Do ATUAL
MANAUS – Dois presidentes do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) atenderam 66% dos pedidos para suspender decisões judiciais contra o estado e municípios amazonenses no período de julho de 2020 a dezembro de 2022, conforme levantamento divulgado pelo Justa, organização social que atua no campo da economia política da justiça. Apenas contra o Governo do Amazonas foram 65% decisões a favor.
Entre as ordens judiciais derrubadas constam aquelas que obrigavam o fornecimento de oxigênio medicinal e a disponibilização de equipe médica e leitos de UTI, de urgência e emergência nos municípios do Amazonas no pico da pandemia da Covid-19.
As suspensões ocorreram através de um mecanismo pouco conhecido, a suspensão de segurança, que dá aos presidentes dos tribunais de justiça brasileiros o poder de sustar decisões judiciais que contrariem os governos. O Justa defende debate sobre esse procedimento.
As informações sobre o Amazonas compõem o estudo intitulado “Suspensão de Segurança na Amazônia Legal”, que mostra como se comportaram os presidentes de nove tribunais de justiça frente aos pedidos dos governos dos estados.
De acordo com o Justa, o estado amazonense se destaca entre os que mais contabilizaram decisões de suspensão de segurança, totalizando 77 medidas nesse sentido. No período analisado, o tribunal amazonense foi presidido pelo desembargadores Domingos Chalub e Flávio Pascarelli.
O Governo do Amazonas teve 65% dos pedidos atendidos. Foram 22 decisões suspensas, três parcialmente suspensas e nove mantidas.
O Justa menciona, entre as decisões derrubadas, uma proferida em janeiro de 2021, que obrigava o Governo do Amazonas a disponibilizar dois leitos de UTI e três leitos de urgência e emergência, para pacientes com Covid-19, internados no Hospital Regional de Tefé.
De acordo com o Justa, a suspensão teve seus efeitos estendidos para outras 62 decisões, que alcançaram os municípios de Manaus, Careiro, Castanho, Tabatinga, Nova Olinda do Norte, Itacoatiara, Coari, Tefé, Parintins, São Paulo de Olivença, Anori, Manacapuru, Maués e Iranduba.
Verbas extras
O Justa também fez levantamento sobre as verbas extras destinadas pelos governos aos tribunais de Justiça. O estudo, denominado “Justiça e Orçamento na Amazônia Legal em 2022“, mostra as verbas extras destinadas pelos governos aos tribunais de Justiça.
O Amazonas, no entanto, não foi incluído nessa segunda pesquisa porque, segundo a organização, o estado não disponibilizou dados solicitados via LAI para o levantamento que analisou orçamento da justiça e liberação de créditos adicionais.
Conforme o levantamento, os estados destinaram R$ 1,1 bilhão em verbas extras para instituições do sistema de justiça em 2022, sendo R$ 654 milhões apenas para folha de pagamento de Tribunais de Justiça, Ministérios Públicos e Defensorias de estados.
Os recursos foram remanejados sem análise dos Legislativos estaduais, contrariando o que está previsto na Constituição, sendo os tribunais de justiça os maiores beneficiados desses créditos extras.
Contando com os valores adicionais, os cinco estados analisados somaram mais de R$ 5,4 bilhões em orçamento apenas para os TJs.
O Justa defende que as dinâmicas de negociação orçamentária entre governos e instituições de Justiça “precisam ser trazidas à público e debatidas abertamente pela sociedade, dado que a ganância desenfreada de carreiras jurídicas pode se constituir como uma avenida para a corrupção institucional”.
“Enquanto o sistema de justiça recebe verbas extras, além das previstas na Lei Orçamentária, áreas essenciais sofrem cortes. Os recursos públicos são finitos e os dados mostram uma escolha dos gestores estaduais em privilegiar as instituições de justiça ao invés de garantir direitos básicos para a população.”, avalia a diretora-executiva do Justa, Luciana Zaffalon.
“Se a Constituição diz que a distribuição de recursos deve passar pelo Legislativo, é razoável a naturalização do atual modelo de abertura de créditos adicionais pelos governos? Essa é uma pergunta que ganha ainda mais relevância quando envolve distribuição de recursos para as instituições que têm a atribuição de responsabilizar o Estado por suas ações e omissões”, completa Zaffalon.
Ao mesmo tempo em que distribuem as verbas extras para o sistema de justiça, os Estados da Amazônia Legal têm recorrido com frequência aos presidentes dos Tribunais de Justiça para suspender decisões judiciais de primeira instância que os contrariam, se utilizando da suspensão de segurança.
