Por Giordanna Neves e Gabriel Hirabahasi, do Estadão Conteúdo
BRASÍLIA – O Senado Federal aprovou nesta quarta-feira (14), em primeiro turno, por 64 votos a favor e nenhum contrário, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de refinanciamento das dívidas dos municípios. O texto, relatado pelo líder do PL, senador Carlos Portinho (RJ), prevê um limite às prefeituras para pagamento de precatórios, ampliação do parcelamento das dívidas previdenciárias e prorrogação da desvinculação de receitas até 2032.
O impacto da PEC aos cofres públicos é de R$ 1,54 bilhão em 2024; R$ 1,73 bilhão em 2025; R$ 1,86 bilhão em 2026; e R$ 1,98 bilhão em 2027. As estimativas, no entanto, mantêm de fora 1.561 municípios que não apresentam dados no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi) do Tesouro Nacional. “Trata-se de estimativa realizada sob premissas conservadoras e mediante hipóteses necessárias à complementação dos dados faltantes de 1.561 Municípios no Siconfi”, diz o relatório.
De acordo com o texto, acordado com o Ministério da Fazenda, o prazo de parcelamento das dívidas dos municípios foi ampliado de 240 para 300 meses, ou seja, de 20 para 25 anos. Em pedido feito pela equipe econômica, o senador determinou que a correção do valor e dos juros aplicados sobre os parcelamentos será feita com base na taxa Selic. “Há, assim, tão somente uma reformulação do fluxo financeiro das dívidas previdenciárias municipais, sem qualquer alteração sobre seu valor presente”, diz o relatório.
O texto eleva o porcentual da desvinculação das receitas dos municípios em 2025, de 30% para 50%, com a justificativa de garantir maior flexibilidade orçamentária. O relatório prevê também a desvinculação integral dos valores recebidos a título de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), exceto se os recursos estiverem destinados a despesas, órgãos ou fundos previdenciários. Caso haja dívidas com o Regime Geral de Previdência Social (RPGS) ou de precatórios, até 40% do valor desvinculado da CFEM deverá ser destinado ao seu pagamento, “observado eventual parcelamento e os limites instituídos pela PEC”.
Outra alteração promovida pelo senador em seu relatório foi em relação ao limite para o pagamento dos precatórios. Na penúltima versão do texto, divulgada em abril, havia dois tetos estipulados. Os municípios que tivessem um estoque de precatórios em mora abaixo de 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) teriam um limite de 2% da RCL para os precatórios. Os que tivessem um estoque entre 15% e 30% da RCL teriam um teto de 4% da RCL.
No relatório divulgado nesta quarta, Portinho criou uma nova “escada”. As prefeituras com estoque abaixo de 2% da RCL terão um limite de 1% da RCL para o pagamento de precatórios. As que tiverem um estoque de 2% a 10% da RCL terão um limite de até 2% da RCL com precatórios. As que possuírem estoque de 10% a 20% da RCL terão um limite de 4% da RCL. Por fim, as que tiverem um estoque de 20% a 30% terão um teto de 6% da RCL com precatórios
O relator também estabeleceu que as prefeituras que não fizerem uma reforma previdenciária em seus regimes próprios até o fim de 2026, passarão a vigorar a partir de 2027 “as mesmas regras do regime próprio de previdência social dos servidores da União”.
Em atendimento ao pedido do Ministério da Fazenda, o relator incluiu ainda a proposta de desvinculação de fundos do Poder Executivo da União para financiamento de projetos relacionados ao enfrentamento, à mitigação e à adaptação à mudança do clima.
Dívidas dos Estados
Mais cedo, o Senado aprovou, por 70 votos a 2, o projeto de lei de renegociação das dívidas dos Estados com a União, em uma vitória do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do relator da proposta, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que pretende voltar à presidência da Casa a partir do ano que vem. Os dois estiveram à frente da negociação que viabilizou a aprovação do texto nesta semana, após acordos com o governo, oposição e governadores de todas as regiões do País. O projeto agora segue para a Câmara dos Deputados.
A proposta tem como principal objetivo permitir que os Estados mais endividados do País renegociem seus débitos de forma sustentável. Como contrapartida para a redução do indexador da dívida, o governo propôs que fossem feitos investimentos em áreas tratadas como fundamentais, prioritariamente o ensino médio técnico. Os Estados também terão de repassar um porcentual do que seria pago como juros da dívida para um fundo de equalização a ser dividido entre todos os Estados, inclusive os menos endividados.
