As eleições deste último domingo marcaram um evidente encerramento de ciclo de boa parte das diretrizes da política nacional. A esquerda sai derrotada do jogo político como poucas vezes se deu na História. Desmorona-se diante de um jogo duro, onde tentou comprar briga com quem não tem somente o discurso ideológico a seu favor, tem o poder como anteparo.
A tarefa agora é mais árdua do que nunca, e percorre terra arrasada para remontar com parte dos escombros uma nova estratégia. O desafio é disputar forças com uma direita forte e armada até os dentes. Não há mais espaço para mais erros, é preciso reconhecer que a força de reação implica em mobilização popular!
Expõe-se, além da derrota do PT, a queda da máscara do discurso “anti-corrupção” que fora adotado nas mais variadas manifestações pelo país nos últimos anos. Fica agora evidente que este discurso estava longe de uma maior cobrança ética na política, o que sempre esteve proferido é um ódio recalcado direcionado à esquerda e ao que ela representa.
Isto é, o PT – mesmo que os fatos digam o contrário – saiu com a ficha mais suja que os outros partidos, tão imersos na corrupção quanto ele. Isso se mostra real ao vermos uma traumática queda do número de políticos eleitos no partido, além da própria tragédia de ver a população excluída votando em partidos de direita, que estão preparando a “flexibilização” , ou seja, o esvaziamento das leis trabalhistas e reformar a previdência – enquanto na verdade se resguardam as regalias burguesas, os privilégios dos vassalos do poder. Fora de propósito fazer reformas que são de fato necessárias antes de cortar de quem realmente mais precisa.
A eleição de um sujeito chamado João Dória Jr, em São Paulo, descreve a maior cristalização da ideologia burguesa siliconizada a partir das urnas. Mostra um contentamento melancólico com a realidade, e uma contraditória vontade do povo de fazer parte daquilo que os encarcera. Vontade de ser orgulhosamente só mais uma engrenagem no sistema, ou como vomitava com gênio e arte o profeta Pink Floyd nos anos 70: “Todos somos somente tijolos do muro”.
A ideologia dominante possui um predicado fascinante, apelativo e alienador: consegue convencer o trabalhador de que não importa viver numa cidade poluída, repleta de gargalos e distorções de infraestrutura. Não importa demorar 2 horas pra ir e 2 pra voltar do trabalho num ônibus análogo a uma lata de sardinha. E sustenta isso com clichês pavorosos como “o trabalho enobrece”, ou com discursos medonhos como a meritocracia.
Não se trata aqui de atribuir culpa a quem votou em um candidato ou outro – longe disso – trata-se, mais do que tudo, de realizar uma crítica vigorosa a um governo pretensiosamente “de esquerda” que manteve a população no limiar de sua autonomia política, e que agora reproduz a cena clássica de ovelhas do pasto votando no lobo.
Numa situação de desemprego crescente, o marqueteiro do PSDB foi brilhante: fez da aposta controversa de Geraldo Merenda Alckmin – um empresário milionário, rico ri à-toa, vindo de berço de ouro – o mais novo prefeito da maior cidade da América Latina. João Dória Jr, que vestiu na campanha a alcunha de “João Trabalhador”, se passando pela figura do “bom patrão”. Não se assume como político, visto como leproso na estratégia publicitária bem sucedida, mas sim, um gestor. E claro, quem melhor do que um “bom gestor” para ser o messias da criação de empregos?
Pra quem achava que o PSDB também perderia popularidade diante das últimas denúncias de corrupção, deparou-se um grande engano. O Brasil, que sempre fora um país conservador, tem agora esse ímpeto elevado e empoderado. Os progressistas terão agora que travar uma longa batalha de décadas se quiserem retomar seus objetivos.
Contudo, é possível ver ainda um resultado positivo diante das contradições presentes no mundo real: se mais candidatos de esquerda obtivessem êxito eleitoral permaneceria um contentamento parcial com a conjuntura política e social. Isto é, seria como dizer, “… menos mal, temos este como consolo”. Esse fracasso que descreve os despossuídos nos aproxima da condição filosófica de proletário, em outros termos: “aquele que nada possui” – condição imprescindível para empurrar à luta.
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