Por Rosiene Carvalho, especial para o AMAZONAS ATUAL
MANAUS – O governador José Melo (Pros) entrou com um mandado de segurança, no final da tarde desta terça-feira, 19, para evitar que a Aije (ação investigação judicial eleitoral) n° 224491, com novo pedido de cassação do mandato dele, seja julgada nesta quarta-feira, 20.
José Melo alega mais uma vez cerceamento de defesa no TRE. O julgamento foi marcado na segunda-feira passada, uma semana após o TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) negar a recondução do relator do processo ao TRE, o desembargador João Mauro Bessa. O magistrado só tem mais 15 dias para atuar no tribunal eleitoral.
A agilidade para levar o caso a julgamento nesta quarta-feira foi tanta que o tribunal não publicou pauta para a leitura do relatório da Aije e para o julgamento da mesma, o MPE (Ministério Público Eleitoral) abriu mão do prazo de 48 horas para o parecer e o entregou em cerca de 24 horas, exatamente às 18h38 desta terça. Cerca de uma hora depois, às 19h44, após o encerramento do expediente, os autos foram encaminhados ao relator Mauro Bessa.
Já o mandado de segurança, protocolizado, segundo o site do TRE-AM, às 17h53, passou pelo Gabinete da Presidência e foi encaminhado à Seção Judiciária, mas não recebeu relator. A última movimentação no mandado de segurança foi registrada às 18h48. O mandado de segurança é um instrumento jurídico que, assim como o habeas corpus, deveria ter prioridade de tramitação nos tribunais em relação aos demais atos e processos.
Desvio
Se conseguir adiar o processo, Melo evitará ser julgado pela mesma formação que cassou o mandato dele em janeiro. Isso porque nesta quarta-feira é a última sessão que reunirá esta mesma constituição de julgadores. O juiz Dídimo Santana encerra o mandato no TRE nesta sexta-feira, 22. O relator da Aije, o desembargador Mauro Bessa, só poderá participar de sessões no tribunal até dia 7 de maio.
Ambos estavam aptos a ficar mais dois anos no pleno do eleitoral, mas foram preteridos no TJAM. A tradição do judiciário do Amazonas previa a recondução dos magistrados ao eleitoral. Além disso, ainda pela tradição, Bessa deveria ser o novo presidente do TRE. No entanto, o TJAM decidiu quebrar a tradição e renovar a formação que deverá julgar, entre vários processos eleitorais, cerca de 22 ações que pedem a cassação de José Melo.
As decisões do TJAM mudaram diretamente em quase 50% a formação do tribunal que condenou, pela primeira vez na história do Amazonas, um governador à cassação por desvio do dinheiro público para compra de votos.
Outras mudanças ocorrem ainda este mês. A presidente do TRE, Socorro Guedes, também terá que deixar o eleitoral, no dia 8 de maio. A juíza federal Marília Gurgel encerra o mandato temporário no tribunal dia 24 de abril. De acordo com o site do TRE-AM, em abril não será mais realizada sessões de julgamento. Apenas uma administrativa no dia 25.
Quebra do rito e cerceamento de defesa
Desta vez, os advogados do governador indicam que o rito que envolve o julgamento da Aije, previsto na Lei n° 64 de 1990, na jurisprudência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e no próprio regimento interno do TRE, foi desrespeitado pelo corregedor e desembargador Mauro Bessa.
Além disso, o mandado de segurança indica que a nulidade do caso também será imposta pelo fato do desembargador ter antecipado o voto no site do TRE, nesta segunda-feira, 18. A defesa estranha que “nem mesmo o parecer ministerial foi aguardado para emissão do voto do relator”. “No site do TRE, o voto é explícito. Independente do nome que se queira dar ao ato, o voto foi proferido e antecipado. É evidente que não poderia ter ocorrido a antecipação do voto, sob pena de se malferir de maneira severa o contraditório e a ampla defesa. Com todo o devido respeito, a postura revela verdadeiro desprezo ao contraditório, tendo em vista que nem mesmo o parecer ministerial foi aguardado para que se disponibilizasse o voto”, argumenta o advogado de Jose Melo, Yuri Dantas Barroso.
As ações de investigação judicial eleitoral seguem rito previsto no Artigo 22 da Lei n° 64, de 1990. Há prazos específicos para serem apresentadas e a forma de tramitação tem peculiaridades. Antes de ser levada a julgamento, é necessário que o corregedor-relator leia o relatório da investigação numa sessão e marque o julgamento para outra sessão.
