Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – Os alvos da Operação Cachoeira Limpa, que investiga fraudes na Prefeitura de Presidente Figueiredo (a 117 quilômetros de Manaus), chegaram a mudar o modo de atuação após o vazamento de uma decisão que autorizou a quebra do sigilo telefônico deles em maio de 2019, disse o promotor de Justiça Luiz Vasconcelos.
Para tentar ‘driblar’ as investigações, conforme Vasconcelos, os suspeitos compraram outras empresas, colocaram interpostas pessoas (laranjas) no quadro societário delas e as usaram para manter a movimentação de dinheiro público desviado do município.
“Houve, infelizmente, um vazamento de uma interceptação telefônica requerida pelo Gaeco. Eles tentaram mudar esse modus operandi comprando empresas, colocando pessoas ‘laranjas’ para atuar, mas tinham o mesmo controle. Mudaram, inclusive, o nome de algumas empresas para tentar desviar o foco da investigação”, afirmou Vasconcelos.
A operação, coordenada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado), investiga fraude em licitação e crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa na gestão do ex-prefeito Romeiro Mendonça (2017 a 2020). As investigações apontam que o esquema gerou prejuízo estimado em R$ 23 milhões.
Figuram entre os alvos da operação o deputado estadual Saullo Velame Vianna, o ex-prefeito Romeiro, o ex-vice-prefeito municipal – Mário Jorge Bulbol Abrahão; o então secretário municipal de Finança de Presidente Figueiredo – Jander de Melo Lobato; e o então presidente da Comissão Permanente de Licitação – Jender de Melo Lobato.
De acordo com o MP, também há empresários envolvidos que, conforme apuração do Gaeco, combinavam frustrar ou fraudar o caráter competitivo de vários procedimentos licitatórios da prefeitura com o intuito de enriquecimento ilícito.
Manobra
Após o vazamento de informações, o Gaeco descobriu que o grupo passou a usar uma drogaria em Parintins (a 369 quilômetros de Manaus) para lavar dinheiro. Segundo o promotor, os investigadores consideraram suspeita a movimentação de valores entre a prefeitura, a drogaria, os sócios de outras empresas e o próprio deputado estadual.
“Eles passaram a lavar dinheiro por essa drogaria. Essa empresa recebia valores de contratos que tinha com Presidente Figueiredo e no mesmo dia emitia cheques para servidores da prefeitura ou para sócios de outras empresas, e para o próprio deputado estadual”, afirmou Vasconcelos.
De acordo com o MP, o esquema tinha a participação de empresas que “eram manipuladas pelo mesmo grupo”. “Eram as mesmas pessoas que controlavam as mesmas empresas que participavam do mesmo procedimento licitatório. Essas empresas passaram a ganhar tudo em Presidente Figueiredo”, completou.
‘Vazamento’
O vazamento da decisão assinada pela desembargadora Nélia Caminha que autorizou a quebra do sigilo telefônico de investigados foi noticiado pelo ATUAL em maio de 2019. À época, o TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) abriu investigação para identificar os responsáveis pelo vazamento das informações sigilosas.
Na ocasião, os investigadores já haviam conseguido a quebra dos sigilos fiscal e bancário e tinham colhido informações que apontavam para a existência da prática de crimes de corrupção passiva, corrupção ativa, peculato, fraude em licitação, organização criminosa e lavagem de dinheiro na Prefeitura de Presidente Figueiredo.
O Relatório Técnico n° 03/2019 do LAB-LD (Laboratório de Tecnologia Contra a Lavagem de Dinheiro), da Receita Federal, com base em informações do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), indicava indícios de um “intricado esquema de lavagem” de dinheiro envolvendo a empresa RAV Construções.
Essa empresa, segundo o MP, pertence a Saullo Vianna. Em novembro de 2020, na Operação Ponto de Parada, a Polícia Federal confirmou que, apesar de a empresa estar registrada na Receita Federal no nome de Rosedilse de Souza, que foi presa naquela operação e alvo de busca nesta segunda-feira, 15, a companhia pertence a Vianna.
- Leia também: PF cita depósito de R$ 10 mil, ‘testa de ferro’ e sócio oculto em operação contra deputado
Em maio de 2019, o MP já afirmava que o esquema investigado na ‘Cachoeira Limpa’ beneficiava “tanto de forma ostensiva direta como de maneira dissimulada” o deputado Saullo, que era cunhado do vice-prefeito Mário Abrahão, e a organização criminosa supostamente integrada pelo vice-prefeito de Presidente Figueiredo.
De acordo com o MP, o relatório da Receita Federal “revelou indícios de uma movimentação monetária supostamente decorrente de fraude a licitações e peculato” entre os donos da empresa Engefort Construção e o grupo de Saullo Vianna. O relatório citou ainda que o crime envolvia sócios e trazia indícios de lavagem de dinheiro.
Denúncia
O promotor afirmou que as investigações tiveram início em meados de 2017 após uma representação de vereadores de Presidente Figueiredo, que chegaram a instalar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar as denúncias. Segundo ele, as investigações iniciais apontavam apenas para favorecimento de empresas.
Ainda de acordo com o Vasconcelos, os atores e como se dava a participação deles no esquema foram descobertos com a quebra dos sigilos fiscal, bancário e bursátil, determinados pela Justiça do Amazonas. “Até então não se tinha a informação de quem era o gerente da organização criminosa”, afirmou o promotor.
“Nós começamos a investigação com ordem judicial. Nós conseguimos a quebra do sigilo bancário. Foi aí que nós nos deparamos com os atores dessa organização criminosa. Essa quebra foi revelando como eles movimentavam e se beneficiavam das licitações que ocorriam em Presidente Figueiredo”, disse Vasconcelos.
As investigações indicam que o esquema começou com três empresas cujos quadros societários eram formados por pessoas que tinham ligação com Saullo Vianna. Em uma das empresas, o parlamentar já havia se apresentado como procurador em meados de 2010 e substituiu sócios quando a companhia chegou em Presidente Figueiredo.
“Nós temos, de fato, empresas do mesmo grupo que ele coordena financeiramente, administra, participando da mesma licitação. São essas empresas que trocam valores. Parece tem uma única conta corrente. Essas empresas pagam contas pessoas do deputado estadual e da mãe dele”, afirmou Vasconcelos.
O outro lado
Procurado pela reportagem, Saullo Vianna afirmou que “até agora nada foi comprovado” em relação a suposta participação dele em um esquema de fraudes em licitações da Prefeitura de Presidente Figueiredo, que as denúncias contra ele são de 2017 e que ele acredita na Justiça do Amazonas.
O deputado disse que está disposto a colaborar com as investigações, pois é “o maior interessado em que tudo seja esclarecido”.
- Leia a nota completa: Alvo de operação, deputado afirma que ‘até agora nada foi comprovado’ contra ele
Assista ao vídeo: