O país está acompanhando a “corte máxima” do judiciário, que tem como competência precípua a guarda da Constituição Federal, praticar atos execráveis, os quais ofendem os direitos fundamentais. Como guardião-mor dos preceitos constitucionais e direitos primordiais dos cidadãos, o STF não poderia estar determinando prisões temporárias com resquícios claros de uma prisão para averiguação. O encarceramento da ativista Sara Winter ou de qualquer outra pessoa deve obedecer aos parâmetros legais. Trata-se de uma prisão arbitrária, pois não se sabe o que se poderia produzir com este tipo de prisão, considerando que o preso pode alegar que não pretende contribuir com a investigação ou com o inquérito. Ao menos o direito ao silêncio parece ainda vigorar.
Prisão para averiguação foi um instrumento eficaz de realização das práticas ditatoriais. O “suspeito” era abordado e preso pela polícia, sem receber qualquer explicação razoável que justificasse a medida constritiva da liberdade. A autoridade apenas mandava prender sem revelar o motivo da prisão.
A pedido da Procuradoria-Geral da República, foi decretada a prisão baseada na Lei de Segurança Nacional em crime de ameaça e crime contra a honra de ministro do STF, se é que existe este. Posteriormente, foi oferecida denúncia pelos crimes de injúria e ameaça ao ministro Alexandre de Moraes, o mesmo ministro que decretou a prisão da ativista.
A lei que regulamenta a prisão temporária é cristalina, sendo cabível a medida, quando imprescindível, para investigações ou inquérito, desde que existam provas de autoria e participação em um rol restrito de crimes, dentre os quais não estão ameaça ou injúria. Portanto, crimes de menor potencial ofensivo, que de praxe não leva ninguém a cumprir pena privativa de liberdade. Sem que exista processo, iniciou-se o cumprimento de pena em um regime mais severo que o imposto pela legislação, caso culpada. Ficou encarcerada por 10 (dez) dias, sendo que mesmo se for condenada pelos crimes imputados na denúncia, jamais será sentenciada a uma pena que a leve à prisão.
O caso fica ainda mais ilegal quando analisada a legislação processual penal. A legislação dispõe que as causas de impedimento do juiz são objetivas, todas, prontamente identificáveis. Este decorre da relação de interesse do magistrado com o objeto do processo. O artigo 252, IV, do Código de Processo Penal, em sua parte final, é bem claro quando estabelece: “O juiz não poderá exercer sua jurisdição no processo em que for parte ou diretamente interessado no feito”.
Sendo assim, conclui-se que o ministro Alexandre de Moraes não poderia efetuar a prisão e conduzir o inquérito. É a maior aberração jurídica perpetuada após a Constituição Federal de 1988. Uma afronta ao Estado de Direito, pois observadas tantas ilegalidades, fere o sistema acusatório e viola inúmeros direitos fundamentais.
É inaceitável que, diante de tamanha afronta a todo ordenamento jurídico e até mesmo as prerrogativas dos advogados de defesa sendo suprimidas (pois eles não têm acesso aos autos), instituições como a OAB sejam omissas, quando deveriam prezar no mínimo pela segurança jurídica e o respeito aos direitos fundamentais.
O que se vê é um completo constrangimento ilegal, perpetrado por um ministro da Suprema Corte brasileira que retrocedeu a legislação permitindo prisão para averiguação, uma prática considerada inconstitucional.
A falta de uma cultura democrática faz muitos brasileiros normalizarem a recente escalada autoritária do STF em diversos níveis. Não é mais possível tolerar que uma autoridade pública, seja ela um policial militar, um juiz ou um ministro, abuse do poder que detém. Essa sanha autoritária precisa ser contida, ou dias piores ainda virão…
Sérgio Augusto Costa é Advogado, especialista em Direito Penal, Processo Penal e Eleitoral.
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