Em que pesem as condições precárias dos estabelecimentos penais no país, o ócio opera, em regra, como vício ou conduta viciada nos presídios, fomentando a cultura de violência, de delinquência e toda sorte de deformidade no interior dos cárceres, impactando a convivência social fora deles.
Ao adentrar nos cárceres brasileiros, ao invés de serem submetidos a programas básicos de formação humana e de preparação para a reinserção social, a fim de combater a cultura da violência e do crime, os detentos são lançados numa ociosidade viciante, deformadora e criminógena. Uma “escola integral” do crime e de violação de direitos fundamentais. Trata-se da quarta população carcerária do planeta, mais de 607 mil presos, conforme o último levantamento do Ministério da Justiça, atrás apenas da Rússia (mais de 673 mil presos), da China (1,6 milhão) e dos Estados Unidos (2,2 milhões).
De acordo com os dados oficiais, a grande maioria da população carcerária brasileira é constituída por jovens de baixa renda, ensino fundamental incompleto e cumpre pena ou está provisoriamente preso por condutas relacionadas ao tráfico de drogas, à associação para tráfico ou ainda ao porte de substâncias entorpecentes. Isso não significa entre os demais encarcerados não haja os que estão presos por causa de condutas viciadas ou pela prática de atos delituosos voltados para satisfazer certos vícios ou dependências (além de química, comportamentais, como o estupro, fraude sexual, o roubo etc).
No presídio, os internos não têm qualquer acompanhamento do processo de desenvolvimento com vistas à reinserção social ou à ressocialização, sobretudo os presos sem sentença condenatória, encarcerados sem pena, considerados, por isso, provisórios. Na realidade, geralmente, não se oferta no interior das unidades prisionais programas de formação, treinamentos nem oficinas educacionais ou terapêuticas, fundadas na ética dos valores da dignidade humana e da cidadania, com vistas à reinserção social do egresso. É um grave descaso para com a população de encarcerados e com a segurança pública.
Ocorre também que, mesmo quando oferecidas oportunidades de estudo e de trabalho, os presos apenados, e muito mais os provisórios, podem recusar-se legalmente ao estudo e ao trabalho sem que isso lhes seja considerado para avaliação de comportamento, diferentemente do que ocorre na sociedade. Faculta-se, assim, aos internos do sistema prisional uma vida centrada no ócio vicioso, aquele que reforça os valores e as condutas da cultura criminógena.
Em face desses aspectos, importa questionar para qual sociedade os internos dos presídios brasileiros estão sendo efetivamente preparados para serem reinseridos. Importa lembrar que, na vida social das sociedades do Ocidente, quem não estuda nem trabalha é reprovado socialmente e sofre restrições de oportunidades. A regra habitual é a de que a socialização para o estudo e o trabalho ocorra logo cedo, desde a mais tenra idade, constituindo-se praticamente numa espécie de condicionamento cultural.
Qual o sentido ou eficácia funcional de um sistema prisional que não condiciona seus internos à disciplina do estudo e do trabalho? Para qual sociedade ou ambiente social esses internos estão sendo preparados ou socializados quando não aprendem a desenvolver o hábito do estudo e do trabalho? A pena imposta, que não considera esses aspectos, pouco se aproveita para a sociedade e para os próprios presos, vez que não leva em conta a dinâmica da sociedade da produção e do mercado, ancorada sobremaneira em processos sociais de estudo e de trabalho com vistas, dentre outras coisas, à formação de quadros profissionais e de carreiras.
A situação de grave crise socioeconômica, aumento do desemprego e as dificuldades de recolocação no mercado de trabalho, justificam ainda mais a prioridade da experiência prisional estar pautada para uma ressocialização de presos que considere as características da sociedade na qual estes mesmos serão reinseridos. No caso das sociedades ocidentais, ressalta-se o estudo e o trabalho como eixos estruturadores da inclusão socioeconômica. Essa realidade precisa ser considerada para efeito de socialização dos internos do sistema prisional, condição bastante distinta do ócio vicioso a que estão sujeitados os encarcerados no Brasil.
Ao serem atirados nos cárceres do país, os presos ficam à sorte das facções criminosas. Usualmente nenhum programa, nenhuma oportunidade lhes é ofertada. E, quando acontece, não se pode ignora, usualmente, a maior parte dos presos recusa-se a trabalhar e estudar, o que contraditoriamente não afeta a avaliação de comportamento de viciados no ócio instrumentalizado para a violência e a atividade delinquente. Resultado: reforça-se a cultura criminógena.
