Diante do atual cenário de profunda crise econômica e institucional, sobretudo o viciamento sistêmico da mediação política, a ineficácia da máquina pública e a precariedade de serviços públicos essenciais (saúde, educação, segurança pública, sucateamento da infraestrutura do país), é bastante compreensível que a sociedade nacional se questione: para onde estamos indo? aonde essas medidas e reformas, ditas “salvadoras da pátria”, vão nos levar? será que o Estado está mesmo do lado da sociedade brasileira?
Após o processo de reabertura política, que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi-se desacelerando e gradativamente restringindo o processo de aprimoramento das instituições de mediação política no país. Esse aprimoramento “político-institucional” estacionou nalguns plebiscitos e produziu parcas inovações, tendo sido talvez a lei de responsabilidade fiscal e lei da “ficha limpa” as mais expressivas durante todo esse percurso. Efetivamente, quase nada se fez em relação ao aprimoramento da democracia enquanto relacionamento entre o Estado e a sociedade.
Muito menos quando se trata de desenvolver a democracia intra e extra partidária. Pouquíssimo com referência à democratização das campanhas eleitorais, à prevalência do poder econômico, à manipulação do voto pelas mídias e agora pelas redes sociais. Ao longo do tempo, restou acumulado, com isso, um significativo déficit de aprimoramento da qualidade dos poderes e das instituições políticas, bem como do sistema eleitoral e de certos procedimentos de legitimação política, essenciais à consolidação da democracia no Brasil.
É natural que, nesse tempo de “lama de poço sem fundo”, a sociedade se interrogue acerca de certas questões como: qual o sentido dessa “jogo político-eleitoral” para uma democracia que nunca se consolida? Que tipo de Estado tornaria viável um projeto de democracia? Qual o caminho para superar o “eterno retorno” à logospirataria política? Como suplantar o obscurantismo informacional e político num tempo de amplo acesso às tecnologias de comunicação? Poderemos revisar ou mesmo refundar o modelo federativo vigente? Como retomar a perspectiva republicana nas instituições políticas e estruturas de poder atuais? Quais seriam as alternativas ao presidencialismo de coalização ou de cooptação? semipresidencialismo? Parlamentarismo? Tantas perguntas. Não é possível respondê-las sem um projeto de democracia minimante pactuado entre os diferentes segmentos da sociedade brasileira.
Observar a presença dessas questões junto às pessoas, ao imaginário político de setores da sociedade é, de certo modo, algo novo que resulta do desenrolar da crise que se arrasta, mantendo-se sempre atual. As pessoas gradualmente passam a ver muitas restrições à experiência democrática. Começam a perceber entraves, limites crônicos, problemas sempre alegados e nunca superados. Aos poucos, tomam concretude certas formas de indignação contra os privilégios patrimonialistas, o clientelismo, a plutocracia, a corrupção sistêmica. Há uma grande e reprimida demanda de superação das crises econômicas, éticas, políticas, sociais nas quais se tornou cativo o Estado e a sociedade brasileira.
Busca-se um novo modelo de democracia para o país: um que o destrave, contribua para o mesmo crescer, crie condições para que todos os segmentos da sociedade consigam se desenvolver e efetivamente consolide a experiência democrática no Brasil, apesar de todas as dificuldades e resistências para suplantar históricas tradições de injustiças e de privilégios, naturalizadas nas estruturas do Estado brasileiro.
Não é simples nem fácil conduzir esse processo. Há muitos riscos, sobretudo quando se abrem espaços a perspectivas autoritárias e nostálgicas ilusões para com regimes de força, seja de direita seja de esquerda seja de centro. Parcela do eleitorado nacional, quando se depara com as mazelas do viciado modelo de Estado brasileiro, suas carcomidas instituições de mediação política e as limitações impostas à experiência democrática, tende a seguir de modo irracional a certas propagandas do que se lhe apresentam como novo, inclusive certos tipos de militarismo, restrição a direitos fundamentais e mesmo ditaduras.
É um processo complexo e de efetivos riscos. Contudo, há certos setores da sociedade nacional que já conseguem se inteirar e perceber a incoerência e as limitações de tais modelos para com as perspectivas de uma sociedade inclusiva, desenvolvida e democrática. Embora a perdulária elite política caminhe a passos de cágado no sentido de instaurar instituições e procedimentos para promover a efetividade da democracia no país, a sociedade brasileira tende a questionar de modo crescente sobre seus próprios rumos e perspectivas. Cada vez mais obsoleto e desmistificável é o discurso que sujeita a democracia e as potencialidades da sociedade brasileira aos privilégios dos donos do poder e dos caciques de um Estado parasitário, que só age em favor de seus apadrinhados. A logospirataria política é contida cada vez que o obscurantismo político é suplantado.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.