Até aqui temos recorrido ao pensamento crítico, criado no universo Mediterrâneo, 5 séculos antes da era cristã, pelos Pré-socráticos. Uma ferramenta para apontar a farsa do sistema político instituído como algo realmente democrático, e a necessidade absoluta de superação subversiva desta configuração. Nesse contexto, o que nos resta fazer senão apontar a maneira com que a filosofia pode contribuir para vislumbrar uma nova realidade, ou seja, provocar, convocar e ecoar um novo cenário, que integre, mobilize e potencialize os atores na paisagem conflituosa do real.
O divórcio entre teoria e prática, historicamente tratada apenas pelos grandes pensadores, hoje desembarca na boca do povo, com jargões elucidativos: “Na teoria a prática é outra”. A linguagem do povo consegue ser mais direta e concreta para reaproximar os domínios do senso-comum e da produção acadêmica. O jargão tem confirmação no real. Mérito do senso comum ou limitação do pensamento formal em sistematizar conhecimento, sentimento e contradição na explicação do real? Os fatos não são exatamente os atos da concretude cotidiana. Há sim uma distinção entre ambos, porém, devemos resguardar a crítica para vislumbrar a maneira histórica com esse paradoxo se manifesta.
Para interpretar o mundo como tal, não basta dizer como ele é, na pretensão audaciosa de esgotar seu alcance. Assim procedendo caímos na armadilha de narrar uma concepção obrigatoriamente parcial, abdicando de entender as possibilidades que o mundo carrega, e com isso excluindo as fatores e atores fundamentais que o imediatismo empírico não vê.
Devemos, além disso, não descuidar do que o mundo poderia ser, na velha categoria aristotélica de ato e potência. Com esses cuidados é possível chegar mais perto das contradições que impedem o real de ser aquilo que conjecturamos na idealização, ou seja, a percepção de tudo aquilo que impede do real ser o que não é.
O mundo real carrega em si todas as possibilidades de ser. A o pensamento crítico, portanto, é aquela postura que vai perguntar sempre porque as coisas não são como as idealizamo. E dizer que elas podem ser diferentes. Aliás, realizar a crítica é perguntar mais do que responder, na busca da evolução e na direção no movimento permanente da transformação.
Isto não dá razão, de maneira alguma, aos argumentos conservadores que acusam os progressistas de utópicos. Erra-se sobretudo no uso adequado do conceito de Thomas Morus, segundo o qual Utopia não quer dizer algo impossível ou irrealizável. Quer dizer, somente, algo que ainda não está aqui. Algo que, por ora, não virou ato mas é potencialmente atualizável. Essa distorção soa muito mais como uma aderência ao conformismo confortável da ideologia dominante.
O pensamento circular sobre fenômenos utópicos – no pior sentido – são aqueles que imaginam uma abstração primária, um mundo ideal, e tentam assim adequar o mundo real a ele, negando propositalmente que a realidade parte da materialidade.
O pensamento que toma conta de remodelar, desta forma, a distinção entre teoria e prática, leva a denominação de Teoria Crítica, um conjunto de premissas que explicita a epistemologia – recurso metodológico que descreve como se dá o conhecimento – no âmbito das bases materiais da História. E seu poder inovador está em apontar para a prática como a melhor forma de mudar e compreender o mundo fornecendo uma base teórica densa explorar as potencialidades que o mundo nos dá.
Isto é, ao analisarmos a dinâmica social tomamos noção das coisas que o mundo poderia ser. Enquanto as abstrações conscientes tentam dizer o que o mundo de fato é. Recordando o velho Marx: “A prática é o critério da verdade”. A Teoria Critica, sistematizada pela chamada Escola de Frankfurt, utiliza esse ponto de partida para descrever não somente a funcionalidade aparente do mercado, ou o fetiche da mercadoria numa sociedade industrializada, mas sobretudo para nos ajudar a entender porque a mercadoria, em seu valor de uso e de troca, jamais conseguirá cumprir sua promessa básica, a de levar a sério o projeto de liberdade e igualdade da proposta liberal de existência.
Para compreender satisfatoriamente o mundo, e se apossar do processo histórico de sua elucidação, devemos, antes de mais nada, refletir sobre a inquietação do poeta: “a vida podia ser bem melhor e será…”
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.