Por conta disso, a legislação brasileira deveria rever essa situação. Cobrar a oferta de oportunidades de estudo e de trabalho lícito e remunerado aos encarcerados. Punir a inércia ou negligência da administração para com a matéria, considerando-a grave violação de direitos fundamentais. Reexaminar a matéria para reconsiderar o tratamento concedido à recusa do preso em trabalhar e em estudar, que atualmente em nada influencia ou impacta na avaliação de seu desempenho ou comportamento na unidade prisional. Considerar que a todo direito correlaciona-se um dever. A lei de execução penal (LEP) é bastante avançada, mas tem limites ao desobrigar o preso de certos papéis sociais básicos, tal como o de estudante e o de trabalhador.
A recusa do preso para o estudo e o trabalho, estando ele apto a ambos ou a um dos dois, não deve ser visto como algo que não afete a avaliação de comportamento. Se considerarmos que o propósito da prisão é também a ressocialização, então, é necessário preparar esse preso para que ele viva em sociedade, internalizando a dinâmica de usufruto de direitos em coerência com o cumprimento de deveres. A cultura em que vivemos, no mundo ocidental, requer uma postura afirmativa de comprometimento em relação ao trabalho e ao estudo.
A própria LEP, em seu artigo 6º, prevê que uma comissão técnica elaborará um programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório. Infelizmente, todavia, isto é rotineiramente ignorado. Pouco ou nada se faz a respeito. O presídio, que deveria ser um espaço de socialização do interno, talvez por via de sua ocupação integral, especialmente com programas de formação e de trabalho, acaba tornando-se um núcleo de viciada ociosidade, que opera em favor do crime e da violência.
O sistema prisional brasileiro não deve prosseguir ignorando, mas precisa levar em conta seriamente a dinâmica de inserção socioeconômica na sociedade nacional e estudar meios de aplicar, no interior dos presídios, aqueles processos fundamentais à socialização e reinserção do interno, de modo a oportunizar que os presos, condenados ou não, possam aprender a conviver numa sociedade de mercado e de produtividade. Disso resulta a preparação dos mesmos para quando alcançarem a condição de egressos. Autor de consequentes reflexões no tempo das “luzes”, é oportuno parafrasear Voltaire: “O estudo e o trabalho nos poupa de três grandes males: tédio, vício e necessidade.”
Estudo, trabalho, ócio criativo são essenciais a todas as pessoas e, no sistema prisional brasileiro, deveriam ser processos de socialização e de formação ainda mais valorizados, de modo a se constituírem na disciplina de todos os dias dos internos. Nada justifica os presos continuarem sujeitados à viciadora ociosidade degradante e criminógena no interior dos estabelecimentos penais, por vezes mais grave do que aquela com a qual estavam habituados fora do cárcere.
A educação e trabalho no interior do cárcere necessitam ser adequados à realidade dos presos. Não basta providenciar a oportunidade da velha educação pública formal ou escolarização, a mesma que já não funciona aqui fora. Querer simplesmente transportá-la ou copiá-la para os encarcerados é perda de tempo, de recursos e um despropósito. Há necessidade de se promover certos conteúdos axiológicos (ética, dignidade humana, educação sexual, ambiental, saúde e higiene…) e profissionalizantes antes mesmo dos conteúdos da educação formal com o fim de escolarizar os internos.
O desenvolvimento subjetivo, o equilíbrio emocional, o lucidez do discernimento são muito relevantes nesse contexto para que o preso consiga resignificar sua identidade e inserção social, o que ressalta a relevância de um trabalho psicológico e de neurolinguística com o interno. É atentar para o óbvio: “Tudo está na mente. É onde tudo começa. Saber o que se quer é o primeiro passo…” – Mae West. Sem compreender isso, a educação formal ou mera escolarização, quando disponibilizada nos estabelecimentos prisionais, tende a não surtir efeito algum. Aliás, pode até mesmo gerar maior frustração e insatisfação entre os encarcerados. Essa é, sem dúvida, uma das razões de ser tão inexpressivo o número de aprisionados que escolhem estudar e trabalhar no interior do sistema carcerário quando essas oportunidades lhes são oferecidas.
Portanto, o ócio vicioso dos presos pode e deve ser superado, inclusive desde o início do ingresso no sistema prisional, mesmo na condição de provisoriedade. Para isso, é essencial a implantação de programas e processos de socialização que partam da formação na ação, considerem a realidade subjetiva dos internos e a dinâmica socioeconômica da realidade na qual serão reinseridos. Desse modo, tende-se a formar cidadãos a partir dos cárceres, a fim de que não reincidam na prática de delitos, mas possam se tornar protagonistas do próprio processo de libertação, de desenvolvimento humano e de reinserção social.
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