Alcolumbre passou os últimos dias em intensas negociações com governadores e com o Ministério da Fazenda e fez uma série de mudanças em seu texto. A última delas, diretamente no plenário, quando acatou uma emenda apresentada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI) que, na prática, permitirá um aporte maior no fundo de equalização a partir do montante amortizado pelos Estados com ativos estatais.
A emenda de Castro faz com que Estados que não façam nenhum pagamento à vista tenham de investir 2 pontos porcentuais do indexador da dívida em ações no próprio Estado e direcionar outros 2 pontos porcentuais ao fundo de equalização que será distribuído entre todos os entes federativos. Pelo texto anterior de Alcolumbre, esses Estados poderiam gastar 3 pontos porcentuais em suas próprias ações e repassar apenas 1 ponto porcentual ao fundo.
Essa mudança foi feita para evitar que alguns Estados utilizassem a possibilidade de usar quase toda a redução do indexador da dívida em investimentos próprios. Estados menos endividados cobraram a alteração, já que os mais endividados, como São Paulo, por exemplo, poderiam reduzir a taxa de juros e manter o dinheiro no próprio território.
Outra mudança incluída na emenda de Marcelo Castro foi a mudança nos critérios de distribuição. Como o fundo de equalização foi aumentado, o senador propôs que nem toda a divisão siga as regras do Fundo de Participação dos Estados (FPE), que privilegiariam os Estados mais pobres. Em vez disso, a partilha será feita:
– 20% com base no inverso da relação entre Dívida Consolidada e Receita Corrente Líquida, ambos obtidos a partir do Relatório de Gestão Fiscal do fim do exercício anterior;
– 80% com as regras do FPE.
Alcolumbre retirou da versão final do texto, a pedido do governo, um dispositivo que alteraria o conceito de Receita Corrente Líquida (RCL) na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), apurou o Broadcast Político. Essa mudança poderia significar uma redução nos gastos mínimos em saúde e em emendas parlamentares, por exemplo, já que a RCL é usada para calcular quanto a União deve gastar nessas áreas. A mudança teve repercussão negativa, o que levou o Planalto a recuar.
O relator estabeleceu ainda uma “escada” para Estados que aderiram ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) manterem os benefícios ao entrarem no novo Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). O objetivo, segundo Alcolumbre, é “não gerar qualquer peso adicional aos Estados membros” do Regime de Recuperação Fiscal, entre eles Goiás, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.
Essa escada permitirá que os entes federativos paguem um porcentual das parcelas ao longo de cinco anos. No primeiro ano após adesão ao Propag, pagarão 20% do valor da parcela. No segundo, 40%, no terceiro, 60%, e, por fim, no quarto, 80%. A partir do quinto ano, a parcela terá o valor integral. O Rio Grande do Sul obteve, no entanto, 36 meses de suspensão da dívida por causa das enchentes que afetaram o Estado neste ano. Neste caso, o início do pagamento de 20% da parcela começaria a partir deste período.
Outro ajuste feito no texto envolvendo os gastos constitucionalmente exigidos nas áreas de saúde e educação foi para retirá-los do cálculo de limite de despesas dos Estados que aderirem ao Propag. O motivo é que esse teto estabelecido pelo programa de renegociação das dívidas dos Estados cresce a partir do porcentual da variação da receita primária, enquanto os mínimos de saúde e de educação crescem com base na integralidade
A versão final do relatório permitiu que os Estados endividados possam usar os repasses pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, criado com a reforma tributária, para abater os débitos dos entes federados, mudança que causou estranhamento entre integrantes da equipe econômica. Essa possibilidade não constava no texto inicial da proposta, apresentado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A demanda foi apresentada pelo Rio de Janeiro, mas outros Estados, nos bastidores, contestam essa possibilidade. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), aliado do governador Cláudio Castro, apresentou uma emenda nesse sentido. Como o Broadcast mostrou, há uma percepção no Ministério da Fazenda de que esse dispositivo é inconstitucional por não atender às finalidades constitucionais do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. Além disso, a avaliação é de que a operacionalização seria difícil porque não há definição de coeficientes.
Alcolumbre também atendeu a uma demanda de Santa Catarina, apresentada pelo senador Esperidião Amin (PP-SC), para que uma dívida já reconhecida da União com o Estado possa ser usada para abater o débito que Santa Catarinense tem com a União.