Por Rosiene Carvalho, da Redação
MANAUS – O MPF (Ministério Público Federal) aponta o Governo do Estado do Amazonas como o responsável pela segunda maior chacina registrada em presídios no Brasil e pelo clima de insegurança que domina Manaus desde o episódio. A razão dos problemas, segundo o MPF, são a “inexplicável inércia” e “completa omissão” do Governo do Estado diante de fatos que, para a procuradoria, “poderiam ter sido evitados pois eram do pleno conhecimento de todas as autoridades estaduais pelo menos desde o início de 2016 (ou seja, há um ano)”.
“A inexplicável inércia do ente estatal em exercer o efetivo controle das unidades prisionais, ainda que privatizadas (medida cuja constitucionalidade é questionável) é diretamente responsável pela produção da chacina ocorrida e do clima de insegurança que hoje domina a cidade de Manaus, sitiada pelo crime organizado e sua guerra interna pelo poder e controle do tráfico internacional de drogas”, afirma a procuradora da República Luisa Astarita Sangoi em trecho de parecer de pedido feito pela OAB-AM (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Amazonas) à Justiça Federal.
A procuradora Luisa Astarita Sangoi dá parecer favorável aos pedidos liminares (decisões rápidas e temporárias) feitos pela OAB-AM (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Amazonas) em relação ao sistema penitenciário. A ação civil pública foi apresentada pela OAB-AM, há duas semanas e requer uma série de medidas a curto prazo (entre 30 e 180 dias) como forma de garantir condições de segurança e dignidade aos presos e aos advogados que atuam no sistema prisional (veja os pedidos abaixo).
Com base no relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o MPF sustenta que os presos se autogovernam dentro dos presídios. ” (…) facções que dominam o tráfico de drogas e autogerenciam os presídios no Estado do Amazonas diante da completa omissão do poder público responsável”, sustenta o MPF em outro trecho do parecer.
Além disso, a OAB-AM pede que caso a justiça federal acate o pedido e o mesmo seja descumprido pelo Estado, haja aplicação de multa no valor de R$ 1 milhão a serem revertidas à DPE-AM (Defensoria Pública do Estado do Amazonas). Há o pedido, ainda, que a União e a empresa terceirizada Umanizzare Gestão prisional Privada Ltda sejam inclusas no polo passivo da ação.
A procuradora elogia a iniciativa da OAB-AM e requer que o MPF seja incluso como autor da ação, ao lado da ordem. O MPF indicou que é preciso apurar “grave violação aos direitos humanos” no sistema penitenciário do Amazonas. “Primeiramente, há que se louvar a iniciativa da OAB em propor a presente ação, atenta à sua missão muito superior à de simples entidade de representação de classe, mas de órgão ao qual corresponde, assim como ao MP, a defesa da Constituição Federal, do Estado de Direito e da Justiça Social”, afirma a procuradora no parecer.
Conciliação
ação civil pública contra o Governo do Estado está sob a relatoria da juíza da 1ª Vara do TRF da 1ª Região Jaiza Fraixe, que intimou a Umanizarre por carta precatória no Estado de Goiás. A PGE (Procuradoria Geral do Estado) manifestou interesse de participar de audiência de conciliação no caso alegando que o Estado do Amazonas se encontra “impossibilitado de atender a alguns pedidos sem a participação da União por não possuir meios próprios e disponibilidade orçamentária e financeira para atuar sozinho na concretização de tais objetivos”.
Confira os pedidos liminares apresentados pela OAB e que o MPF pede atendimento com urgência:
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Elaboração, em 30 dias, de um Plano para o Sistema Prisional do Estado do Amazonas, sob pena de multa diária no valor de R$ 1 milhão a ser revertida à Defensoria Pública do Estado do Amazonas ou qualquer instituição de proteção aos direitos dos presos;
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a apresentação de projeto lei, em 90 dias, à ALE-AM, de estruturação do plano de carreira dos servidores do Sistema Prisional;
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avaliação das condições às quais são submetidos os presos, de maneira a serem tomadas providências imediatas para sanar ou diminuir a afronta aos Direitos Humanos e à Dignidade da Pessoa Humana;
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a apresentação, em 30 dias, de um plano de construção de estabelecimento prisionais capazes de abrigar a totalidade dos presos, respeitando condições de lotação e o espaço mínimo de cada detento, sob pena de multa diária de R$ 1 milhão a ser revertida para Defensoria Pública do Estado do Amazonas ou qualquer instituição de proteção aos direitos dos presos;
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apresentação à OAB, em 30 dias, de um plano de construção de parlatórios seguros em todos os estabelecimentos prisionais e delegacias, para permitir o trabalho digno dos advogados;
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abertura de novas vagas no Sistema Prisional do Amazonas, em 180 dias, com a construção de novas unidades prisionais para comportar a demanda atual; e com a construção, no prazo de 360 dias, de novas unidades destinadas a comportar a demanda futura do sistema prisional.
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realizar, em 90 dias, reformas e modificações necessárias para garantir o cumprimento digno da pena privativa de liberdade, de acordo com as imposições legais;
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a adoção das medidas necessárias para promover a separação dos presos provisórios daqueles com condenação definitiva;
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adoção, em 30 dias, de medidas visando evitar a violência interna dos presídios, como a instalação de câmeras e aumento do efetivo de segurança, de modo a evitar a entrada de armas, celulares e drogas, sob pena de multa diária no valor de R$ 1 milhão a ser revertida à Defensoria Pública do Amazonas ou a qualquer instituição de proteção aos direitos dos presos.
Veja os trechos do relatório do MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate á Tortura) citado pelo MPF no parecer como instrumento de convencimento da opinião da procuradoria sobre "omissão" e "inexplicável inércia" do Governo do Estado:
"Durante as visitas, tanto aos locais administrados em cogestão com empresas privadas quanto à unidade administrada pela Seap, foi possível observar a baixa ingerência dos agentes penitenciários e dos demais funcionários nas unidades. As unidades prisionais masculinas são marcadas pela atuação de facções criminosas, sobretudo a FDN e o PCC (...) Ou seja, os cárceres amazonenses estão divididos por facções, o que gera um contexto de fortes disputas e tensionamentos entre grupos no sistema prisional estadual
(...)
É importante apontar que todas as unidades visitadas pelo MNPCT estavam sob um clima de grande inquietação. Diversas lideranças da facção FDN haviam sido transferidas do Compaj para penitenciárias federais algumas semanas antes da visita do MNPCT ao Amazonas, assim como outras ações foram deflagradas em uma grande operação chama "La Muralha". Com isso, foram feitos relatos sobre a possibilidade de rebeliões ou motins nas prisões dominadas pela FDN (...)
(...)
Em todo esse contexto, a ação da administração penitenciária é limitada e omissa diante das facções criminosas, de modo que o Estado não exerce sua função primária de monopólio legítimo da força, nem realiza efetivamente a sua tarefa de supervisão da execução penal.
Assim, pode-se afirmar que os presos das penitenciárias masculinas visitadas pelo MNPCT basicamente se autogovernam, criando regras extralegais ou ilegais que afetam drasticamente a segurança jurídica e a vida de pessoas privadas de liberdade (...) Em vista disso, os presos podem ser extorquidos, ameaçados e, inclusive, mortos pelos demais detentos. Por estar ausente, o Estado dificilmente conseguirá averiguar tais fatos devidamente (...)".
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