Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – Considerada como uma das maiores operações de combate a corrupção do Brasil, a “Maus Caminhos”, que investigou desvios de R$ 104 milhões da Saúde do Amazonas ocorridos entre 2014 e 2016, será retomada pela Justiça Federal neste ano, mas apenas com os “peixes pequenos” que sobraram da leva de ações enviadas para a Justiça estadual em 2021.
Na última sexta-feira (23), a juíza federal Ana Paula Serizawa, que cuida do caso, agendou para junho e julho deste ano os interrogatórios e julgamentos de seis implicados nas investigações, incluindo o empresário e médico Mouhamad Moustafá, apontado pelo MPF (Ministério Público Federal) como chefe do esquema criminoso.
Em 2020, o TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília, decidiu enviar para a Justiça estadual uma denúncia contra o ex-governador José Melo e ex-secretários estaduais por organização criminosa. Um colegiado formado por três desembargadores entendeu que o dinheiro desviado era de origem estadual, e não federal.
Com a decisão, outros implicados que tiveram ou que têm grande influência na política do Amazonas também pediram para que fossem investigados e julgados pelos juízes estaduais e foram atendidos pelo TRF1. Na esfera estadual, diferente de como ocorre na Justiça Federal, esses processos tramitam em segredo de justiça. Não se sabe o motivo.
Investigados considerados “peixes pequenos” pediram à juíza para que seus casos fossem encaminhados para a Justiça estadual, mas a magistrada rejeitou. Ela alegou que a decisão do TRF1 alcançou apenas alguns réus e que o processo deveria prosseguir, pois estava sendo cobrada pela corregedoria para dar andamento célere aos processos.
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Interrogatórios
Neste ano, a Justiça Federal interrogará Mouhamad, Alessandro Viriato Pacheco, Jonathan Queiroz da Silva, Marco Antônio de Jesus Barbosa, Priscila Coutinho e Jennifer Naiyara da Silva. Eles são acusados de desviar R$ 2,3 milhões do Governo do Amazonas através da empresa J Queiroz Silva, e R$ 256 mil através da empresa M A de Jesus Barbosa (Moema Comunicação).
As empresas eram contratadas pelo INC (Instituto Novos Caminhos), cujo dono, segundo o MPF, era Mouhamad. Essa entidade, teoricamente sem fins lucrativos, foi contratada pela Secretaria de Saúde do Amazonas para gerenciar a UPA Campos Salles, a UPA Tabatinga e o CRDQ (Centro de Reabilitação em Dependência Química) e recebeu R$ 250 milhões.
O MPF afirma que a J Queiroz Silva recebeu o valor milionário por “serviços simulados”. Ela foi contratada por R$ 2,8 milhões para instalar circuito fechado de TV e para fazer manutenção de um lago e três tanques berçários, mas apenas instalou o circuito (R$ 350 mil) e construiu o lago (R$ 157 mil), gerando prejuízo de R$ 2,3 milhões aos cofres públicos.
Na denúncia, o procurador da República Alexandre Jabur, que atuou nas investigações do caso, considerou depoimento de Alexandre Viriato Pacheco à CGU (Controladoria-Geral da União). Segundo a instituição, o empresário declarou que recebia apenas 30% do dinheiro registrado nas notas fiscais, e a maior parte (70%) voltava para Mouhamad.
No segundo caso, o MPF relata que a empresa Moema Comunicação, que também era controlada por Alexandre Viriato Pacheco, foi contratada por R$ 256 mil para promover a festa de aniversário de um ano do CRDQ, no dia 7 de abril de 2015. O evento, conforme a denúncia, além de não ter finalidade pública, tinha valor superfaturado.
“Apenas em razão da ausência de finalidade pública, já está caracterizado o crime de peculato-desvio e o dano ao erário no montante original de R$ 256.850,40. A despeito disso, não se pode olvidar a existência de superfaturamento na nota fiscal, seguindo o rito explicado por Alexandre V. Pacheco [divisão de 70% para Mouhamad e 30% para a empresa]”, diz trecho da denúncia.