Do ATUAL
MANAUS – O MPF (Ministério Público Federal) defendeu, em nota divulgada nesta terça-feira (5), as oitivas, reuniões e petições feitas no processo judicial que questiona irregularidades no processo de licenciamento ambiental do Projeto Potássio Autazes, no Amazonas. O órgão sustenta que todos os procedimentos “se deram em estrita observância da legalidade”.
A manifestação ocorre após o ATUAL publicar, no domingo (3), reportagem intitulada “Potássio ‘na marra’ no AM envolve ‘atropelo’ da lei e assédio a indígenas“.
Conforme a reportagem, a empresa Potássio do Brasil, que briga na Justiça para viabilizar o projeto, afirmou que já ouviu os indígenas Mura, que 90% do povo aprovou o projeto e que “qualquer exigência fora das regras estabelecidas é descabida chicana [abuso dos recursos, expedientes e formalidades da justiça] para alterar o resultado e interferir, de forma indevida, na vontade dos indígenas”.
Sem citar o MPF ou a Justiça Federal no Amazonas, a empresa também disse que “os ataques ao processo de escolha dos indígenas não passam de mais uma manobra para produzir um escândalo artificial contra a extração de potássio em Autazes”.
Na nota divulgada nesta terça-feira, o MPF relembrou as razões que levaram a Justiça a suspender as licenças e informou que a Potássio do Brasil recebe investimentos de grupos empresariais de Manaus, como a família Benchimol (dona da rede varejista Bemol) e Grupo Simões (atua no segmento de bebidas, como refrigerante Coca-Cola).
O Ministério Público comunicou que acompanha o caso desde que recebeu informações de que a empresa “começou a realizar estudos e procedimentos na região sem qualquer consulta às comunidades”. “O órgão busca garantir o reconhecimento formal do território habitado tradicionalmente há cerca de 200 anos pelos indígenas”, afirmou o órgão.
O MPF diz, ainda, que antes de ajuizar uma ação civil pública, em julho de 2016, o órgão expediu recomendação ao Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), para que cancelasse a licença já expedida, e à empresa Potássio do Brasil, para que suspendesse as atividades de pesquisa na região até a realização das consultas nos moldes previstos na legislação.
“Nenhum dos pedidos foi atendido, levando o MPF a acionar a Justiça, para tentar garantir o respeito aos direitos dos povos indígenas”, disse o MPF.
Após inspeção judicial em 2022 e elaboração de parecer antropológico pelo MPF, com fortes elementos sobre a sobreposição do empreendimento de mineração sobre o território indígena, o órgão ajuizou ação para demarcação do território indígena Soares/Urucurituba, que já conta atualmente com portaria constituindo grupo técnico da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) para os estudos de demarcação.
Ao ser questionada pela reportagem sobre o motivo da nota, o MPF comunicou que “a divulgação do posicionamento do MPF no caso visa esclarecer o atual status jurídico do processo e a fundamentação legal da atuação do órgão diante da disseminação de informações desencontradas que contribuem para confundir e gerar insegurança, especialmente para as comunidades afetadas pelo empreendimento”.
Em nota, a Coca-Cola Brasil esclarece que o Grupo Simões não faz parte do seu Sistema de fabricantes, bem como reforça que seu parceiro no Norte do país, incluindo a região do Amazonas, é a Solar Coca-Cola. A companhia ressalta que não há qualquer relação entre seu negócio e o setor de extração de potássio.
Leia a nota do MPF:
Em relação à atuação do MPF em defesa dos direitos indígenas e da integridade do território indígena Mura, cumpre esclarecer os seguintes pontos:
- É papel do MPF atuar pela proteção da população indígena e das comunidades tradicionais, tendo a instituição uma câmara específica (6ª Câmara de Coordenação e Revisão) que exerce o papel de coordenar, integrar e revisar as ações institucionais de seus membros nessa área de atuação.
- O artigo 6º da Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais (tradicionais) prevê que os governos devem consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente.
- Em setembro, a Justiça Federal do Amazonas acatou pedido do MPF e determinou a suspensão da licença concedida pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas à empresa Potássio do Brasil para exploração mineral no território indígena Mura, em Autazes (a 113 quilômetros de Manaus). A decisão, posteriormente suspensa pela presidência do TRF1 e objeto de recurso do MPF, destacou que a atividade não pode ser realizada sem autorização do Congresso Nacional e posterior consulta aos povos indígenas afetados;
- Em 16 de novembro, uma nova decisão atendeu a pedido emergencial do MPF, da Organização de lideranças indígenas Mura de Careiro da Várzea (OLIMCV) e da comunidade indígena do Lago do Soares e suspendeu imediatamente o procedimento de licenciamento ambiental, a consulta realizada de forma irregular e qualquer avanço nos trâmites para a implantação do empreendimento da empresa Potássio do Brasil em Autazes.
- A decisão tem como base o agravamento das irregularidades, a partir de uma série de violações, falsas promessas, ameaças e cooptações dos povos indígenas, inclusive de lideranças Mura, e de servidores/gestores públicos por prepostos e pelo próprio presidente da empresa Potássio do Brasil.
- A empresa de mineração Potássio do Brasil também foi multada em R$ 1 milhão pelo descumprimento dos deveres assumidos durante as audiências de conciliação, em especial, por realizar pressão indevida sobre o povo Mura. A Justiça Federal ainda determinou a imediata suspensão de qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação contra os indígenas Mura, praticados pela Potássio do Brasil, sob pena de multa de R$ 100 mil por dia de descumprimento.
- Segundo o MPF, diversos relatos de áudio, vídeo, ligações telefônicas, oitivas presenciais e videoconferência, documentos e outros meios demonstram um cenário caótico estabelecido entre o povo Mura e lideranças indígenas nas aldeias a partir de cooptações, promessas, pressões e ameaças estimuladas ou perpetradas diretamente pela empresa Potássio do Brasil e seus prepostos.