Neste domingo, 30, o ATUAL inicia uma série de reportagens sobre saneamento básico na capital amazonense, que privatizou o sistema de abastecimento de água e esgotamento sanitário no ano 2000. Inicialmente, o contrato de concessão era de 30 anos, mas em 2012 foi prorrogado por mais 15 anos, até 2045. A prorrogação ocorreu porque a concessionária não cumpriria as metas estabelecidas para até 2030. Nos últimos anos, o Governo do Amazonas investiu pesado em duas obras: o Proama (Programa Água para Manaus) e a Estação de Tratamento de Esgoto da zona sul. Como só a concessionária pode explorar esses serviços em Manaus, o sistema do Proama foi repassado à empresa privada e a ETE-Prosamim, como é chamada a estação da zona sul, será repassada assim que a obra for concluída. Enquanto o governo paga os empréstimos para as obras de saneamento, a concessionária explora o serviço comercialmente, sem repassar um centavo para o Governo do Amazonas. Para explicar o que vem acontecendo com o saneamento, o ATUAL produziu a série que você começa a ler neste domingo.
Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – Em Manaus, apesar de os serviços de saneamento básico serem concedidos à iniciativa privada desde 2000, o Poder Público teve que investir milhões de reais para ampliar a cobertura de água tratada e coleta de esgoto. Grandes obras construídas com dinheiro público foram o Proama (Programa Águas para Manaus), em 2010, e a ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) do Prosamim, que será inaugurada neste ano.
Em 19 anos de concessão à iniciativa privada, a coleta de esgoto em Manaus chegou a apenas 19,90% das casas, segundo levantamento publicado pelo Instituto Trata Brasil na quinta-feira, 27.
Fábio Alho, presidente da Ageman (Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados de Manaus), órgão que fiscaliza o contrato com a concessionária, afirma que, atualmente, 22% tem acesso ao esgotamento sanitário.
O Instituto Trata Brasil também apontou que o abastecimento de água chegou a 97,50% em 2019, sendo Manaus a capital brasileira que mais aumentou seus níveis de atendimento em água, apresentando um crescimento de aproximadamente 12 pontos percentuais entre 2015 e 2019 – em 2015, a cobertura era de 85,42%.
A Ageman afirma que 95% das casas têm água potável nas torneiras na capital amazonense.
O investimento no sistema deveria partir da concessionária, conforme prevê a Cláusula 13ª do contrato de concessão, firmado em 2000: “Constituem encargos e responsabilidades da concessionária (…) captar, gerir e aplicar os recursos financeiros necessários à prestação dos serviços, realizando os investimentos tanto para a execução dos planos contidos nos Anexos 2, 4, 5 e 6 (investimentos e metas) para a manutenção dos sistemas de abastecimento de água e esgoto sanitário, bem como para qualidade da prestação dos serviços”.
Entretanto, diante de dificuldades no avanço do saneamento básico em Manaus, o governo estadual emprestou dinheiro de bancos para construir o Proama e a ETE do Prosamim, visando expandir o sistema e, posteriormente, entregá-los a concessionária.
Os dois projetos têm propostas semelhantes, como a criação de fundos públicos e a divisão do lucro na venda da água e na coleta de esgoto entre a concessionária e o poder público.
Nesta semana, o ATUAL irá mostrar que a estrutura do Proama custou aos cofres públicos R$ 365 milhões e não recebeu investimentos das concessionárias de água e esgoto que já atuaram em Manaus desde a privatização do sistema, em 2000.
O grupo Solví, que atuou em Manaus entre 2006 e 2018, registra em seu relatório anual de 2014 que, no Proama, coube à Manaus Ambiental apenas realizar obras de interligação do Complexo Proama à rede de distribuição.
Atualmente, a Águas de Manaus usa o complexo para produzir e fornecer água tratada por atacado para ela mesma, que a vende no varejo para o consumidor final, sem pagar nada para o poder púbico, que fez o investimento no Proama.
Para a obra, o governo federal concedeu empréstimo de R$ 232,7 milhões, que o Governo do Amazonas pagará em 20 anos, e o restante saiu do Tesouro estadual.
Nada de lucro
O contrato de operação do Proama previa que 60% do lucro com o fornecimento do serviço seria repassado para o Governo do Estado pagar o financiamento feito junto à Caixa Econômica Federal. Além disso, 40% seria para a concessionária e 10% para o fundo de saneamento prefeitura, que seria aplicado em serviços de saneamento básico na capital amazonense.
De acordo com o ex-diretor do Proama, Sérgio Elias, a concessionária nunca chegou a enviar valores para o estado ou para o município porque o contrato previa que o repasse ocorreria apenas quando a empresa registrasse resultado positivo na operação, e até hoje não houve lucro. O ex-diretor do Proama associa a falta de lucro à inadimplência dos consumidores.
Enquanto a concessionária não registra lucro, o Governo do Amazonas continua a pagar o empréstimo de R$ 232,7 milhões feito com a Caixa Econômica Federal para a construção da estrutura do Proama. De acordo com a Sefaz (Secretaria de Estado de Fazenda do Amazonas), o Estado já pagou R$ 71,8 milhões e ainda falta pagar R$ 160,9 milhões, que deverão ser quitados no prazo de 10 anos.
