
A queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, representou para o Ocidente o triunfo da liberdade sobre a opressão. Ao ser posta abaixo por alemães de ambos os lados, a barreira de 156 quilômetros de extensão erguida em 1961 enterrava o conceito ideológico do Estado controlador do destino de seus habitantes e celebrava o parto de uma sociedade mais comunitária e menos isolada. A unificação alemã, ao mesmo tempo em que derrubava a Cortina de Ferro, erguia a supremacia do capitalismo sobre o socialismo e tornava o sonho do livre mercado como sistema propulsor da prosperidade econômica e bem-estar social uma realidade possível. Mais tarde, a União Europeia tornou real a utopia das nações sem fronteiras e alçou a democracia ao Olimpo dos sistemas políticos no qual os valores civis são o motor que movimenta os indivíduos em direção à sua verdadeira condição humana.
O que deu errado?
Difícil saber. Não há uma causa única. Sendo a humanidade mutável, é natural que no processo de evolução abandone o que é nocivo e preserve o que é saudável, e favorável, à sobrevivência da espécie. O conceito darwinista também é aplicável à democracia. Em constante transformação, o demos (povo) busca os meios vantajosos para exercer seu kratos (poder) de forma representativa. Busca, também, proteger seus direitos humanos fundamentais, entre eles as liberdades de expressão, de religião, a proteção judicial, e as oportunidades de participação na vida política, econômica e cultural. São direitos expressos em uma lei suprema: a Constituição. O contrário também é verdadeiro e a Venezuela está aí como mau exemplo.
Por que, agora, a opção pela volta ao muro de Berlim e ao isolamento?
Não há, novamente, uma resposta única. Mas é inegável que essa não é a solução para os problemas que afligem as nações ocidentais, mas um agravamento de seus conflitos. Diante da maior frustração ocidental – a própria incapacidade de entender a condição humana e integrar pessoas em torno de um valor universal: a felicidade –, a escolha é pelo retorno às barreiras. Físicas e políticas em uma espécie de saudosismo utópico.
Essa alternativa, até agora, tem se mostrado uma busca por repetir erros do passado em vez de evitá-los. É falsa a ideia trumpiniana de que povos confinados em seus limites territoriais, isolados de gente de fora e voltados para seus próprios desejos é um modelo avançado de democracia. Esse é um cenário medieval, em que fortalezas com muralhas que tocavam as nuvens ‘diferenciavam’ os civilizados dos bárbaros. Até a Igreja instalou sua barreira entre os mortais e Deus, colocando-se como único meio para chegar ao Éden. Com a inquisição, os sacerdotes trataram de aniquilar os que tinham outros conceitos de fé. Todas ruíram.
O que o Ocidente vive, no momento, são três movimentos que convergem entre si: um inconformismo com a representatividade política, cada vez mais distanciada das necessidades e anseios dos cidadãos – qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência; uma globalização concentradora de riquezas e mais autônoma nos meios de produção – nos Estados Unidos o maior número de trabalhadores desempregados se deve à automação das linhas de produção e não aos investimentos das empresas americanas em outros países –; e uma onda populista de líderes que se apresentam como os oráculos da verdade e das soluções mágicas. Estes encontram nas duas situações anteriores o ambiente fértil para o saudosismo.
A crise global é a prova de que capitalismo e democracia não são mecanismos de mercado e sistema político perfeitos e acabados. Atualmente, passam por uma transformação notável. E ao contrário do que prega o trumpinismo, o momento não é de erguer muros, mas de avaliar os erros e falhas e corrigi-los para aperfeiçoar o que dá certo. Na economia global, essa não é tarefa para um país só, isoladamente. Exige uma união de esforços em busca de um entendimento comum.
Com exceção da chanceler alemã Angela Merkel, e do ex-presidente dos EUA Barack Obama, nenhum outro líder nacional está disposto a negociar vantagens mútuas. Temos aí uma contradição global: a negociação deixou de ser a regra do livre mercado, agora sob a ameaça da imposição. Do extremismo nacionalista de Donald Trump à geopolítica imperialista de Vladmir Putin, o mundo entra em uma nova guerra fria. No meio, a China comunista quer ser reconhecida como economia de mercado – sem a qual não se viabiliza como nação – e o Reino Unido quer ser a exceção, o único com muros, na Europa integrada.
Isso tudo se agravou com a crise dos imigrantes que buscam encontrar nos países ‘livres’ chances de viver que lhes são, agora, negadas. É uma tremenda enrrascada e as ideias para sair dela são, até agora, desastradas. A única certeza é que o Ocidente vive o dilema da liberdade sem saber se defende e preserva seus princípios democráticos ou abre mão deles pelo retorno ao autoritarismo.
Não há como saber, obviamente, o desfecho desse impasse global. A História registra, porém, que muros serviram tão somente para impedir entradas e dificultar saídas. Funciona por um algum tempo até que os efeitos da angústia pelo isolamento comecem a se manifestar. Aí, o conceito de nação circunscrita em si mesmo será apenas uma tentativa de lavagem cerebral coletiva e mais um tijolo no muro prestes a cair.
Cleber Oliveira é jornalista, graduado pela Faculdade de Comunicação e Turismo Hélio Alonso (RJ). Foi repórter e editor na Rádio Federal (RJ), jornal A Notícia (Manaus), Folha Popular (Manaus), e repórter, editor e editor-executivo da TV Cultura Amazonas (Funtec) e dos jornais Amazonas em Tempo e Diário do Amazonas, ambos em Manaus. Também foi articulista no Diário do Amazonas e atualmente é editor no site AMAZONAS ATUAL.
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