A redução da maioridade penal é apenas uma das medidas que vem sendo defendida e aprovada por parlamentares do Congresso Nacional nos últimos anos. Os homens da lei no Brasil passaram a usar como regra o aumento das penas para criminosos como solução para o combate ao crime. Trata-se de um movimento que segue na contramão da realidade e nenhuma das medidas adotadas nesse sentido tem se mostrado eficaz.
A pena de prisão, como já foi dito no último escrito, definitivamente não resolve o problema da violência. Ao contrário, tem contribuído para aumentá-la. As autoridades estão muito interessadas e mandar indivíduos para a cadeia, sem se preocupar com as condições desses espaços, que se tornaram um ambiente de aprendizado de praticas delituosas ou escola do crime. Por outro lado, pouco se discute sobre os custos para se manter uma legião cada vez mais crescente de pessoas encarceradas.
Em todo o mundo usa-se a prisão como forma de punição pela prática de crime. Mas será que todo crime merece ser punido com a perda da liberdade? Evidente que não! Recentemente a sociedade brasileira aplaudiu a prisão de mais de uma dezena de políticos e empresários, condenados na Ação Penal 470, conhecida como o Processo do Mensalão. Foram parar na cadeia, em celas especiais com direito a regalias que os presos comuns não têm. Praticamente todos já estão soltos. A pergunta que se faz é: qual o efeito da prisão além da desmoralização pública? Não teria sido mais pedagógico obrigar os condenados a devolver o dinheiro público desviado, mesmo que para isso fosse necessário confiscar e retirar os bens dessas pessoas?
A maioria dos que entopem as cadeias brasileiras é formada por jovens pesos por tráfico de drogas. No entanto, esses jovens que vão para a cadeia são simples vendedores. Os grandes traficantes estão soltos, recrutando e inserido no crime novos jovens, adolescentes e até crianças. Desarticular o poder do tráfico não seria mais eficiente do que prender os vendedores de drogas no varejo? A Justiça da Itália combateu a máfia italiana nas duas décadas passadas principalmente retirando o poder econômico de seus chefes. Sem dinheiro e sem bens, nenhuma organização criminosa sobrevive.
Outro caso concreto: no ano passado, uma torcedora do time do Grêmio foi flagrada por câmeras de uma emissora de TV gritando “macaco” ao goleiro Aranha, do Santos. Um caso de racismo, cuja pena no Código Penal brasileiro e na Lei 7.716/89 (Lei Anti-Racismo) é prisão de 1 a 3 anos e multa. Ela não chegou a ser presa, mas a exposição do caso foi suficiente para a mulher perder o emprego e deixar a casa onde morava. O caso foi encerrado com um acordo condicional em que ela ficou obrigada, durante dez meses, a comparecer a uma delegacia uma hora antes de qualquer partida disputada pelo Grêmio. A prisão, neste caso, dificilmente teria efeito pedagógico melhor do que a suspensão condicional do processo.
A pena de prisão deveria ser usada em casos muito extremos. Naqueles em que o criminoso realmente representa uma ameaça à vida de outras pessoas se estiver fora da cadeia. E por que deve-se poupar grande parte dos autores de delitos da cadeia? Porque a prisão brutaliza o indivíduo e não educa. Não faz sentido privar alguém de liberdade e trancafiá-lo em uma cela sem cobrar-lhe medidas que realmente contribua para minimizar o sofrimento das pessoas por ele atingidas. Seria mais construtivo jogar na cadeia um homem que matou um cidadão pai de família que provia o sustento dos filhos e da mulher ou obrigá-lo a trabalhar para prover aquela família que ficou desassistida?
Outra questão mais profunda e mais difícil de ser aceitar como argumento contra a prisão é a liberdade como direito fundamental, como está previsto nos três primeiros artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No artigo 1° está escrito: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Por convenções sociais, essa liberdade passou a ser condicionada e regulada pelo Estado e sua privação passou a ser adotada como medida para quem quebra as regras estabelecidas. No entanto, essa privação em nada contribuiu para mudar outro aspecto da natureza humana: a violência.
O princípio da liberdade, por si, já deveria nos levar a uma reflexão sobre a banalização da prisão no Brasil e no mundo. Em que pese os movimentos em favor de penas alternativas para crimes mais leves, existe um clamor social pelo aumento das penas e dos motivos para privação de liberdade. Nesse ambiente, uma discussão mais aprofundada sobre o fim das prisões como medida punitiva parece impensável.
Não parece um caminho sensato aumentar ainda mais o número de presídios e o número de presos. No Brasil não se consegue sequer manter a privação de liberdade, uma vez que se facilita a entrada nos presídios de drogas, armas, aparelhos de comunicação entre outros; a prisão se tornou um ambiente corrupto; empresas privadas e governos, em conluio, sangram o dinheiro público e não prestam o serviço adequadamente. Os presídios viraram um negócio lucrativo para uns poucos, e o crime organizado dita as regras dentro das cadeias e fora dela. Mas não estariam aí os motivos pelos quais a prisão deveria ser revista. Uma discussão mais filosófica se faz necessária, o que poderá ser feito em outro momento.
Também não nos parece possível manter estruturas gigantescas para acomodar presos como vem sendo feito ao longo dos anos no Brasil; os presídios, para os casos extremos, poderiam ser menores, mais seguros e mais baratos para a sociedade; e os presos nos casos necessários, deveriam trabalhar para pagar a acomodação, alimentação, vestimenta e toda a estrutura necessária para uma passagem digna pelo presídio, se é que isso é possível.
Medias desse tipo reduziria em pelo menos dois terços o número de presos no Brasil.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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