Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – Preso desde novembro de 2017, o delegado de Polícia Civil Gustavo Sotero continua a receber o salário de R$ 25,9 mil de servidor do Estado do Amazonas, segundo o Portal da Transparência. De acordo com levantamento feito pela reportagem do ATUAL, nos dois anos em que esteve preso na Delegacia Geral, Sotero recebeu R$ 523 mil.
Sotero foi condenado a 30 anos e dois meses de prisão pelo assassinato do advogado Wilson Justo Filho, pela tentativa de homicídio contra Maurício Carvalho Rocha e por lesões corporais contra Fabíola Rodrigues, viúva de Justo Filho, e Yuri José Paiva. O crime ocorreu em uma casa de shows na zona oeste de Manaus. Com a condenação, ele perdeu o cargo de policial civil.
De acordo com o Portal da Transparência, entre dezembro de 2017 e dezembro de 2019, Sotero recebeu todos os meses salários que se diversificaram entre R$ 17,6 mil (registrado em dezembro de 2017) e R$ 35,2 mil (em novembro de 2019). Antes de cometer o crime, o delegado recebia R$ 17,4 mil (registrado em setembro de 2017).
De acordo com o inciso III do Artigo 84 do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Amazonas (Lei 1.762/86), o funcionário público perderá “um terço do vencimento ou remuneração durante o afastamento por motivo de prisão preventiva, pronúncia por crime comum ou denuncia por crime funcional, ou ainda, condenação por crime inafiançável em processo em que não haja pronúncia, tendo direito à diferença se absolvido”.
Um terço do salário pago ao delegado, à época do crime, alcançaria aproximadamente R$ 5,3 mil. O valor deveria ser descontado a partir de dezembro de 2017, quando o servidor já estava cumprindo prisão preventiva. No entanto, conforme dados do Portal da Transparência, não houve redução, apenas aumento salarial.
Sotero foi beneficiado com o reajuste salarial garantido pela Lei n° 4.804/2019, publicada no DOE (Diário Oficial do Estado), na edição do dia 17 de abril. Com a lei, delegados de 4ª classe tiveram 10,85% de aumento em abril de 2019 e 3,97% em agosto do mesmo ano. A lei também prevê aumento de 9,27% em abril deste ano e 4,08% em abril de 2021.
Em novembro de 2017, Gustavo Sotero foi exonerado de cargo de confiança e deixou de ser o delegado titular do 1º DIP (Distrito Integrado de Polícia). O decreto foi assinado pelo então governador em exercício Bosco Saraiva e pelo delegado-geral da Polícia Civil Mariolino Brito.
No dia 27 do mesmo mês, o delegado passou a responder a um procedimento administrativo disciplinar de número 22.17.09.03.12591/17, que tramita na 5ª Comissão Permanente de Disciplina da Corregedoria Geral da SSP-AM (Secretaria de Segurança Pública do Amazonas).
Em agosto do ano passado, a Corregedoria Geral da SSP-AM pediu à Justiça do Amazonas para que Sotero fosse submetido a avaliação médica pela Junta Médica Oficial da Susam (Secretaria de Estado de Saúde). O órgão queria confirmar se Sotero tinha condições de saúde para participar de audiência de interrogatório, pois vinha apresentando reiterados atestados médicos.
No dia 26 de agosto do ano passado, o juiz Celso Souza de Paula, da 1ª Vara do Tribunal do Júri da Capital, aceitou o pedido da Corregedoria e determinou o envio de documentação que comprovava “não constar atestados médicos apresentados pela defesa do acusado”.
Condenação
Em novembro de 2019, Sotero foi condenado a 15 anos e 10 meses de prisão pelo homicídio de Wilson Justo Filho. No caso de Fabíola, a sentença considerou lesão corporal gravíssima e estabeleceu pena de 3 anos e 6 meses ao delegado.
Em relação a Yuri José Paiva, Sotero foi condenado por lesão corporal grave, com pena de 2 anos e seis meses. Pela tentativa de homicídio contra Maurício Carvalho Rocha, a pena foi de 8 anos e 4 meses de prisão.
Corte de salário
Em nota, a SSP-AM informou que a Polícia Civil cortou o ticket alimentação e “uma parte do salário do delegado, conforme o parágrafo 2, do Artigo 84, da Lei n° 1.762/86”. Segundo a secretaria, a redução da remuneração de Sotero se deu a partir da condenação, em novembro de 2019.
Sobre os aumentos no salário do delegado, a secretaria informou que pagamento dos vencimentos mensais do delegado “estão em acordo com a legislação vigente” e que, “no período, houve reajustes salariais e outros benefícios para a categoria de policiais civis”. A SSP não informou quais foram os outros benefícios concedidos a Sotero.
“O pagamento dos vencimentos mensais de Gustavo Sotero, que constam no Portal da Transparência, estão em acordo com a legislação vigente e que no período houve reajustes salariais e outros benefícios para a categoria de policiais civis. Não há na legislação dispositivo que autorize a suspensão de pagamento à revelia do cumprimento do devido Processo Legal”, informou a SSP, em nota.
Ainda de acordo com a secretaria, o salário-base de Sotero, que era de R$ 16.237,85, teve aumento com a aprovação da data-base retroativa para a classe dos delegados de polícia em 2019. “Houve acréscimo de 10,85% na remuneração dos delegados de 4ª classe que passaram a receber R$ 17.999,66 (3.182,14 + 14.817,52)”, afirmou a SSP-AM.
Processo disciplinar
De acordo com a secretaria, o processo disciplinar administrativo que analisa a conduta do delegado “está em trâmite normal e dentro do prazo legal previsto, encontrando-se próximo de sua finalização”. A secretaria, no entanto, não informou nenhum prazo previsto para conclusão das investigações.
Sobre a perda do cargo de delegado, a SSP-AM informou que a Polícia Civil consultou a PGE (Procuradoria Geral do Estado) e está aguardando parecer sobre o assunto. “O processo contra Gustavo Sotero ainda não está na fase de trânsito em julgado e a jurisprudência vigente no país não é pacificado nessa área”, afirmou a secretaria.