Do Estadão Conteúdo
SÃO PAULO – Magistrados estaduais recebem mais ‘penduricalhos’ do que juízes auxiliares e ministros de tribunais superiores, em Brasília. De auxílio-moradia a ‘auxílio-livro’, essas indenizações nos contracheques de juízes e desembargadores dos Tribunais de Justiça (TJs) chegam a ser mais do que o dobro pago a integrantes do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do STM (Superior Tribunal Militar). Em média, a diferença no fim do mês é de R$ 5 mil ante R$ 2,3 mil.
Levantamento feito pelo Estadão Dados, com base nas informações divulgadas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), comparou os ganhos extras nos vencimentos de servidores de tribunais superiores com os estaduais. Enquanto no segundo caso os auxílios representavam um ganho médio de até 18% em relação ao salário básico, para os ministros e juízes dos superiores, o valor fica por volta de 8%.
O TST (Tribunal Superior do Trabalho) não informou os dados de forma precisa. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o STF (Supremo Tribunal Federal) foram desconsiderados do cálculo. O TSE é composto por integrantes com mandatos (não vitalícios) e há ministros que nem sequer recebem vencimentos. O STF, apesar de a presidente Cármen Lúcia chefiar o CNJ, não repassa dados porque, segundo sua assessoria, “não integra o rol de tribunais submetidos ao controle administrativo e financeiro” do órgão.
O País tem 16 mil juízes e desembargadores e os dois tribunais analisados somam 141 magistrados. O presidente da AMB (Associação de Magistrados do Brasil), Jayme Martins de Oliveira, defende a legalidade dos auxílios e diz que a causa da desigualdade entre as instâncias é uma marca da Federação. “Cada Estado tem suas peculiaridades e particularidades, tem de se respeitar isso dentro do regime federativo. Essas verbas são legítimas e devem permanecer”, disse.
Oliveira argumenta que ministros recebem outras vantagens. “Nos tribunais superiores, eles têm direito à moradia direta, apartamento funcional e demais ajudas de custo”. Tribunais superiores garantem carro e motorista aos ministros.
No entanto, para o ministro aposentado do STF Eros Grau, o motivo das discrepâncias nos vencimentos é o desrespeito à Constituição. “O que existe é o que está escrito na Constituição: ou se cumpre ou é a desordem”, afirmou. “Eu sou ministro aposentado e recebo uma quinta parte do que hoje ganha um juiz por aí. Isso é uma barbárie”. Eros deixou o Supremo em 2010 e hoje atua como advogado. Segundo o site do STF, seu vencimento líquido é de R$ 22,5 mil.
Na semana passada, o ministro do STF Luiz Fux liberou para o plenário o julgamento de uma ação sobre auxílio-moradia a juízes federais que estava parada em seu gabinete desde 2014. A iniciativa de Fux ocorreu um dia após o Estado publicar o impacto anual dos “penduricalhos” pelo País, cerca de R$ 890 milhões.
A consequência desses auxílios é direta no contracheque dos magistrados. Tanto nos TJs como STJ e STM, há juízes com rendimentos superiores ao teto constitucional – fixado hoje no salário básico dos ministros do Supremo, de R$ 33.763,00. Isso porque estão inclusos direitos eventuais e indenizações diversas. Apesar de nas Cortes de recursos não constarem casos mais extremos, a proporção de ministros que recebem acima do teto é de mais da metade – 95 do total de 141 – contra um terço dos magistrados estaduais.
TJs e tribunais superiores, em Brasília, defendem a legalidade dos auxílios e das demais indenizações por estarem de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura e resoluções do CNJ.
Em causa própria
Os dados publicados sobre a remuneração nos tribunais brasileiros são impressionantes, especialmente em tempos de austeridade, com reformas (da Previdência e trabalhista) a afetar milhões de brasileiros. Tais dados, alguns ainda inconsistentes, foram obtidos pelo CNJ, órgão ligado ao Judiciário e criado em 2004 para controlar administrativa e financeiramente todos os tribunais.
Os números mostram que é excessiva a quantidade de juízes que ganham acima dos subsídios dos ministros do STF, teto fixado pela Constituição em 2003, ou seja, há 14 anos. Naquela época, acreditou-se que o novo regime de subsídios – que substituía o de vencimentos – acabaria com os “penduricalhos” de algumas carreiras, proibindo abonos, verba de representação, adicionais. Esclareça-se que não se proíbe o pagamento de férias, 13º salário ou indenizações fundamentadas, mas, sim, de auxílios alimentação, escolar, para mudanças, duvidosas indenizações retroativas, algo que totaliza R$ 890 milhões por ano.
Quando se trata de fixar remuneração, há generosidade demais na interpretação do direito pelos tribunais – é verdade que mais acentuada nos Estados – o que afeta, claramente, sua legitimidade aos olhos de servidores e cidadãos “comuns”, restando acreditar que a função de controlar esses gastos excessivos será cumprida pelo CNJ e STF que podia, este último, também, em prol do princípio da transparência, divulgar seus próprios dados.