Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – O TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) considerou inconstitucional a Lei nº 2.531 de 1999 que retirou dos servidores estaduais o direito de receber os pagamentos relativos aos quintos e quinquênios, adicionais por tempo de exercício de cargo ou função de confiança e por tempo de serviço, respectivamente. Com isso, o Estado deverá pagar os valores com efeitos retroativos ao período de 20 anos.
A lei aprovada na gestão do ex-governador Amazonino Mendes foi objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) em 2017, de autoria do ex-secretário de Educação do Amazonas Luiz Castro, que à época era deputado estadual.
De acordo com o processo, relatado pela desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura, Castro argumenta que a Lei n. 2.531/99 ofende os artigos 38, parágrafo único, e 110, parágrafo 2º, incisos I e II, da Constituição Estadual.
“Julga-se procedente o pedido contido nesta Ação Direta de Inconstitucionalidade, declarando-se formal e materialmente inconstitucional a Lei Estadual n. 2.531/99, com efeitos prospectivos, estritamente, em relação à data em que o Estado iniciará o pagamento dos valores devidos, registrando-se que a dívida em si, contudo, contempla todo o período da inconstitucionalidade reconhecida”, diz a desembargadora, que aceita a ADI.
Na decisão, a relatora permite que o Estado faça os pagamentos a partir do 25º mês da conclusão do julgamento.
Ainda cabe recurso, mas o governo do Estado não respondeu se vai recorrer ou recorreu da decisão.
Entendendo
Luiz Castro alega que o artigo 38 da Constituição do Amazonas prevê que alterações no regime dos servidores públicos civis só pode ser feita por lei complementar, e, no caso da lei questionada judicialmente, trata-se de lei ordinária.
A aprovação na ALE (Assembleia Legislativa do Amazonas) de lei complementar depende de maioria absoluta dos votos, ou seja, no mínimo 13 dos 24 deputados.
Na manifestação do presidente da ALE nos autos, Josué Neto (PSD), o processo de elaboração da Lei n. 2.531/99, mesmo sendo lei ordinária, obedeceu o rito de lei complementar, aprovado em dois turnos de votação, por maioria absoluta dos deputados, com nove votos contra e 15 a favor.
A desembargadora Socorro Guedes afirma, porém, que, intimada a apresentar o registro dos votos da aprovação da lei, a ALE trouxe aos autos somente a Ata da 20ª da Sessão Ordinária e a relação dos deputados que integraram sua 14ª legislatura, documentos dos quais a informação requisitada não consta com precisão.
De acordo com magistrada, os documentos não indicam se houve ou não abstenções, uma vez que o autor da ação afirma não ter votado, pois teria se dirigido ao seu gabinete no momento da coleta dos votos.
“Nesse passo, ausente registro preciso – nos moldes exigidos pelo respectivo Regimento Legislativo – do número de votos favoráveis angariados pelo projeto de lei, assoma temerário consentir com a presunção de sua aprovação, razão pela qual, impõe-se o juízo de inconstitucionalidade formal”, diz a relatora.
Josué Neto argumenta que a aprovação de lei ordinária com quantitativo de lei complementar bastaria para satisfazer a exigência constitucional. E rejeita a tese de que normas gerais relativas ao direito do servidor público civil deve se submeter ao caráter de lei complementar.
Sobre isso, Socorro Guedes contesta e diz que o artigo 38 da Constituição, desde a sua promulgação, estabelece que as leis sobre o regime dos servidores públicos estaduais se submeteriam ao tratamento de lei complementar.
A desembargadora diz ainda que é nítido que o Poder Constituinte estadual optou por exigir que a legislação relativa ao regime dos servidores se submetesse ao especial quórum de maioria absoluta para sua aprovação.
Josué diz também que os direitos dos servidores públicos se resumem ao que está previsto no artigo 39, parágrafo 3º, da Constituição Federal, e que por isso os Estados membros não têm autonomia para criar outros e fazer concessões além do estabelecido.
Emenda Constitucional
Outro argumento apresentado por Luiz Castro foi de que a extinção dos adicionais por tempo de serviço e por tempo de exercício de cargo ou função de confiança aos servidores pela lei 2.531 vai contra o previsto no artigo 110, §2º, incisos I e II, da Carta Estadual, que asseguram o direito a receber os valores acrescentados ao salário.
A desembargadora embasa afirmando que, embora o artigo 110 tenha sofrido alterações pela Emenda Constitucional n. 36/99, promulgada em dezembro de 1999, a Lei n. 2.531/99 contrariou direito garantido no art. 110 em sua redação original, já que foi aprovada antes da mudança na Constituição Estadual, e por isso é inconstitucional.
Socorro Guedes diz também que apesar dessa mudança posterior na constituição que excluiu os “quintos” do rol de garantias mínimas, o mesmo não ocorreu com o adicional por tempo de serviço, que, até a presente data, segue no artigo 110, parágrafo 3°, inciso I.
Pagamento
Nos autos, a PGE (Procuradoria Geral do Estado) alega que o pagamento dos quintos aos servidores abrirá um enorme rombo nas contas públicas, uma vez que resultaria na revisão de quase 20 anos de adicionais pelo exercício de cargo ou função de confiança bem como do adicional por tempo de serviço.
Como uma forma de equacionar, de um lado, o impacto financeiro que a total retroatividade teria sobre os cofres públicos e, de outro, a legítima expectativa dos servidores prejudicados por uma lei inconstitucional, foram propostas duas alternativas.
A relatora Socorro Guedes propôs que a retroatividade referente à aquisição dos “quintos” e “quinquênios” fosse limitada aos dez anos anteriores à decisão, permitindo, com isso, a aquisição de dois períodos de adicional por tempo de serviço aos agentes em atividade, bem como que aqueles que estão nos últimos dez anos no exercício ininterrupto de cargo comissionado ou de função de confiança obtivessem os “quintos”.
Entretanto, a inclusão dos valores em contracheque somente ocorreria a partir do 25º mês, considerando como termo inicial da contagem o mês de julho de 2019.
A outra alternativa foi apresentada pelo desembargador Délcio Luís Santos. Ele queria que só fosse reconhecido o direito ao “adicional por tempo de serviço” até 13.12.1999 (data de promulgação da Emenda Constitucional n. 36/99), e que o direito aos “quintos” só retroagisse até a data do ajuizamento da ação (06.11.2017). O momento do pagamento seria como propôs a relatora.
Ao serem apresentadas ao colegiado do tribunal, nenhuma das duas propostas teve maioria exigida por lei para que fossem aprovadas, sendo aprovado apenas o pagamento posterior pelo Estado.