A corte máxima da justiça brasileira deu prosseguimento, na quinta-feira, ao julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidades (ADC) 43, 44, e 54, nas quais se discute a possibilidade de início do cumprimento da pena antes de serem esgotadas todas as possibilidades de recurso, o conhecido trânsito em julgado. As ações foram ajuizadas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN, atual Patriota), OAB e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), com o objetivo de examinar a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal.
O artigo 283 do CPP, cuja declaração de constitucionalidade ora se requer, possui a seguinte redação: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgadoou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
A constitucionalidade da execução provisória da pena tem sido objeto de idas e vindas da jurisprudência do STF. Durante as duas primeiras décadas do atual regime estabelecido pela Constituição Federal de 1988, admitiu-se a possibilidade de imposição da pena com base em decisão condenatória de segundo grau, mesmo quando existente recurso especial ou extraordinário pendente de julgamento.
No ano de 2016, foi decidido se tratar de um direito sem caráter absoluto, cujo âmbito de proteção é passível de conformação com o legislador ordinário. A despeito de a garantia (não culpabilidade) impedir seja o réu considerado culpado antes do trânsito em julgado da decisão, a definição do que significa tratar com culpado depende de intermediação legislativa. HC n. 126.292/SP.
Entenda: tanto a Constituição Federal quanto o CPP não declaram que é necessário esperar até última instância para que alguém seja preso. Temos um jogo em curso, onde foi preciso criar toda uma narrativa para se fazer pensar que o problema está na CF, e que a prisão antes do trânsito em julgado é incompatível com as garantias fundamentais asseguradas ao réu.
Não há país no mundo que trate a questão dessa forma, a discussão é toda manipulada para nascer uma nova jabuticaba jurídica. Não podemos ter uma justiça que não puna nunca, já somos considerados um país com alto índice de criminalidade, e tornar o bandido uma vítima do encarceramento só aumentará a impunidade.
Após a prisão de bandidos poderosos travestidos de políticos, os entendimentos de ministros da Suprema Corte, como Dias Tofolli e Gilmar Mendes, que antes votavam a favor da prisão em segunda instância, passaram a entender que tal prisão é inconstitucional. Cabe lembrar: Gilmar Mendes, autor de algumas doutrinas jurídicas, sempre defendeu que essa prisão não violava a presunção de inocência.
Fica evidente que a situação tenta ser modificada, para dar legitimidade à impunidade de alguns presos ilustres. O que na verdade está em jogo, é acabar com as instituições que combatem a criminalidade.
A grande parte dos membros do Congresso Nacional está envolvida com crimes e o STF se coloca em posição de blindagem desses congressistas, que cometeram crimes não apenas para saquear os cofres públicos, mas para destruir nossa República se perpetuando no poder. É clara a tentativa de destruição do Estado Democrático de Direito.
A demora na aplicação das sanções proporcionais em razão da prática de crimes abala o sentimento de justiça da sociedade e compromete a percepção que a cidadania tem de suas instituições judiciais. Punir alguém, muitos anos depois do fato, não realiza os principais papéis do direito penal, de prevenção geral, prevenção específica, retribuição e ressocialização.
O ministro Roberto Barroso disse: “A ordem constitucional brasileira não exige trânsito em julgado para a decretação de prisão. O que se exige é ordem escrita de autoridade competente. A presunção de inocência é um princípio, e não uma regra absoluta, que se aplique na modalidade tudo ou nada. Por ser um princípio, ela precisa ser ponderada com outros princípios e valores constitucionais”.
É inaceitável que uma alteração jurisprudencial manipulada para proteger políticos bandidos ou bandidos políticos, colocando em liberdade mais de 150 mil criminosos, possa ser implementada sem que os anseios da sociedade, que clama por punição, sejam observados. A credibilidade e respeitabilidade da justiça, por evidente, integram o conceito de ordem pública, que ficaria violada pela falta de efetividade do processo penal.
O sentimento de impunidade não pode imperar, a sociedade não deve se calar com tamanha aberração, precisamos manifestar nossa indignação e exigir que o STF faça, não apenas o que a população deseja, mas que cumpra seu papel de guardião da Constituição Federal.
Sérgio Augusto Costa é Advogado, especialista em Direito Penal, Processo Penal e Eleitoral.
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