
Por Gabriel de Souza, do Estadão Conteúdo
BRASÍLIA – O Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado vai começar a discutir nesta terça-feira (8) a proposta de um novo Código Eleitoral. O texto, que tem 464 páginas, abre brecha para aprovar prestação de contas com falhas milionárias dos partidos. Além disso, o texto aumenta a rigidez com institutos de pesquisa e campanhas eleitorais no ambiente virtual.
O projeto também garante a diversas entidades da sociedade civil o direito de participar de auditorias das urnas eletrônicas, além de estabelecer cotas para candidaturas de mulheres e pessoas negras. Limites também foram impostos para doações de pessoas físicas e gastos próprios de candidatos.
O encontro nesta terça será o primeiro de três sessões em que o texto precisa ser analisado. Caso o texto, que já foi aprovado pela Câmara, seja aprovado pela CCJ, ele será encaminhado para o plenário do Senado.
Se tiver o aval dos senadores segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Caso a aprovação do petista ocorra até outubro deste ano, as novas regras vão passar a valer no pleito de 2026.
Prestação de contas com falhas serão aprovadas
O texto do relator Marcelo Castro (MDB-PI) abre brecha para que as prestações de contas de partidos que contenham falhas que ultrapassem até 10% do Fundo Partidário no respectivo ano, sejam consideradas aprovadas com ressalvas.
Segundo o projeto, isso se dará desde que “não tenha havido má-fé da parte nem descumprimento da aplicação do percentual destinado ao incentivo à participação política da mulher”.
Por exemplo, se determinado partido receber R$ 500 milhões no Fundo Partidário e a Justiça Eleitoral atestar um gasto de até R$ 50 milhões em falhas como faltas de comprovante ou erros nas notas fiscais, as contas serão aprovadas com ressalvas, desde que seja comprovado que não houve uso de má-fé ou descumprimento da cota feminina.
Houve discussões no Congresso para que o porcentual fosse maior. O texto aprovado na Câmara colocava que superassem até 20% seriam consideradas aprovadas com ressalvas. A diminuição pela metade foi feita por Castro.
Segundo Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, o porcentual estabelecido pelo texto de Marcelo Castro é um “absurdo” por se tratar de milhões – em caso de partidos grandes – em dinheiro público utilizado sem comprovação requerida pela Justiça Eleitoral.
“O impacto social é bem diferente. Isso é dinheiro público, dinheiro dos cofres da União. Me parece ser um absurdo você deixar sem a devida comprovação milhões de reais. Acho que uma prestação de conta de partido você falar, em no máximo 2%, o que já é muito”, afirmou Rollo.
Doações de campanha
O relator acrescentou tetos para doações de campanha por pessoas físicas. Agora, os repasses ficam limitados a 10% do previsto para o limite de determinado cargo. Porém, em campanhas que podem gastar até R$ 120 mil, o porcentual sobe para 30%.
Os doadores terão que atender ao limite de 10% dos seus rendimentos brutos no ano anterior. Ou seja, quem teve R$ 1 milhão, não poderá doar mais de R$ 100 mil. Esse teto se aplica a doadores de alta renda. Os demais eleitores, independentemente da renda, têm teto de R$ 2.855,97.
As doações acima de R$ 2 mil serão aceitas apenas se forem feitas por transferência eletrônica (TED) entre as contas do doador e do candidato, ou por cheque cruzado e nominal.
Outra mudança feita pelo novo código é que o candidato vai poder custear até 30% dos gastos de campanha com recursos próprios. Atualmente, o limite é de 10%.
Rigidez com pesquisas eleitorais
A proposta de novo código eleitoral traz uma maior rigidez para as pesquisas eleitorais. O cadastro prévio dos institutos, além dos dados dos estatísticos responsáveis pelos levantamentos, será exigido antes de cada pleito.
Será proibida a realização de pesquisas feitas com recursos do próprio instituto, ao menos que sejam empresas jornalísticas. Todos os levantamentos, quando forem divulgados, deverão ter os resultados comparados com a média dos índices atestados por estudos feitos em dias anteriores.
Auditoria das urnas eletrônicas
O novo Código Eleitoral dá o direito a diferentes instituições da sociedade de fiscalizar e auditar os códigos-fonte, softwares e o processo de votação e apuração das urnas eletrônicas.
O projeto estabelece que a fiscalização poderá ser feita por:
– Partidos políticos e coligações
– Casas do Congresso Nacional
– Supremo Tribunal Federal (STF)
– Ministério Público Federal (MPF)
– Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
– Tribunal de Contas da União (TCU)
– Controladoria-Geral da União (CGU)
– Polícia Federal
– Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)
– Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
– Sociedade Brasileira de Computação (SBC)
– Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
– Departamentos de Tecnologia da Informação de universidades credenciadas junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
– Instituições privadas sem fins lucrativos, com notória atuação na defesa de democracia ou em fiscalização e transparência eleitoral e da gestão pública.
Durante as auditorias, que serão coordenadas por servidores da Justiça Eleitoral, as instituições poderão solicitar esclarecimentos. Eventos públicos para testes de segurança também deverão ser ofertados para a população.
Novos prazos de inelegibilidade
O novo código estabelece que o prazo de inelegibilidade passará a ser de oito anos a partir do ano posterior à eleição onde teriam cometido um crime eleitoral e não mais a data do primeiro turno do pleito.
Por exemplo, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está inelegível, após decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), até o dia 2 de outubro de 2030, ou seja, oito anos após o primeiro turno de 2022. Se a condenação ocorresse após a aprovação do Código Eleitoral, a punição valeria até 1º de janeiro de 2031.
