Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – Quatro desembargadores do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) votaram pela manutenção de regalias a advogados presos provisoriamente no Amazonas, entre elas o acesso a notebook, internet e aparelho celular. Dois magistrados se manifestaram contra.
As discussões sobre as regalias aos advogados presos ocorrem no âmbito de uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) ajuizada pelo procurador-geral de Justiça do Amazonas, Alberto Nascimento Júnior, contra a Lei Estadual nº 5.661/2021. A lei define o que seria a ‘Sala de Estado Maior’ – onde ficam os advogados presos.
A Sala de Estado Maior é prevista na Lei Federal nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), mas os deputados estaduais acrescentaram benefícios aos advogados presos através de lei estadual.
O caso começou a ser julgado no dia 17 de outubro, com a apresentação do voto da relatora, desembargadora Onilza Gerth, pela suspensão de trechos da lei. Ela acompanhando o entendimento do MP-AM (Ministério Público do Amazonas).
Gerth ela foi acompanhada do desembargador Yedo Simões e o julgamento foi suspenso após pedido de vistas do desembargador Flávio Pascarelli.
No dia 14 deste mês, Pascarelli apresentou voto divergente e foi acompanhado pelos desembargadores João Simões, Domingos Chalub, Joana Meirelles e Délcio Santos. O desembargador Hamilton Saraiva dos Santos pediu vistas dos autos e prometeu apresentar o voto na próxima terça-feira (28).
Sala de Estado Maior
De autoria do deputado estadual Carlinhos Bessa (PV), a lei define o que seria a ‘Sala de Estado Maior’ – onde ficam os advogados presos. Ela vale, inclusive, para advogados suspensos pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
A norma foi aprovada, por unanimidade, pela Assembleia Legislativa do Amazonas em setembro de 2021 e sancionada pelo governador Wilson Lima (União Brasil) em outubro do mesmo ano.
Além de prever que o estado disponibilizará espaço para trabalho sem grades, com notebook, internet, impressora e aparelho celular, a lei estabelece que advogados presos podem receber visitas de familiares duas vezes por semana.
A norma estabelece, ainda, a concessão de prisão domiciliar a advogados, independente da acusação imputada, diante da inexistência de Sala de Estado Maior. Nesse caso, segundo a lei, o juiz deve aplicar restrições previstas no Artigo 319 do CPP (Código de Processo Penal), com exceção da “suspensão do exercício de função pública”.
Na ADI ajuizada em maio de 2022, Alberto Nascimento Júnior sustentou que a lei, ao definir o que seria Sala de Estado Maior, incluiu garantias incompatíveis com a Constituição do Estado do Amazonas e que “não encontram assento na legislação vigente e no entendimento jurisprudencial pátrio”.
Para Nascimento Júnior, ao prever que a Sala de Estado Maior tenha materiais como notebook e internet, a lei amazonense buscou garantir possibilidade do advogado preso continuar a exercer seu trabalho. No entanto, o conceito do ambiente fixado na norma estadual ultrapassou aquele previsto no Estatuto da Advocacia (Lei Federal nº 8.906/1994).
De acordo com o procurador, o advogado, no momento em que cumpre a prisão, passa a “ostentar a condição de preso provisório” e “passa a ter direitos e deveres previstos” na LEP (Lei de Execução Penal). Esta lei, segundo ele, determina que “para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento”.
Ainda de acordo com Nascimento Júnior, a LEP estabelece que, caso o trabalho seja implementado ao preso, deve ser “obrigatoriamente realizado de forma interna, por meio de atividades laborais disponibilizadas dentro da própria estrutura administrativa visando sua ressocialização”.
“Não há qualquer previsão legal de que o preso recolhido provisoriamente prossiga realizando as mesmas atividades laborais de outrora, sobretudo onerando o Estado de modo a viabilizar materialmente o exercício de seu labor, como assim pretende a norma legislativa estadual”, afirmou Nascimento Júnior.
Sobre o trecho da lei que autoriza familiares de advogados a fornecerem equipamentos eletrônicos, como celular e notebook, ao detento, Nascimento Júnior afirma que aos presos “não é garantido o uso irrestrito de aparelho celular e computador” e essa possibilidade não está entre os direitos previstos na LEP.
Em relação a possibilidade de familiares visitarem os advogados duas vezes na semana, o procurador sustenta que a LEP garante o direito em dias determinados pela administração do presídio. No Amazonas, segundo ele, a visitação de familiares atende uma determinada periodicidade e ocorre a partir de agendamento por um aplicativo.
Sobre a regra que garante as regalias advogados presos que foram suspensos pela OAB, o procurador apontou desarmonia com o entendimento dos Tribunais Superiores de “não poder ser invocada a prerrogativa de recolhimento em Sala de Estado Maior por causídicos que estejam com sua inscrição suspensa ou cancelada” no momento da prisão.
Em relação a concessão de prisão domiciliar a advogados, Nascimento Júnior aponta violação à competência dos parlamentares federais de legislarem sobre regras de Direito Processual Penal. Segundo ele, a lei amazonense determina “hipóteses em que deve ser a prisão domiciliar deferida, tratando-se tal matéria de norma de processo, e não de procedimento”.
O procurador revela que a PGE-AM (Procuradoria-Geral do Amazonas) chegou a recomendar ao governador Wilson Lima através do Parecer nº171/2021-GPGE o veto ao trecho que prevê essa regalia, sob argumento da invasão da competência da União. Entretanto, mesmo com o documento, a lei foi sancionada na íntegra.
“Padece, portanto, de evidente inconstitucionalidade forma o aludido texto, na medida em que determina hipótese em que deve ser a prisão domiciliar deferida, cuidando, assim, de matéria de natureza processual, e não procedimental”, afirma o procurador, ao pedir a declaração de inconstitucionalidade da lei amazonense.