
Do ATUAL
MANAUS — Peixes endêmicos que habitavam o Rio Uatumã, nos distritos de Balbina e Pitinga, em Presidente Figueiredo (a 117 km de Manaus), não são mais encontrados na região. A ausência dessas espécies foi constatada 35 anos após a construção das usinas hidrelétricas, segundo pesquisadores do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).
O estudo tinha como objetivo avaliar a permanência de sete espécies de peixes reofílicos — que vivem exclusivamente em cachoeiras e águas rápidas —, descritas originalmente no Uatumã. Os primeiros resultados indicaram que as espécies ameaçadas de extinção não foram mais registradas nos locais analisados.
Douglas Bastos, um dos pesquisadores, diz que essas espécies têm importância biológica e defende a necessidade de ampliar as buscas em áreas não impactadas pelas hidrelétricas, como os rios Abacate e Jatapu, afluentes do Uatumã.
Em expedição no Rio Uatumã, realizada em novembro de 2023, foram coletados 945 exemplares, mas nenhuma das espécies esperadas foi encontrada. Bastos disse que a ausência do peixe Badi (Mylesinus schomburgkii), outrora abundante nas cachoeiras do rio, é emblemática do impacto ambiental causado pela Hidrelétrica de Balbina.
Rapp Py-Daniel, pesquisadora responsável pelo projeto, diz que a transformação do ambiente de correnteza para um lago alterou significativamente o ecossistema. “Voltar 35 anos depois, encontrar o mesmo ato humano, muito alterado, sem encontrar nenhuma dessas espécies que tinham sido encontradas 35 anos atrás, é preocupante”.
“A gente vê que tem um depósito de um material nas pedras que não tinha antes, a qualidade da água está diferente, e teve um impacto não só em biodiversidade, como até a qualidade de água, afetando até os moradores locais na região também”, cita.
A segunda fase do projeto concentrou-se em habitats ainda não atingidos pelas hidrelétricas. No rio Abacate, um tributário de pequeno porte, nenhuma das espécies alvo foi encontrada devido à falta de condições similares às cachoeiras do rio Uatumã. Em seguida, os pesquisadores exploraram o rio Jatapu, cujos ambientes são mais próximos dos do rio Uatumã.
No Jatapu, foram capturadas espécies antes registradas nas cachoeiras de Balbina, incluindo duas ameaçadas de extinção: uma espécie de sarapó (Apteronotus lindalvae) e uma de bodó (Harttia uatumensis). Segundo Rapp Py-Daniel, esses achados oferecem esperança para a preservação desses peixes.
“Nossa expectativa de encontrar algumas das espécies, descritas para o rio Uatumã, no rio Jatapu foi confirmada. Nossos resultados preliminares, juntamente com os dados ecológicos obtidos em campo, podem contribuir para ações de conservação desta área e, consequentemente, dessas espécies”, afirma Bastos.
Além disso, foram coletadas entre 10 e 15 espécies potencialmente novas para a ciência. Os pesquisadores admitem que há desconhecimento sobre a biodiversidade da bacia do Uatumã.
Intitulado “Peixes reofílicos do rio Uatumã: avaliando o status de conservação após 35 anos da construção das UHEs Balbina e Pitinga, Amazonas, Brasil”, os pesquisadores esperam ampliar o projeto para entender melhor a diversidade local e fornecer informações que subsidiem planos de conservação junto a órgãos governamentais como Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).