O tema da responsabilização penal do adolescente, tratado genericamente como “redução da maioridade penal”, demanda não apenas o reconhecimento de grave problema pelo qual passa o país, como também a necessidade de considerar os fatores que concorrem para gerar a delinquência infanto-juvenil, com ênfase a do adolescente.
O adolescente infrator sob abrigo da lei?
A prática de graves delitos por aqueles que ainda não alcançaram a maioridade é crescente e, sem dúvida, preocupante. A sociedade brasileira clama por abordagens e soluções mais efetivas diante dos críticos problemas de insegurança pública, em especial alguns segmentos frente à situação do “menor infrator”. Refiro-me ao adolescente, pessoa entre doze e dezoito anos de idade, conforme prevê a lei (art. 2º da Lei nº 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA), porque seria este o alcançado pela chamada “redução da menoridade penal”.
Segundo representantes de setores da sociedade nacional, o adolescente vem recebendo tratamento legal muito permissivo e flácido, o que fomentaria a impunidade. Dispõe o art. 104 do ECA que “São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sjueitos às medidas previstas nesta lei.” Em que pese a previsão de internação do adolescente em estabelecimento educacional (art. 112, ECA), a medida não vem sendo aplicada de maneira adequada nem eficazmente. Por conta disso, criminosos se aproveitariam da condição “do menor de idade” para a prática de diversos crimes, escapando, dessa modo, da devida responsabilização penal.
Além do mais, conforme alegam defensores da “redução da menoridade penal”, o menor, principalmente o adolescente dos dias atuais, já disporia de informação suficiente para decidir pela prática ou não das infrações penais que executa.
A questão
A questão que se coloca frente a isso é acerca da eficácia da medida, ou seja, a “redução da maioridade penal” é resposta adequada ou a solução certa para o problema da delinquência infanto-juvenil? Quais os indicadores reais? O que acontece nos países que adotam a medida? De fato, ela desestimulou e reduziu a prática de delitos por parte dos adolescentes? Redundou em benefício à segurança pública?
A ausência de indicadores
Não é difícil constatar que, por mais diversa e profunda que seja a pesquisa, não existem indicadores que apontem que a suposta medida de “reduzir a maioridade penal” surta os efeitos desejados. Por diversos motivos, nos países em que se adota a responsabilização do adolescente nos mesmos termos do adulto, isso não representou recuou da participação do menor na prática de delitos nem a inibiu. Na realidade, sequer intimidou a participação dos mesmos na composição dos indicadores de criminalidade. Grande parte dos especialistas atribuem isso não à falta de informação, mas à falta de discernimento adequado do menor tanto em relação à gravidade da infração que pratica quanto com respeito às consequências penais ou punitivas por haver praticado determinado delito. Embora muitos a tenham visto como a solução para as pressões de segmentos da sociedade, na prática, a “redução da maioridade penal” não alcançou os resultados esperados aonde a medida é implantada.
Solução questionável – riscos e custos
Uma questionável, onerosa e temerária solução como a “redução da maioriadade penal” importa custos e inúmeros riscos à sociedade e à administração pública. Recomenda-se que, no mínimo, os representantes dessa mesma sociedade e os gestores estatais cogitem acerca dos reais fatores ou “causas” que influem de modo decisivo para fomentar a delinquência juvenil. Seria um devaneio surreal ou, no elementar, uma irresponsabilidade empirista adotar uma medida como a “redução da maioridade penal” sem considerar minimamente as processos e fatores que, de fato, concorrem para produzir a crescente prática de delitos, inclusive crimes graves ou hediondos, por parte de adolescentes. Adotar de forma puramente reativa uma medida como essa não passa de uma imatura e precipitada visão política do processo de formação da delinquência infanto-juvenil. Um tipo de experimentalismo jurídico e de empirismo político meramente reativo, sem garantia alguma da consecução dos resultados almejados, cujos impactos podem ser muito mais caros e gravosos à propria sociedade.
O esgotamento do modelo repressivo
Além dos mais, em nosso momento histórico, importa considerar o completo exaurimento, o profundo esgotamento da eficácia de soluções meramente repressivas como respostas a problemas de violência, de criminalidade e de insegurança pública. As medidas, ações e intervenções puramente repressivas não tem efetivamente impedido a expansão da criminalidade, a explosão da superpolação carcerária, o aumento do número de presídios e de cárceres pelo país, a complexificação das organizações e de facções criminosas, dentre outras mazelas perversas do sistema social em que vivemos.
Voltar-se aos fatores do problema e ao processo de socialização
É urgente que se volte a questionar acerca dos fatores e a atuar junto às “causas” que efetivamente concorrem para compor esse cenário de violência, criminalidade e insegurança pública no qual o país está mergulhado, incluindo nele a crescente participação de adolescentes e até mesmo de crianças, tantas vezes manipuladas e usadas por criminosos adultos e contumazes, inclusive a partir do interior de presídios.
A permanente insistência no saturado e monofocal modelo repressivo “poder-polícia presídio” não atende mais sequer aos propósitos de quem raciociona somente a partir do tempo de mandato. As velhas fórmulas repressivas não mais suficientes para lidar com o novo contexto de epidemia de violência, de criminalidade e de insegurança pública. É evidente, “salta aos olhos” a necessidade agir e cuidar do processo de socialização das pessoas em situação de vulnerabilidade social e intelectual ou simbólica numa perspectiva de cultura de cidadania e de paz.
Programas de socialização voltados para formar pessoas com vistas ao convívio social livre, lícito e seguro, em especial voltados para auxiliar comunidades e assistir as famílias, cujos pais passam o dia fora de casa ou não são mais competentes para educar seus filhos. É necessário que a ação de assistência social, a ação cultural, pedagógica e de saúde por parte do gestor público alcance essa realidade de privação e de vulnerabilidade social da criança e do adolescente de modo a ocupar o espaço e evitar o contínuo recrutamento desse precioso público pela economia do crime, particularmente a do tráfico de drogas. Afinal, a crescente participação de adolescentes na prática de delitos é sintoma do quanto tem-se falhado, e até mesmo desaprendido, a socializar indivíduos para o convívio social livre, justo e solidário numa cultura que promova a dignidade humana.
Saideira
Oportuno relembrar algumas das “confissões” do antropólogo e dedicado cidadão Darcy Ribeiro, não para que nos sirva de consolo na desistência, mas para que nos impulsione a agir com clareza e responsabilidade diante da tensa problemática que faz recrudescer a possibilidade de “redução da maioridade penal”:
“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”
É imprescindível que se possa dispor, portanto, ao lado das desafiadoras intervenções policias e das medidas penais do sistema de justiça criminal do país, em especial destinadas aos adolescentes, de ações e programas que atuem substancialmente junto aos fatores que concorrem para a produzir o envolvimento infanto-juvenil em eventos de violência e de criminalidade. Afinal, não é de hoje ser público e notório, dentre as relevantes conclusões do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde da OMS (2002), que “Quanto mais cedo se atuar na vida de um indivíduo, evitando o desenvolvimento de condutas violentas, mais efetiva será a ação preventiva.” Infelizmente, ou quem sabe felizmente, inexiste outro caminho para socializar os indivíduos numa cultura de liberdade, de licitude e de paz (segurança) que não passe pelo resgate da solidariedade e dos valores da dignidade da pessoa humana.
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