê Munduruku – #resistênciaanticolonial #lutaindígena #abyayala #históriaindígena
Commoditie – Matéria prima de sustentação dos grandes investidores. É tudo o que produzimos e que não é industrializado. Resumindo: produtos de origem agropecuária ou de extração mineral em estado bruto ou em pequeno grau de industrialização.
Fátima Guedesé educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Uma das fundadoras da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS). Autora das obras literárias, Ensaios de Rebeldia, Algemas Silenciadas, Vestígios de Curandage e Organizadora do Dicionário - Falares Cabocos.
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