O ATUAL também irá mostrar nesta semana que o Governo do Amazonas pretende realizar uma operação semelhante com a ETE do Prosamim, no bairro Educandos, que será inaugurada no segundo semestre deste ano. A obra, que recebeu investimentos de R$ 44 milhões do estado, será repassada à Prefeitura de Manaus que, posteriormente, a entregará para a empresa Águas de Manaus.
Na ETE do Prosamim, o Governo do Amazonas propõe a criação de um fundo de saneamento, onde será depositado o lucro gerado pela exploração do serviço. No entanto, segundo o governo estadual, esse dinheiro não será usado para pagar o empréstimo feito com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que financiou o projeto, mas será usado para investimentos na ampliação o sistema na capital amazonense.
Em entrevista ao ATUAL, Sérgio Elias, do Proama, e o subcoordenador de relacionamento institucional da UGPE, Francisco Soares Filho, da ETE do Prosamim, afirmam os investimentos vultuosos nesses projetos têm caráter social, pois a capital amazonense necessita ampliar a rede de abastecimento de água e esgoto. Segundo eles, a concessionária não conseguiria realizar a ampliação do sistema sozinha.
Esta matéria é a primeira de uma série de reportagens sobre investimentos no saneamento básico feitos com dinheiro público em estruturas operadas pelo setor privado. Para produzi-la, o ATUAL teve acesso a documentos que ainda não haviam sido publicados e conversou com Sérgio Ramos Elias, Francisco Soares Filho e Fábio Augusto Alho da Costa.
Metas
O plano de metas e indicadores acrescentado ao contrato de concessão de abastecimento de água e de esgotamento sanitário no ano de 2014, quando os serviços ainda eram operados pela Manaus Ambiental, estabeleceu que até o final da concessão, em 2045, a concessionária investiria R$ 3,3 bilhões, sendo R$ 1 bilhão no abastecimento de água e R$ 2,2 bilhões no esgotamento sanitário.
Fábio Alho afirmou que a Águas de Manaus tem feito investimentos nos últimos dois anos na expansão da rede de abastecimento de água e esgotamento. Segundo o presidente da Ageman, a concessionária construiu a ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) Timbiras, no bairro Cidade Nova, que custou aproximadamente R$ 60 milhões, e cinco reservatórios capazes de armazenar 30 milhões de metros cúbicos de água.
De acordo com Alho, nessas obras não houve dinheiro da prefeitura. “Foi tudo bancado pela empresa. Eles não podem falhar aqui. Eles têm que fazer investimentos no saneamento para que Manaus seja espelho para possíveis entradas em outras cidades. Agora, com o Novo Marco Legal do Saneamento, eles têm que alcançar metas”, afirmou o presidente da Ageman.
Palavras ao vento
As palavras de Fábio Alho, no entanto, não se sustentam porque carecem de provas. A reportagem solicitou da Ageman e da empresa Águas de Manaus a lista de investimentos realizados para a ampliação do sistema de saneamento na capital amazonense. Alho prometeu enviar documentos, mas não enviou. A concessionária não respondeu à reportagem até a publicação desta matéria.
Questionado sobre as metas da concessionária, Alho afirmou que todos os anos uma empresa de auditoria é contratada para realizar a “contraprova” das medições em relação às metas da Águas de Manaus. O presidente da Ageman disse que a Águas de Manaus cumpre todas as metas para expandir o sistema e citou os atuais 95% de cobertura de água potável e 22% de coleta e tratamento de esgoto.
Em novembro de 2020, o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio Neto (PSDB) afirmou que até o final daquele ano a cobertura de esgoto chegaria próximo dos 30% com o recebimento provisório de sistemas de esgotamento sanitário de três etapas do Prosamim, ou seja, com os investimentos do Poder Público. Virgílio Neto também disse que a concessionária se comprometeu a chegar, em 2030, com esgoto para 80% das casas.
Alho reconheceu que “tem muita coisa para se fazer” para melhorar a coleta de esgoto e afirmou que a zona leste é a região que mais carece desse serviço. “Manaus é uma cidade que cresce vertiginosamente. Dentro do contrato existe os parâmetros de crescimento ano a ano. Geralmente, a zona leste é uma área carente de esgotamento sanitário”, disse o presidente da Ageman.
Sobre os serviços de abastecimento de água, o presidente da Ageman disse que Manaus não tem mais demanda de grande porte, apenas aquelas pontuais. Segundo Alho, o “grande problema” no abastecimento de água são as “perdas, fraudes, furtos e desperdícios” que ainda são registrados na capital amazonense.
De acordo com o estudo do Instituto Trata Brasil, Manaus registra 69,04% de perdas no faturamento, isto é, água produzida e não faturada, alcançando o quatro lugar no ranking dos dez piores municípios do Brasil em relação a esse índice.
A capital amazonense também registra 72,08% de perdas na distribuição, ficando em terceiro lugar no ranking dos dez piores municípios para esse índice.
Leia a segunda reportagem da série: