Recebi nesta 2ª feira a notícia do falecimento do Padre Humberto Guidotti, ocorrido na cidade de Pistóia, Itália. Motivo de muita tristeza, mas também de lembranças das lutas dele, durante mais de 30 anos, em prol dos direitos humanos na Amazônia.
Pe. Humberto veio da Itália e chegou em Manaus em 1974, ficando até final de 2003, quando se mudou para o Maranhão. Foram 38 anos de atuação na Amazônia e, sempre, nas lutas pelos direitos da população mais necessitada.
O Padre Humberto, junto com as irmãs da Congregação de Nossa Senhora – Cônegas de Santo Agostinho, tinham o mesmo compromisso com a Teologia da Libertação, a opção preferencial pelos pobres, reuniam grupos de jovens da Igreja e ensinavam a fazer a leitura da conjuntura política brasileira, ligando a fé à política. No Cacau Pirera, em Iranduba e em Paricatuba, onde atendia os hansenianos, na década de 1980, atuava na formação de jovens com vistas a um engajamento social.
No Cenesc (Centro de Estudos do Comportamento Humano), da Arquidiocese de Manaus, Pe. Humberto preparou agentes de pastoral e ministrou o curso sobre a Realidade Amazônica. Atuou na defesa das vítimas da hanseníase, contribuindo na fundação do Movimento de Reabilitação dos Hansenianos (Morhan). Esteve à frente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), organizando trabalhadores rurais e ribeirinhos e na luta em defesa e promoção de seus direitos, bem como no apoio nas grandes ocupações de terras que geraram os bairros do Mauazinho, Bairro da Paz, Zumbi e muitos outros.
De 1990 a 1998, foi o coordenador do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da CNBB, Regional Norte I. Neste período, nasceram fóruns, eventos, movimentos e mobilizações em prol dos Direitos Humanos, com a organização do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, da campanha Fora Collor, Semanas dos Direitos Humanos e debates sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Pe. Humberto foi um dos organizadores do Grito dos Excluídos e das Excluídas na década de 1990, evento que ocorre todo dia 7 de Setembro, bem como esteve na linha de frente dos debates dos temas abordados pelas Campanhas da Fraternidade.
Na linha política, Pe. Humberto foi um dos fundadores do Movimento pela Ética na Política e na Ação da Cidadania contra a Fome a Miséria e pela Vida, o Movimento do Betinho.
A jornalista Lúcia Carla Gama, em matéria no Jornal Acrítica, de 15/02/2004, com o título ‘O profeta prega em outro lugar”, quando Pe Humberto estava se mudando para o Maranhão, diz: “Ele foi chamado de padre vermelho, padre avulso, subversivo, criador de caso, num sinal claro de que incomodou quem estava quieto e aquietou, de algum modo, quem estava aflito. Desta forma, … cumpriu o papel que cabe aos profetas … cumpriu o papel de semeador e mobilizador, levando onde pôde a palavra de Deus e a necessidade de formar um povo capaz de refletir e decidir, de forma consciente, que tipo de destino quer. Para isso, organizou seminários, encontros, proferiu palestras e fez do altar, das ruas e praças – durante mobilizações populares – os lugares de onde vinham lições de ética e cidadania, na defesa absoluta da dignidade da vida humana… na luta por um mundo melhor, em que os direitos sejam assegurados e o ser humano respeitado. Por diversas vezes, as palavras ditas não foram compreendidas, mas Padre Guidotti não se intimidou e seguiu. Afinal, se havia quem o censurasse, havia também quem se alimentasse de seus ensinamentos”.
E desta forma, muitos se alimentaram de seus ensinamentos. Tive a oportunidade de participar dessa caminhada, desde quando o Pe. Humberto organizou o primeiro curso de Formação Sócio-Política da Arquidiocese de Manaus, em 1991, e desde então, o acompanhei até sua partida de Manaus. Ele foi um dos grandes incentivadores para a minha participação política e engajamento partidário.
Com sua morte, muitas pessoas se manifestaram. Luzarina Varela, liderança operária, diz: “Guidotti foi um grande amigo, um padre atuante, um batalhador das causas sociais”. O professor Elias, de Maués, diz que Padre Humberto foi “um dos profetas da justiça do nosso tempo. Esteve entre nós, enfrentou a cultura da morte, sendo um árduo defensor dos direitos humanos. Não se curvou diante dos exploradores”.
Para o professor Miguel Oliveira, filiado ao PT, “o Padre Humberto Guidotti foi, no período sombrio da ditadura, um defensor das causas civis, da liberdade em defesa dos pobres e desvalidos. Professor e humanista, em muito contribuiu na Igreja e no Cenesc, onde trabalhamos juntos, e de onde saíram muitos dos atuais líderes de movimentos sociais, sindicais e políticos. Pessoas como Guidotti não morrem. Continuam entre nós”. E o jovem enfermeiro Elton Aleme diz que “hoje perdemos um lutador pela justiça, um cristão com características únicas, dono de uma fé que transbordava a todos. A luta por direitos humanos poderia ser incorporada ao seu sobrenome”.
Padre Humberto foi um verdadeiro profeta dos Direitos Humanos dos tempos atuais.
Padre Humberto Guidotti presente, hoje e sempre.
José Ricardo Wendling é formado em Economia e em Direito. Pós-graduado em Gerência Financeira Empresarial e em Metodologia de Ensino Superior. Atuou como consultor econômico e professor universitário. Foi vereador de Manaus (2005 a 2010), deputado estadual (2011 a 2018) e deputado federal (2019 a 2022). Atualmente está concluindo mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas, pela escola Latina-Americana de Ciências Sociais.
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