A célebre expressão a respeito da melhor forma de se contar uma verdade inconveniente ou difícil começou com uma história mais ou menos assim:
Um casal bem de vida dedicava especial atenção a um gato de estimação. Na verdade, parecia que o casal é que fora domesticado pelo gato. Quando fizeram uma longa viagem de férias, deixaram o felino sob os cuidados da empregada com uma série de minuciosas instruções. Entre elas, o alerta de que o gato era vegano e só devia comer uma ração especial sem glúten. O bicho devia ter seus lustrosos pelos escovados três vezes ao dia. No quarto do bichano, o maior da casa, a TV deveria estar sempre ligada no canal Animal Planet.
Todos os dias o casal ligava para perguntar como estava o gato. Numa das ligações, a empregada imediatamente contou: “Seu gato morreu! ” A madame, nervosa e desesperada, entrou em pânico e passou mal. O marido, também chocado, repreendeu a empregada, ressaltando que ela deveria ter sido mais cuidadosa ao dar a notícia. Ele a instruiu sobre uma forma menos brusca de transmitir acontecimentos negativos:
A recomendação era que ela poderia começar dizendo “o gato subiu no telhado”. Depois diria que o felino se desequilibrou. Em seguida, que o gato caiu do telhado. Na sequência, que ele ficou doente. Em outro momento, diria que o animal talvez não se recuperasse. Noutro instante, informaria que ele parou de miar. E, só após essa preparação toda, contaria que o bichinho acabou não resistindo à queda. Seria mais sensível e respeitoso. A empregada jurou ter aprendido a lição.
Semanas depois, estando ainda de férias, a madame ligou novamente para a empregada e perguntou-lhe se estava tudo bem. A empregada, cuidadosamente, respondeu: “Está tudo bem. Mas sua mãe subiu no telhado…”
Quando o Brasil se candidatou a sediar eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, muita gente não quis ouvir as duras verdades sobre o que isso significaria de fato. Os críticos afirmavam que, devido às hiperbólicas exigências da Fifa e do Comitê Olímpico Internacional (COI), seriam necessários gastos excessivos para custear eventos que durariam apenas um mês. E depois os custos da festança não cessariam porque ainda teríamos que continuar desembolsando verbas para a manutenção de estádios e ginásios construídos especialmente para os eventos e que não teriam como se sustentar por si próprios. E isso sem mencionar o montante de dinheiro público que poderia ser desviado.
Era uma informação dura demais. Muito mais agradável era escutar promessas como as de que a Copa seria inteiramente financiada por dinheiro privado e as Olimpíadas garantiriam a despoluição da Baía de Guanabara.
Sediar eventos desse porte era ainda uma afirmação de que o País parecia ter a autoestima de um gato e já cumpria sua vocação de potência mundial. Ronronamos ao ouvir que ao final ainda teríamos lucro.
Ou seja, enquanto os críticos nos alertavam que nesse Jogo do Bicho tudo “ia dar bode”, ia ter “elefante branco” e que nós “pagaríamos o pato”, o brasileiro só queria saber “da ração sem glúten do gatinho vegano”. E se o problema era a verdade feia e crua sendo dita de uma vez, não podemos reclamar das doses homeopáticas de informações negativas sobre esses eventos. Desde que o Brasil foi escolhido para sediar a Copa, em 2007, e as Olimpíadas, em 2009, não param as notícias do tipo “o gato subiu no telhado”.
O pior é saber que tudo que envolveu a Copa e as Olimpíadas não foram casos isolados e atípicos. Do jeito que as coisas andam, não é preciso ter percepção felina para interpretar que não apenas o gato, mas “a mãe está indo para o telhado”.
E como o País continua sendo governado por gatunos, resta aceitar o conselho do poeta admirador dos bichanos Caio Augusto Leite: “Ninguém me faz de gato e sapato. Mas se conseguem eu retribuo. Quando gato fujo. Quando sapato – chuto”.