O Justa analisou 245 pedidos de suspensão de segurança julgados pelos TJ’s de estados da Amazônia Legal. Os principais fundamentos utilizados pelos presidentes dos tribunais para atender aos pedidos foram o zelo pela ordem pública (130) e pela economia pública (97).
De acordo com o levantamento, quatro setores foram significativamente atingidos pelo uso deste dispositivo: segurança pública, gestão do sistema prisional, pandemia de Covid 19 e a chamada guerra fiscal.
A análise das 245 decisões de suspensão de segurança nos estados da Amazônia Legal mostra que o presidente do Tribunal de Justiça do Maranhão foi responsável por apreciar 133 pedidos, seguido por 77 do Amazonas, 13 do Pará, oito do Mato Grosso, cinco de Roraima, três de Rondônia, três do Amapá e três do Tocantins. No entanto, apesar de alguns TJs terem um número aparentemente reduzido de suspensões de segurança, muitas delas têm seus efeitos expandidos, como no Mato Grosso, em que uma única decisão da presidente do TJ suspendeu os efeitos de 78 decisões judiciais, que tiveram seus efeitos estendidos a outros 35 processos.
“A suspensão de segurança permite uma atuação política dos presidentes dos tribunais brasileiros, dando a eles o poder de suspender decisões judiciais que contrariem os mesmos governos responsáveis por liberar créditos adicionais para essas instituições”, diz Zaffalon.
O estudo do Justa mostra, ainda, que o peso da folha de pagamento das três instituições de justiça – TJ, MP e DP – no orçamento dos estados da Amazônia Legal analisados foi expressivo.
No Maranhão, 15% de toda a folha de pagamento do estado é consumida com salários e encargos dessas carreiras jurídicas; em Rondônia, a fatia destinada para esse fim foi de 13%; em Tocantins, 10%; e no Acre, 8%. O Ministério Público do Pará não forneceu os dados completos para o estudo.
Entre os estados analisados pelo JUSTA na Amazônia Legal, o Maranhão é onde foram distribuídos mais créditos adicionais para as instituições de Justiça e que também registrou o maior número de pedidos atendidos de suspensão de segurança na esfera estadual, a partir de decisões do presidente do TJ-MA. Ao mesmo tempo em que há um orçamento bilionário para as instituições de Justiça, áreas sensíveis sofreram expressivos cortes de investimentos em 2022.
O orçamento geral do Maranhão em 2022 foi de R$ 22,4 bilhões, dos quais R$ 2,8 bilhões foram destinados na LOA (Lei Orçamentária Anual) ao Tribunal de Justiça, Ministério Público e a Defensoria. No decorrer do ano, o governo autorizou o repasse de créditos adicionais de mais R$ 643 milhões ao TJ, MP e DP, dos quais R$ 216 milhões foram utilizados apenas para folha de pagamento. No total, considerando os valores previstos em lei e os liberados em créditos adicionais, o sistema de justiça maranhense recebeu R$ 1,5 bilhão somente para folhas de pagamento.
Assim como ocorreu em outros estados, o governo do Maranhão obteve autorização da Assembleia Legislativa para transferir até 50% do orçamento estadual sem a necessidade de uma análise e aprovação dos deputados estaduais.
O maior beneficiado pela transferência dos créditos extras no sistema de justiça foi o TJ-MA, que tinha um orçamento previsto de R$ 1,5 bilhão e terminou o ano de 2022 com cerca de R$ 2 bilhões, com R$ 471 milhões em créditos que não estavam previstos na lei orçamentária. Esse valor é superior aos orçamentos somados de 10 funções de inegável importância no orçamento público – Transporte, Assistência Social, Saneamento, Cultura, Gestão Ambiental, Trabalho, Comércio e Serviços, Indústria, Organização Agrária e Habitação.
O impacto dessas transferências no orçamento estadual não pode ser ignorado. O estudo do Justa aponta que o Maranhão não distribuiu recursos a áreas essenciais à população que estavam previstos na LOA. Em 2022, o estado cortou 40% do orçamento previsto em LOA para Ciência e Tecnologia, 39% no Saneamento Básico, 38% para indústria, 32% em gestão ambiental e 6% em educação.
Ao mesmo tempo, o presidente do Tribunal de Justiça do estado foi o que mais concedeu decisões de suspensões de segurança no período analisado pelo JUSTA, com 133 suspensões, sendo 70 deles estaduais. Destes, 50 foram atendidos. Entre as decisões favoráveis ao governo, destacam-se a suspensão da instalação de Núcleo de Perícia Forense composto por um Instituto de Identificação, um Centro de Perícias Técnicas para Crianças e Adolescentes, um Instituto Médico Legal e um Instituto de Criminalística. Além disso, a presidência do TJ-MA impediu a designação de delegados e policiais civis para municípios do estado.