O inciso 12 e 13 do Artigo 22 da Lei n° 64 determina que o caso tenha agilidade e seja posto em pauta de julgamento. O texto também indica prazos: “o relatório do corregedor, que será assentado em 3 (três) dias, e os autos da representação serão encaminhados ao Tribunal competente, no dia imediato, com pedido de inclusão incontinenti (imediata) do feito em pauta, para julgamento na primeira sessão subsequente”. O Inciso 13 dá prazos ao Ministério Público: “no Tribunal, o Procurador-Geral ou Regional Eleitoral terá vista dos autos por 48 (quarenta e oito) horas, para se pronunciar sobre as imputações e conclusões do Relatório”.
Para a defesa, os ritos foram desrespeitados quando, na sessão da segunda-feira, o corregedor passou na bancada o relatório dele ao Ministério Público Eleitoral, dando prazo de 48 horas para o parecer retornar ao tribunal. O procurador Leonardo Galliano afirmou que precisaria de menos. E nesta terça-feira trabalhou à tarde toda para entregar o parecer ao TRE. Na ocasião, o pleno julgou e negou um agravo regimental (um recurso jurídico) que contestava provas na Aije.
“Houve ciência do julgamento, antes mesmo de se saber o teor do relatório”, reclamou o advogado Yuri Dantas. Ele alegou que os advogados não puderam ter acesso aos autos e sequer terão acesso ao parecer do MPE com o tempo mínimo para se prepararem para a sustentação oral do cliente.
O advogado destacou que a única opção dada a eles para acesso aos autos foi no “sofrível” site do TRE, que apresenta frequentes problemas. No entanto, indica que na tramitação do processo conseguiram visualizar o relatório e foram surpreendidos com a antecipação do voto do relator. “Seguindo-se o procedimento legal à luz das normas constitucionais que foram solenemente ignoradas pela autoridade coatora, deveria haver a publicação da pauta, o respeito do prazo de cinco dias úteis e, aí sim, o início do julgamento”, sustenta Yuri Dantas.
“Para o agravo regimental que, em tese é uma questão menos complexa, foi publicada pauta. Na ocasião, o relator queria julgar logo e foi levada uma questão de ordem da defesa, acolhida pelo pleno, que o prazo de cinco dias previsto no Código do Processo Civil devia ser obedecido. E se aguardou o prazo para o agravo regimental. E no mérito de uma questão complexa mais importante ainda é o prazo para que o advogado possa se preparar para a defesa”, afirmou a advogada do vice-governador Henrique Oliveira, Maria Benigno.
O advogado de Eduardo Braga, Daniel Nogueira, afirma que o Artigo 22 da Lei n° 64 não determina publicação da pauta e sim inclusão. “E isso ocorreu durante a sessão da segunda-feira. Os advogados estavam presentes e tomaram conhecimento”, declarou.
Daniel Nogueira afirmou, em relação ao relatório do corregedor expondo o voto, que Bessa já havia adotado a mesma postura em uma outra Aije que foi julgada e considerada improcedente. “É até melhor para o advogado poder sustentar já sabendo o voto porque ataca o ponto certo”, afirmou.
Yuri Dantas sustenta que o Supremo Tribunal Federal considera a antecipação do voto inconstitucional por cercear a defesa.
A denúncia
A Aije apresentada pela coligação do candidato derrotado nas urnas Eduardo Braga (PMDB), em 2014, traz oito fatos como denúncia de irregularidade que, para ele, influenciaram no resultado do pleito. Apenas duas foram consideradas irregulares com base na legislação eleitoral, segundo o relatório do desembargador Mauro Bessa. Uma delas é exatamente o mesmo caso que já levou o TRE a cassar o mandato do governador, em janeiro. A outra indica abuso do poder econômico na publicação de duas dezenas de leis para aumento de salários de várias categorias de servidores públicos em pleno ano eleitoral.
Na tramitação do processo no site do TRE, não foi disponibilizado o teor do parecer do MPE. A reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação do órgão ministerial por volta de 20h, que informou não ter acesso aos pareceres foram do horário de expediente.
Melo também alegou cerceamento de defesa nos embargos e ao TSE após ser cassado.