Por Paulo Ricardo Martins, da Folhapress
RIO DE JANEIRO – Ações de acessibilidade implementadas em espaços públicos e conteúdos de cultura muitas vezes privilegiam algumas deficiências em detrimento de outras.
A reflexão surgiu no seminário Somos Plurais, promovido pelo jornal Folha de S.Paulo e pelo Itaú Cultural na última terça-feira (7).
O encontro, que discutiu formas de tornar os espaços culturais mais plurais e apresentou projetos bem-sucedidos voltados a acessibilidade, teve mediação de Raquel Franzim, diretora de educação do Instituto Alana, e de Valéria Toloi, gerente do Núcleo de Educação e Relacionamento do Itaú Cultural.
Claudia Werneck, jornalista e fundadora da Escola de Gente, ONG cujo objetivo é tornar a comunicação mais inclusiva, criticou o uso de iniciativas de acessibilidade como estratégia de marketing ou de autopromoção.
Werneck também alertou para as ações que favorecem apenas um tipo de deficiência, como um vídeo ou um evento que disponibiliza intérprete de Libras, sem legenda e audiodescrição, por exemplo.
“Você está dizendo que só se importa que pessoas surdas, que utilizam Libras, tenham acesso à informação”.
Se o foco é acessibilidade, o importante, segundo ela, é não parar antes da hora e não se contentar com pouco. Todos os recursos que têm como objetivo incentivar a inclusão precisam ser adotados e usados de forma consciente. “Quando fazemos algo em braile, ninguém se preocupa em revisar”, exemplifica.
Nos materiais que produz, a jornalista costuma usar linguagem simples, Libras, legenda e audiodescrição.
Para Edgar Jacques, que é consultor de audiodescrição e tem deficiência visual, os cuidados necessários para avançar na comunicação acessível vão sendo percebidos a partir do momento que esse público começa a frequentar os espaços públicos. Isso, de acordo com ele, demanda tempo.
“É o primeiro momento da história da humanidade no qual a pessoa com deficiência está ocupando espaços reais escolhidos por ela, e não para ela”, afirma.
Jacques considera que o Brasil está longe de ser um país com política forte de inclusão. Ele citou um estudo do BigDataCorp com o Movimento Web para Todos, que analisou os 16,89 milhões de sites brasileiros ativos em 2021 e constatou que somente 0,89% deles são acessíveis. Houve leve melhora em comparação ao ano anterior, quando 0,74% dos endereços online tiveram sucesso em todos os testes de acessibilidade aplicados.
Para empresas que queiram adequar seus espaços ou comprar equipamentos que as tornem mais acessíveis para pessoas com diferentes tipos de deficiência, o consultor sugere a diluição do investimento.
Um cinema, por exemplo, poderia repartir os custos no valor dos ingressos de todos. Dessa forma, segundo ele, o aumento do preço seria quase imperceptível e os espectadores com deficiência não serão prejudicados.
De acordo com Jacques, a pessoa com deficiência precisa ser vista como um cliente em potencial, e é preciso ter a consciência de investir em um processo de universalização. “Pensar acessibilidade é estar aberto a novas possibilidades”, afirma.
Adriana Godoy, idealizadora do Autismo Projeto Integrar, plataforma que reúne materiais para ajudar na aprendizagem e na rotina de crianças com transtorno do espectro autista, aponta o diálogo como a principal forma de sensibilizar a sociedade para o tema da inclusão.
Cantora e professora de música, Adriana Godoy cita exemplos simples de acessibilidade que podem ser adotados no universo da cultura. Em um espetáculo, ela sugere sinais luminosos que podem auxiliar pessoas com deficiência visual a caminhar. Outra ideia é avisar a plateia, por exemplo, de que há espectadores com transtorno do espectro autista presentes, para que o público já fique ciente e não estranhe se esses espectadores se expressarem durante o evento.
“Quando a população que participa desses espaços conviver com pessoas que se comportam, se comunicam e interagem de forma diferenciada, nós conseguimos quebrar as barreiras de compreensão, fazendo com que essas pessoas se sintam acolhidas”.
O criador de conteúdo Eduardo Victor, 21, mais conhecido como Dudu nas redes sociais, afirmou que ouvir as pessoas com deficiência é importante, mas para isso também é necessário garantir a elas oportunidades e recursos.
“Se vocês, a sociedade, querem que a gente fale sobre as nossas habilidades, contratem a gente. Me chamem para tocar na sua festa, me chamem para apresentar um prêmio sobre música. Esse também é meu trabalho”.