Extremismos são perigosos e não é de hoje. Eles acompanham a história humana, deixando rastros de tragédia que, às vezes, perduram no tempo. Desde a remota Antiguidade são deflagradores de graves conflitos e guerras, dentre outras nefastas consequências (opressão, terror, extermínio, genocídio, escravidão, preconceito, xenofobia, espoliação…).
A Antiguidade é pródiga de exemplos nesse sentido por conta do extermínio de civilizações inteiras. Na Idade Média, a “caça às bruxas” também vitimou a muitos inocentes. A invasão de Jerusalém pelos muçulmanos provocou as cruzadas, também de feitos extremos. O genocídio de povos e culturas ameríndias no processo de colonização do Novo Mundo, o tráfico negreiro, a truculência da Revolução Industrial, dentre outros processos, foram tecidos no calor do extremismo de interesses. Períodos de chacinas motivadas por extremismos políticos e econômicos são mais frequentes na história humana do se imagina. O que dizer então do século XX, que produziu o Totalitarismo, o Nazifacismo, a Guerra Fria e outros extremos? Acertadamente, o historiador inglês Eric Hobsbawm chamou-o de “a era dos extremos”.
O século XXI, que iniciou com o drama do 11 de setembro, nada deixar a desejar aos demais. Pelo contrário, reforça a tendência ao extremismo desse tempo com o episódio envolvendo o jornal francês Charlie Hebdo, que também é, a seu modo, extremista. Não há inocentes nessa história de extremos, impaciência e incapacidade para o diálogo respeitoso. Restou apenas a violência, agora possível círculo vicioso causa/consequência de eventos de terror.
Os direitos e as liberdades conquistados, que deveriam ser empregados para combater o preconceito, o obscurantismo, a injustiça, a espoliação econômica, a opressão política, o fundamentalismo religioso, que dão causa ao terror sistêmico, não poderiam ser utilizadas para alimentar ainda mais os extremismos entre partes já tensas e ressentidas. Isso é como acender um rastilho de pólvora. Os extremismos não são meios adequados para aqueles que alegam buscar a liberdade, a justiça e a paz.
As liberdades de opinião, de expressão, de ir e vir, de reunião, de associação, de consciência e de crença, de culto, dentre outras, precisam coexistir coordenadamente e não de forma antagônica, evitando assim pôr em risco o próprio regime democrático. Eventualmente, surgem conflitos, todavia, o tratamento deles de maneira adequada permite que os mesmos sejam superados em favor do bem maior, que é a preservação e desenvolvimento da própria coletividade. Os valores fundamentais da sociedade aberta necessitam conviver de forma respeitosa, proporcional, moderada e não um modo absoluto, grosseiro e violento, o que poderia pôr em risco o equilíbrio do próprio regime. A democracia se ergue no delicado equilíbrio entre os alicerces irrenunciáveis da dignidade da pessoa humana, assentada na observância dos direitos fundamentais.
Não é de hoje que o extremismo vicia o discernimento, compromete o diálogo, limita a liberdade e redunda em violência não apenas física, mas também simbólica. Basta perceber em que pode resultar o cego fanatismo de uma simples torcida de qualquer modalidade esportiva. O que dizer então de grupos organizados em torno de uma causa, que transformam em dogma, seja profissional seja religioso seja cultural? Obviamente, podem usar tanto a religião quanto a imprensa ou um partido para ofender, insultar, praticar bullying, fomentar preconceitos e discriminações ou ainda pegar em armas para praticar sanguinários atos de terror.
Os extremismos têm o potencial de colocar tudo a perder, pois representam efetivo risco à garantia do equilíbrio entre as liberdades e os direitos fundamentais. É algo nefasto, na medida em que destrói aquilo que pretende afirmar. Como afirma o perspicaz escritor Milan Kundera: “Os extremos são a fronteira além da qual termina a vida…, é uma velada ânsia de morte”. Enfim, os extremismos, ainda que simbólicos, têm um grande potencial para o aniquilamento, inclusive autodestrutivo.
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