Parafraseando Maria Helena Matarazzo que em 1992 publicou ‘Amar é preciso’, o primeiro de muitos outros livros, retomamos o neologismo ‘amazonizar é preciso’ neste mês em que se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente.
A origem desta comemoração data da realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Estocolmo em 1972. Ao final desta conferência que debateu amplamente a questão ambiental, foi instituído o Dia Mundial do Meio Ambiente, a ser comemorado todo dia 05 de junho.
Desde então, a questão ambiental entra na pauta das grandes discussões mundiais. No entanto, o pano de fundo deste debate é uma questão sistêmica que poucos querem debater. Em 1883, Friedrich Engels, um dos fundadores da sociologia, publicava o livro “Dialética da Natureza”, na qual problematizava a questão dos impactos do capitalismo sobre todo o ambiente. Para Engels se tratava de uma relação tensa e contraditória. Por um lado, o capitalismo precisava da natureza para avançar. Praticamente, toda matéria prima, para produzir as máquinas e todo tipo de mercadoria, vinha da natureza. Por outro lado, o capitalismo não tinha, e não tem, em sua essência, nenhuma preocupação com os recursos não renováveis. O que importava, e continua importando, é a capacidade de produzir sempre mais e mais, sem levar em consideração os limites da natureza.
Em 1883, Engels já alertava a sociedade para o risco da exploração sem limites da natureza afirmando que “não devemos vangloriar-nos demais com as vitórias humanas sobre a natureza, pois a cada uma destas vitórias, a natureza vinga-se às nossas custas”. Com isso, alertava que não é possível ecologizar o capitalismo. Muito menos amazonizar esse sistema perverso que ignora os limites da natureza em processos acelerados de exploração dos recursos naturais sem nenhuma perspectiva de uso sustentável nem reposição de matéria prima. Essa dialética fica ainda mais complexa em relação aos recursos não renováveis como o que ocorre com a queima dos recursos energéticos fósseis, especialmente o petróleo e o carvão.
De forma resumida, o que Engels tentava refletir há mais de um século atrás é que o paradigma capitalista é incompatível com o modo de vida proposto pela Ecologia Integral do Papa Francisco que retoma em 2015 a discussão sobre os riscos da exploração desmedida da natureza. Bem por isso, a insistência no paradigma do Bem Viver tem provocado a fúria das elites econômicas que não aceitam outro modo de vida que não seja o modelo capitalista ocidental. E uma das maneiras de se arrefecer o avanço das resistências organizadas, é a criminalização das estratégias de organização dos movimentos sociais camponeses, indígenas, ribeirinhos, seringueiros, especialmente da Amazônia comprometidos com a defesa de seus territórios como parte da natureza que vem sendo paulatinamente destruída pela empreitada capitalista.
Esses povos têm em comum a consciência de que o projeto político e econômico dominante possui características pós-coloniais que dão continuidade à destruição da casa comum. O projeto de exploração desmedida iniciado com a chegada dos colonizadores há mais de 500 anos atrás vem deixando um rastro de destruição em toda Amazônia que só ainda não virou deserto porque há muitas resistências de seus povos na difícil saga do verbo amazoniar num contexto em que os projetos capitalistas não levam em conta as potencialidades e limites do bioma. Pelo contrário, promovem a sua destruição paulatinamente.
No último dia 30 de maio, uma comitiva dos povos Yanomami e Ye’kwana, povos milenares da Amazônia, foi à Brasília para denunciar à Secretaria de Governo e outros órgãos, a grave situação dos garimpos clandestinos em suas terras. Na ocasião, o xamã Davi Kopenawa, presidente da Hutukara (Associação Yanomami) e liderança histórica de seu povo, em reunião com o Ministério Público Federal, deixou claro que os “povos indígenas da Amazônia não querem nenhum tipo de garimpo em suas terras. O garimpo não traz benefício pra ninguém. Só traz doença e degradação ambiental. Não tem dinheiro que pague a nossa floresta, os rios e as vidas do nosso povo”, afirmou Kopenawa.
Neste ano, a ONU propõe a reflexão do tema da poluição do ar para o Dia Mundial do Meio Ambiente. Lança campanhas mundiais para rever os mecanismos que provocam a poluição, mas, não toca num assunto central deste debate que é a poluição gerada pelos agrotóxicos. Todos os anos, toneladas e mais toneladas de agrotóxicos são despejadas sobre nossas cabeças para a produção de alimentos. Além de contaminar os próprios alimentos que comemos todos os dias, os agrotóxicos poluem a terra, o ar e as águas em proporções irrecuperáveis. Mas, nenhum governo quer tocar neste assunto porque as comodities do agronegócio são mais importantes que “nossa floresta, os rios e as vidas do nosso povo”. Diante dessas e de tantas outras ameaças de destruição da Amazônia e de todo planeta, o verbo amazonizar se faz cada vez mais necessário e urgente. Por isso, muito mais do que em outros tempos, amazonizar é preciso, neste Dia Mundial do Meio Ambiente!
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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