Pra começo de conversa, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, reconheceu o erro e reformou a carta enviada às escolas pedindo aos professores que filmassem os alunos cantando o Hino Nacional e enviassem a ele. Também reformou a carta para retirar o slogan de campanha de Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Se o ministro reconheceu o erro, não custa nada a seus asseclas ou aos asseclas do governo Bolsonaro reconhecerem a trapalhada, mais uma desde 1° de janeiro.
Sobre o slogan de campanha, não há nem o que se discutir. Foi um erro primário de quem quer agradar ao rei, mas derruba a bandeja em seu colo.
Sobre o hino, um detalhe: o erro do ministro não foi pedir que se cantasse o Hino Nacional nas escolas, mas que os professores filmassem e mandassem o vídeo a ele. E isso, não sou eu quem esta dizendo que foi um erro, foi o próprio ministro que reconheceu e corrigiu.
Os asseclas, no entanto, apaixonados que estão por um governo que acreditam, para não admitir o erro do ministro, saem com frases como: “Não pode cantar o Hino Nacional, mas dançar funk pode!”.
Estão compartilhando um vídeo de meninas em frente a um quadro verde, possivelmente de uma escola na periferia de alguma cidade brasileira, dançando funk, usando shorts curtos, para dizer que isso pode ser filmado e espalhado na Internet, mas cantar o Hino Nacional precisa da autorização dos pais, dos intelectuais…
Certamente os pais não autorizaram o vídeo das meninas dançando; certamente não foram professores que filmaram e compartilharam na rede e certamente também não filmariam as crianças dançando funk para enviar ao ministro.
Mas admitamos: dançar funk não é nenhum pecado e nada impede que seja uma atividade cultural na escola, por que não? Dançar balé pode, mas funk não pode?
Voltemos à questão da carta do ministro. Ele queria que os professores filmassem as crianças cantando o Hino Nacional para que o Ministério da Educação pudesse, num segundo momento, usar os vídeos para fazer um material de propaganda, de divulgação, com mensagem positiva.
Não há nada de errado e reprovável nisso, mas a legislação brasileira obriga que o uso de imagens, nesses casos, seja autorizado pelas pessoas que aparecem nelas. No caso de crianças, precisa ser autorizado por pais ou responsáveis. Filmado por professores ou por uma agência de publicidade, o filme precisaria da autorização.
A Constituição Federal de 1988 garante a proteção do direito à imagem nos incisos V, X e XXVIII de seu artigo 5º. O Ministério da Educação deveria, pela natureza da instituição, ser o primeiro a zelar pelo texto constitucional.
Mas volto à questão da comparação tosca do Hino Nacional x funk. Pergunte a qualquer criança se ela prefere cantar o Hino Nacional ou um funk da moda. Certamente, ela vai preferir o funk.
Digo isso porque já fui criança e éramos obrigados a cantar o Hino Nacional na escola. Eu detestava. Não tem a ver com patriotismo ou falta dele. Tem a ver com a obrigação de ter que fazer uma coisa repetidamente, diariamente, que não é lá tão agradável e prazeroso.
Esses mesmos pais que hoje batem no peito e dizem: “eu autorizo filmar meu filho cantando o Hino Nacional”, certamente já tiveram o mesmo sentimento. Eu conheço alguns que detestavam muito mais do que eu cantar o hino na escola. E duvido também que tenham aprendido a letra do hino sem tropeçar nas palavras eruditas.
A obrigação não gera amor à pátria e disciplina. Aliás, a disciplina deve ser ensinada em casa, desde a primeira infância. Os pais não podem exigir da escola que ensine disciplina e respeito. A escola precisa cobrar disciplina e respeito, mas se a criança e o adolescente não tiverem base familiar ancorada nesses princípios, não será um aluno disciplinado.
Os asseclas reivindicam aos brasileiros o orgulho que os estadunidenses têm de sua bandeira e de seu país. Isso só ocorrerá quando o Brasil tiver escolas de qualidade, quando não mais houver escolas de primeira classe e escolas de quinta categoria.
Não há notícia de que nos Estados Unidos ou na Finlândia as escolas precisem formação militar ou de militares dando ordens a alunos e professores. A disciplina é uma regra seguida pela maioria. O professor tem autoridade sobre os alunos. Os alunos respeitam o professor e vice-versa. No Japão, as escolas ensinam cidadania. Os próprios alunos organizam o lanche, limpam a sala de aula para o lanche e depois para a aula. Uns servem os outros.
Não esqueci a idiotice do título deste artigo. A idiotice está nessa discussão improdutiva e enviesada entre direita e esquerda que não vai ao âmago da questão. Não há proibição nem obrigação de se cantar o Hino Nacional. O que o ministro fez foi recomendação.
Na escola em que minhas filhas estudam os estudantes cantam o Hino Nacional às sextas-feiras. Acho adequado, não precisa ser todos os dias. Mais importante do que o Hino Nacional é a qualidade da educação, os métodos de ensino, a inclusão da tecnologia a serviço do aluno, que está a anos luz do método calcado no quadro verde e no giz.
Essa deve ser a preocupação de todo brasileiro. E os pais, que tanto querem ver os filhos cantando o Hino Nacional, deveriam tomar a lição de casa todos os dias para ver se o filho está apreendendo a ler corretamente e a fazer as operações de matemática. A participação dos pais na vida escolar do aluno é muito mais importante do que essa cachorrada nas redes sociais para afirmar ou negar a competência de quem está no comando do País.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.
Artigo primoroso e bastante oportuno. Concordo plenamente com o colunista.
A verdade é que, de um modo geral, no debate sobre a educação em nosso país, sobretudo nas redes sociais, as pessoas se preocupam muito com o supérfluo e se esquecem de discutir o essencial, que é justamente a “qualidade da educação e os métodos de ensino”.
Misturar funk com balé só na cabeça de desmiolado que confunde catraca de canhão com conhaque de alcatrão.