Desincompatibilização de juízes e militares
Se quiserem se candidatar a cargos públicos, juízes, membros do Ministério Público, policiais federais, rodoviários federais, civis e militares, guardas municipais e membros das Forças Armadas deverão se afastar de seus cargos quatro anos antes da eleição pretendida.
Atualmente, a regra é de que esses servidores públicos devem deixar os cargos entre três a seis meses antes do pleito, dependendo da função exercida.
Para os demais servidores, o Código estabelece que o candidato deve se afastar da função logo após a escolha do nome em convenção partidária.
Crimes eleitorais e cassação de mandato
O código prevê multa para os seguintes crimes eleitorais:
– Fraude
– Abuso do poder econômico ou político
– Uso indevido dos meios de comunicação social
– Captação ilícita de sufrágio
– Corrupção eleitoral
– Condutas vedadas aos agentes públicos
– Condutas vedadas na internet
– Doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha
O texto também busca preservar os mandatos dos políticos eleitos e estabelece que a cassação deve ocorrer apenas quando for reconhecida “gravidade das circunstâncias”, como a possibilidade de influência no resultado da eleição. Os critérios são:
– Ocorrência de violação de norma jurídica
– Comportamento do candidato beneficiado no contexto da prática ilícita
– Presença de alguma forma de violência
– Categoria, alcance e intensidade da transgressão apurada
– Probabilidade de nexo causal entre a conduta ilícita e o resultado das eleições
– Crimes eleitorais na internet
– Candidatos vão poder impulsionar conteúdos em redes sociais para a divulgação de pré-campanha, desde que não ultrapasse 10% do limite de gastos para o cargo pretendido.
Outra novidade sobre a campanha digital é que as ordens judiciais para remover conteúdos na internet ocorrerão apenas se forem constatadas violações às regras eleitorais. Entre as condutas políticas estão:
– Não informar ao eleitor quando determinada propaganda política utiliza inteligência artificial;
– Disseminação de fatos falsos que podem impedir o exercício do voto, deslegitimar o processo eleitoral ou atentar contra a igualdade de condições entre os candidatos;
– Divulgar mensagens de ódio contra candidatos, partidos ou coligações com contas falsas, ou anônimas;
– Invasão hacker contra perfis de candidatos, partidos ou coligações;
– Disparos em massa de conteúdos não solicitados ou não autorizados por usuários sem relação pessoal ou profissional com o candidato, através do uso de recursos de automação.
Cotas para mulheres e negros
O código determina que 30% do valor aplicado pelos partidos nas campanhas deverá ser destinado às candidaturas femininas. Também deverá ser feito uma distribuição proporcional de candidatos negros e mulheres.
A Justiça Eleitoral deverá informar, até o início do prazo de campanha, os valores a serem aplicados nas campanhas de candidatas e também a distribuição proporcional para candidatos negros e mulheres. Os repasses, por sua vez, deverão ser feitos pelas siglas até 30 de agosto.
Violência política contra a mulher
Foi incluído o crime de violência política contra a mulher, configurado em toda ação ou omissão que busque prejudicar o exercício do direito político de uma candidata ou política com mandato eletivo.
A pena será de um a quatro anos de reclusão e multa, agravada em um terço se a violência for cometida contra gestantes, maiores de 60 anos, pessoas com deficiência ou pessoas negras, se ocorrer na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa.
Criação de partidos
Atualmente, é preciso coletar 0,5% dos votos válidos para a última eleição para a Câmara dos Deputados para se criar um partido político. Com o texto, o número será triplicado para 1,5%.
Hoje, um partido político precisa de 965.977 assinaturas para ser criado, considerando os mais de 123 milhões de votos para deputado em 2022. Se o Código for aprovado, esse número passaria para 2.897.933 assinaturas.
Além disso, hoje é preciso ter, em pelo menos um terço dos Estados, 0,1% do eleitorado que votou na última eleição para a Câmara como assinante. No novo projeto, o porcentual sobe para 1%.
Mudança no funcionamento do TSE
Houve também mudanças na funcionalidade do TSE. Agora, a classe dos advogados (dois dos sete ministros) deverão respeitar a presença de ambos os sexos na lista de pretendentes. Não poderá haver membros do Ministério Público, magistrado aposentado e defensor que tenha sido filiado a um partido nos quatro anos anteriores à indicação.
O texto também delimita que as decisões judiciais e administrativas do TSE que modifiquem a jurisprudência da Corte deverão observar a anualidade eleitoral. Ou seja, não vai valer na eleição que seja realizada até um ano da data da vigência, exceto se buscar proteger a elegibilidade de candidatos.
Preenchimento de vagas
Se o projeto for aprovado, apenas os partidos que tenham alcançado votação equivalente a 100% do quociente eleitoral poderão participar da segunda fase de distribuição de vagas nas eleições para deputados e vereadores.
Atualmente, todos os partidos que tenham obtido votação igual ou superior a 80% do quociente partidário e que tenham candidatos que alcançaram 20% ou mais do quociente eleitoral podem participar. O relatório também garante a todos os partidos a disputa pela terceira fase de distribuição de vagas.
O quociente eleitoral é calculado dividindo a quantidade de votos válidos para determinado cargo pelo número de vagas para aquele cargo. Já o quociente partidário é feito dividindo a quantidade de votos válidos para determinado partido ou federação pelo quociente eleitoral.